O “tomba-Marcelos”, o anti-“engraçadinho” e o calceteiro-cantor. Há três candidatos inesperados na maratona para Belém. Desconhecidos de grande parte do eleitorado, mostraram vontade, garra e aí estão preparados para a campanha. Vão participar nos debates na televisão e explicar ao que vêm. Cândido Ferreira, Jorge Sequeira e Vitorino Silva conseguiram os mínimos olímpicos – que é como quem diz, as 7.500 assinaturas necessárias – que foram depois validadas pelo Tribunal Constitucional. Mas, afinal, quem são estes homens?
O candidato da plebe, pela plebe e que quer ser o “tomba gigantes”
Vitorino Francisco da Rocha e Silva. Dito assim, é difícil adivinhar de quem se trata. Nascido e criado numa pequena freguesia do concelho de Penafiel, calceteiro de profissão, escritor, cantor, concorrente de reality-shows (assim mesmo, no plural), ex-presidente de junta e ex-candidato à presidência da Câmara de Valongo. O nome pelo qual ficou celébre? Rans. Tino de Rans.
O agora candidato à sucessão de Aníbal Cavaco Silva saltou para as luzes da ribalta quando, em 1998 em pleno congresso socialista e depois de uma intervenção acalorada, deu um abraço daqueles a António Guterres. Bem, intervenção acalorada é dizer pouco. O discurso arrancava praticamente com um aviso claro aos camaradas de partido: “Não durmam à sombra da laranjeira”.
Em minutos, Tino de Rans roubou o palanque e monopolizou as palmas socialistas. “O meu irmão, no dia 24 de dezembro de 1992, à mesa de Natal, disse-me: ‘Mãe, o Tino é a única pessoa capaz de dar alguma dignidade à nossa terra, de fazer com os ranenses se sintam ranenses e pôr a nossa terra no mapa’. E eu dizia: ‘Neca, por amor de Deus. O que eu quero é beber uns copos e dar uns chutos numa bola‘”. A mãe de Tino assinava por baixo e repreendia o irmão, Neca. “Neca, pelo amor de Deus, não metas isso na cabeça do miúdo”, assim contou Vitorino Silva.
A verdade é que, na hora de escutar conselhos, Tino de Rans preferiu o do irmão Neca ao da mãe. Deixou a bola e os copos de lado e, aos 22 anos, chegou à presidência da Junta de Rans. Em 2009, tentou a Câmara de Valongo, mas falhou. Pelo caminho, escreveu um livro, “De Palaque em Palanque”, e lançou, pelo menos, um hit de sucesso: “Pão, Pão, Fiambre, Fiambre”. Agora, arranca para Belém com uma promessa: “Devolver a alegria aos portugueses” e dar voz à “plebe”.
Mas a missão presidencial ia falhando por pouco mesmo antes de começar. No dia em que foi ao Tribunal Constitucional entregar as assinaturas necessárias para formalizar a candidatura, o ex-presidente da Junta de Rans esquecera-se da cópia do seu bilhete de identidade e do documento de identificação da mandatária nacional autenticadas por um advogado. Não passou de um susto: regressou no mesmo dia ao Palácio Ratton e resolveu o imbróglio.
Já com os dois pés bem assentes na estrada para Belém, Tino de Rans quer ser o “tomba gigantes”. “Há muita gente que pensa que somos uns peixinhos, mas os peixinhos, se estiverem atentos, podem comer os tubarões”. O aviso está feito.
Um orador motivacional que não quer ser “o engraçadinho”
É orador motivacional, empresário e agora candidato à Presidência da República. Jorge Sequeira tem 49 ano, não está ligado à política no sentido em que candidatos como Marcelo de Rebelo de Sousa, Henrique Neto ou Maria de Belém estão e faz questão de sublinhar esse aspeto. Aquando da entrega das assinaturas no TC afirmou, citado pela Rádio Renascença: “Nunca fui filiado em nenhum partido. O meu partido é o partido do trabalho, da honestidade, do caráter“. E comprometeu-se a lutar por um Portugal sem “partidocracia”, mas sim com “meritocracia”. Ou seja, menos preponderância dos partidos políticos, mais reconhecimento do mérito alcançado e das competências.
Durante a apresentação da sua candidatura disse não haver coisas condenáveis que possam ser usadas para o “calar”. “Mas a coisa mais selvagem que fiz foi na cama, quando dormi com o edredom do Rei Leão. Escusam de procurar. Se quiserem encontrar coisas condenáveis, procurem políticos“, afirmou, citado pela RTP.
Jorge Sequeira tem as suas raízes em Braga e, além de orador motivacional, é psicólogo, com licenciatura na Universidade do Porto. Na sua formação conta, também, com um mestrado e um doutoramento. Este último, concluído na Universidade do Minho, enquadrou-se na área do treino mental, com enfoque na otimização de dimensões como a motivação, coesão de grupos, formulação de objetivos ou gestão emocional.
Fundou a empresa Team Building e são diversos os seus clientes. Da EDP à SONAE, passando pela GALP, pela Salsa ou pelo Montepio. Entre eles encontra-se também a Federação Portuguesa de Futebol (FPF). E foi a convite da FPF e da UEFA que se tornou professor nos cursos de nível superior para treinadores. Entre os seus alunos esteve José Mourinho, o Special One. Ainda ligado ao desporto, foi provedor do adepto.
#mourinho #jorgesequeira…o reencontro! pic.twitter.com/iKPmGI7cB1
— Jorge Sequeira (@JorgeSequeiraPT) October 1, 2015
Mas não é docente apenas no desporto de alto rendimento. É-o também no Instituto de Estudos Superiores Financeiros e Fiscais, na Porto Business School, na Faculdade de Economia do Porto, na Universidade do Minho e na de Salamanca.
Das suas atividades fazem também parte a investigação e consultadoria, e o comentário televisivo nos canais RTP, TVI, Porto Canal e Sport TV.
Quanto à sua candidatura a Presidente da República, Sequeira diz que é para ir até ao fim e afirma ao Correio do Minho que é a “coisa mais séria” que já fez. Diz que se recusa a “ser o engraçadinho”, e argumenta ser um cidadão “farto de assistir a tragédias políticas que colocaram Portugal no lixo”. No entanto, assume que pode vir a ser “ridicularizado” por optar por se aproximar do eleitorado sem dinheiro para “comícios da treta”.
Ao mesmo jornal, declara que Ramalho Eanes é o Presidente com que mais se identifica, dada a “coragem serena”. Mas apreciou também o “estilo de atuação” de Jorge Sampaio.
E quanto aos poderes atribuídos ao Presidente? Ao Correio do Minho, mostrou-se pró-revisão constitucional pois “a função está desprestigiada, ninguém liga ao Presidente da República”. Na sua opinião, o Presidente “tem de deixar de ser a Rainha de Inglaterra”, numa crítica à voz “pouco ativa” de Cavaco Silva.
Médico, dissidente do PS e incómodo
Médico nefrologista (rins) de profissão, Cândido Ferreira nasceu a 7 de abril de 1949, em Febres, Cantanhede, no distrito de Coimbra. Ainda jovem, em 1974, filiou-se no Partido Socialista, mas desvinculou-se apenas dois anos depois para ser mandatário-jovem de Ramalho Eanes, que era candidato à Presidência da República. Cargo que o próprio Cândido Ferreira procura, agora, alcançar. A sua experiência em eleições presidenciais estende-se à campanha de Jorge Sampaio, em que foi um dos diretores de campanha.
O fim do hiato no PS terminou em 1982 e a atividade política intensificou-se. Esteve à frente da bancada socialista na Assembleia Municipal de Leiria, entre 1985-89, e candidatou-se à Câmara do mesmo município. Foi, ainda, presidente da Federação Distrital de Leira do Partido Socialista no início da década de 90.
Mais tarde, já em 2002, integrou as listas do PS, por Leiria, mas num lugar não elegível. Ainda assim, Cândido Ferreira acabou por se demitir do partido em que estava filiado em 2011, depois de contestar a liderança de José Sócrates.
No ano em que voltou a integrar as fileiras do PS, deixou a direção do Hospital de Pombal, que ocupava desde 1976, e dedicou-se “à hemodiálise em clínicas privadas”, afirmou ao Observador. O curso de Medicina foi tirado em Coimbra, ainda “antes do 25 de Abril”, tendo começado a “trabalhar nos hospitais públicos” em 1973. Desde cedo dedicado à nefrologia, Cândido Ferreira esteve “integrado na equipa que fez a primeira colheita de órgão e o primeiro transplante renal” em Portugal.
Com 66 anos, conta que, em 2007, alienou “todas as empresas de hemodiálise” e fundou “uma unidade de agroturismo e produção de vinhos”, localizada em Urra, no concelho de Portalegre. E é diretor clínico do centro de diálise de Leiria.
Da medicina e da vitivinicultura à política. Durante a apresentação da candidatura, Cândido Ferreira afirmou que o Presidente da República “deve ser um árbitro e não um jogador” e também criticou o atual Presidente da República: “Nunca tantos portugueses sofreram tanto, às mãos de tão poucos e sem que o Presidente da República alguma vez tivesse tomado alguma atitude firme em prol do nosso povo”.
E afirma-se como o candidato que consegue fazer frente a Marcelo Rebelo de Sousa, dizendo ser o único “capaz de enfrentar olhos nos olhos a candidatura de direita e capaz de vencer na segunda volta”. A mais recente querela, contudo, foi com a socialista Maria de Belém Roseira, a quem escreveu pedindo que desista da candidatura por ter acumulado (embora de forma legal) o salário de deputada com o de consultora do Espírito Santo Saúde.
A campanha, pois, promete ser animada. O primeiro debate com estes três candidatos é com Marcelo Rebelo de Sousa esta sexta-feira na TVI24.