Pictures stink”, costumava dizer Frank Sinatra, que nunca teve a sua carreira de actor em especial consideração. Num dos “especiais” televisivos que fez na década de 80, chegou a incluir uma montagem de uma selecção daquelas que considerava serem as cenas mais ridículas ou embaraçosas das suas participações no cinema, que comentou ironicamente. Mas a verdade é que Frank Sinatra — que faria 100 anos este sábado, 12 — não só entrou num punhado de filmes memoráveis, e não apenas musicais, como também era um actor mais do que potável. Sobretudo quando o projecto lhe agradava, e era dirigido e estava rodeado de amigos e pessoas de quem gostava e em que confiava. Ganhou um Óscar de Actor Secundário e mais dois honorários, e três Globos de Ouro, bem como alguns prémios da crítica, entre outros. E até chegou a realizar um filme (medíocre), “Ninguém Foi Tão Valente”, em 1965.

Além disso, é ao cinema que Sinatra deve o segundo fôlego da sua carreira, contradizendo a frase de Scott Fitzgerald segundo a qual “Não há segundos actos nas vidas americanas”. Em 1953, o cantor tinha caído do alto da pilha para o fundo do poço. O seu grande amigo e competentíssimo publicista George Evans tinha morrido subitamente; a sua tempestuosa relação com Ava Gardner estava a desfazer-se; teve um grave problema de voz; devia uma pequena fortuna ao fisco; a sua popularidade estava a desvanecer-se; não vendia discos e não enchia salas, nem sequer em Las Vegas. Um jornal chegou a titular: “Frankie is gone”. O papel do soldado Maggio em “Até à Eternidade”, de Fred Zinnemann, e o Globo de Ouro e o Óscar de Melhor Actor Secundário que ele justamente lhe valeu, renovaram-lhe a confiança em si mesmo e voltaram a pô-lo no topo, assinalando “uma nova e brilhante fase na sua carreira”, como escreveu um dos seus biógrafos.

Veja aqui a lista de dez dos melhores filmes de Frank Sinatra, rodados entre as décadas de 40 e 80. Antes, confira nesta fotogaleria os cartazes originais.

10 fotos

1- “A Linda Ditadora” (Busby Berkeley, 1949) – Entre 1944, data da sua estreia no cinema, e este “A Linda Ditadora”, Frank Sinatra tinha aparecido a cantar e quase sempre a fazer de si mesmo nalguns musicais, e interpretado duas ou três fitas de enredo menores, com a excepção de “Paixão de Marinheiro”, de George Sidney, em 1945, ao lado do seu amigo Gene Kelly. Kelly foi buscá-lo de novo para este musical de época, onde interpretam jogadores de basebol que são também artistas de “vaudeville”, ao lado de Esther Williams e Betty Garrett, e cantam e dançam em inspiradíssima e esfuziante associação.

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2- “Um Dia em Nova Iorque” (Gene Kelly/Stanley Donen, 1949) – No mesmo ano de “A Linda Ditadora”, Kelly e Sinatra, e de novo acompanhados por Jules Munshin (Ann Miller, Vera-Allen e Betty Garrett são o interesse romântico) emparceiraram pela terceira vez nesta obra-prima do musical clássico de Hollywood, co-assinada por aquele e por Stanley Donen, interpretando marinheiros com uma licença de 24 horas em Nova Iorque. Este foi o primeiro musical a ser rodado fora de um estúdio e no sítio onde a acção da história se passava. Sinatra e Kelly estão no auge dos seus talentos de cantores e bailarinos, e o filme é uma afinadíssima máquina da alegria.

3- “Até à Eternidade” (Fred Zinnemann, 1953) – Há uma lenda em redor deste filme, segundo a qual foi a Máfia que conseguiu o papel do soldado Angelo Maggio para Frank Sinatra, e que a célebre cena da cabeça de cavalo na cama de “O Padrinho” se refere a isso. Mas não passa de uma lenda. Sinatra teve que prestar provas ao realizador Fred Zinnemann, e se houve alguma influência exterior para que ele obtivesse o papel, foi de Ava Gardner junto de Harry Cohn, o “patrão” da Columbia. Sinatra entrou cantor neste filme, e saiu também actor. E isto, segundo ele, graças a Montgomery Clift, que faz o soldado Prewitt, com o qual, disse, aprendeu “mais sobre representação do que com qualquer pessoa antes”.

4- “O Seu Ofício Era Matar” (Lewis Allen, 1954) – Eis um dos segredos mais bem guardados da filmografia de Frank Sinatra. Na sequência de “Até à Eternidade”, e desejoso de ter mais papéis dramáticos suculentos, além de continuar a fazer comédias ligeiras e musicais, o cantor soube pelo seu amigo Montgomery Clift que este recusara o papel principal deste “thriller” onde um grupo de falsos agentes do FBI planeia assassinar o presidente dos EUA durante a paragem do seu comboio numa cidadezinha, e aceitou fazê-lo. O seu John Barron é um assassino psicopata sem pinga de redenção, que Sinatra interpreta com frieza convicta e arrepiante. Um dos pontos mais altos da sua carreira no cinema, embora o filme não seja tão conhecido quanto merecia.

5- “O Homem do Braço de Ouro” (Otto Preminger, 1955) – Outro dos melhores papéis de Frank Sinatra, o de Frankie Machine, um jogador de cartas profissional e toxicodepente que sai da prisão “limpo” e com vontade de ser baterista de jazz, mas não consegue endireitar a vida e volta a sucumbir ao vício. Este filme de Otto Preminger era ousadíssimo para a altura por causa do tema, e teve problemas da produção até à estreia, ao desafiar o Código de Produção (vulgo Código Hays) ainda em vigor na altura. Sinatra preparou o seu papel com toda a aplicação, visitando clínicas de reabilitação de drogados e aprendendo a tocar bateria com o grande Shelly Manne. Foi nomeado ao Óscar de Melhor Actor.

6- “O Querido Joey” (George Sidney, 1957) – Rita Hayworth e Kim Novak rodeiam Sinatra, que canta, memoravelmente, “The Lady is a Tramp”, neste drama musical que lhe valeu o Globo de Ouro de Melhor Actor num Musical/Comédia, e onde faz uma personagem com tanto de simpático e encantador como de detestável e oportunista, o Joey do título. É um cantor de segunda categoria que namora uma corista (Novak) e sonha ter o seu próprio clube nocturno. Para o conseguir, seduz uma antiga stripper (Hayworth) que casou rica e enviuvou, acabando por se rebaixar a tornar-se no seu pau-mandado. Sinatra está excelente e queria que o final infeliz da peça original fosse mantido – Joey fica sozinho –, mas o estúdio não permitiu.

7- “Deus Sabe Quanto Amei” (Vincente Minnelli, 1958) – Um magnífico filme de Vincente Minnelli, que dá a Frank Sinatra e ao seu amigo e parceiro do ‘Rat Pack’ Dean Martin, dois dos maiores papéis das suas carreiras, acompanhados à altura por Shirley MacLaine e Arthur Kennedy. É um melodrama realista, amargo e pessimista, povoado por personagens falhadas ou acomodadas ao seu destino. Sinatra incarna um veterano de guerra dado à bebida que regressa à cidade natal, onde mora o irmão, um comerciante bem-sucedido e cidadão modelar, e que procura encaixar-se socialmente e tornar-se respeitável como este. Minnelli não poupou elogios a Sinatra: “Ele detestava ensaiar mas deu-me sempre tudo o que eu lhe pedi”.

8- “Os Onze de Oceano” (Lewis Milestone, 1960) – Esqueçam o remake de Steven Soderbergh com George Clooney, Brad Pitt e Matt Damon, e as suas duas continuações, porque o artigo genuíno é este, o filme onde o ‘Rat Pack’ define originalmente o que é ser cool e ter estilo para dar e vender, e ficou como a matriz para os futuros filmes do género “grande assalto ousado”. É uma fita feita “em família” e na segunda casa do grupo, Las Vegas, com Sinatra na pele de Danny Ocean, um antigo soldado que junta os membros da sua unidade de comandos pára-quedistas que combateram na II Guerra Mundial, para assaltarem cinco casinos na noite da véspera de Ano Novo. Muitos dos diálogos foram improvisados durante a rodagem.

9- “O Enviado da Manchúria” (John Frankenheimer, 1962) – Um dos mais alucinantes filmes de culto do cinema americano, baseado no livro de Richard Condon e estreado durante a crise dos mísseis de Cuba – com grande relutância dos estúdios. “O Enviado da Manchúria” tem Sinatra na figura de um militar que esteve prisioneiro dos chineses durante a Guerra da Coreia, sofreu uma lavagem ao cérebro e, de regresso a casa, vê-se envolvido numa maquiavélica intriga comunista para a conquista do poder nos EUA. É um dos papéis mais impressionantes do cantor, muito intenso e instintivo. Sinatra viveu a rodagem com grande entusiasmo, chegando a emprestar o seu avião particular à produção para poupar nos custos, e gostava tanto do filme que em 1972 comprou os direitos de exibição, quando estes caducaram.

10 -“O Primeiro Pecado Mortal” (Brian G. Hutton, 1980) – Se descontarmos uma curtíssima aparição em “A Corrida Mais Louca do Mundo III”, em 1984, este foi o papel de despedida do cinema de Frank Sinatra, que também co-produziu o filme, onde Brian G. Hutton veio substituir Roman Polanski, que havia abandonado os EUA após o escândalo sexual em que se envolveu. Sinatra personifica um polícia novaiorquino à beira da reforma, que persegue um assassino em série e tem a mulher (Faye Dunaway) a morrer no hospital. É uma interpretação subtil, virada para dentro, emocionalmente abafada, que transmite todo o cansaço, o sofrimento mas também a determinação da personagem, constituindo, aos 65 anos, um digno adeus de Frank Sinatra às telas.