As secretas portuguesas recorrem a “fontes humanas” que lhes passam informações pessoais de clientes, não apenas nas operadoras telefónicas, mas em bancos, na Segurança Social ou nas Finanças (IRS). João Luís, antigo funcionário do Serviço de Informações Estratégicas da Defesa (SIED), e arguido no caso das Secretas, declarou em tribunal, esta segunda-feira, que os serviços de informações portugueses têm vários contactos e que estes procedimentos “marginais” são comuns no modus operandi das secretas.

João Luís, acusado no caso das Secretas por acesso indevido à fatura telefónica detalhada de um jornalista, responde às perguntas da juíza do processo, esta segunda-feira, no Campus da Justiça em Lisboa. O arguido é imperativo nas respostas. A ordem partiu de Jorge Silva Carvalho, à data o diretor-geral do SIED, e foi João Luís, o seu braço direito, quem a recebeu: aceder à fatura telefónica detalhada do jornalista Nuno Simas, que tinha escrito uma notícia sobre o ambiente interno das secretas portuguesas. De acordo com as suas declarações, recebeu uma ordem e executou-a, garantindo desconhecer, à época, por que razão o ex-diretor-geral do SIED lhe tinha passado aquele trabalho: “Eu nunca questionei as ordens que o dr. Jorge Silva Carvalho me deu. Se o diretor dizia para fazer, eu pura e simplesmente, fazia. Quem não fizesse era despedido”.

Para cumprir a ordem que recebera, em agosto de 2010, João Luís ordenou ao seu funcionário Nuno Dias – também arguido neste processo – que a pusesse em prática. Nuno Dias assim o fez, pedindo a Gisela Teixeira, sua mulher e colaboradora da Optimus, que arranjasse a tal fatura do jornalista. Um procedimento que à luz da lei portuguesa é ilegal.

“É o modus-operandi dos serviços ter acesso a operadoras. Existem meios técnicos nos serviços [escutas, de seguimento, de vigilância, entre outros], como aqueles que podem ver num filme bom ou mau de cinema e de televisão”, garantiu o arguido quando questionado pela juíza do processo, ao mesmo tempo que comparava: “Nos Estados Unidos há satélites, em Portugal não. Há necessidade da parte humana”. Explicando que as fontes dos serviços secretos nas operadoras “são extremamente sensíveis”.

João Luís admitiu ainda que sabia da notícia escrita por Nuno Simas, mas garante que desconhecia que era o número de telemóvel do jornalista que estava a ser investigado: “Ele (Jorge Silva Carvalho), não me explicou porque não queria, por um lado, envolver-me nisto, e por outro porque não havia necessidade que eu conhecesse. Era normal isto acontecer, era este o procedimento”. De qualquer forma, sustentou o ex-espião: “Não sabia que era do jornalista, mas provavelmente, se soubesse, executava a ordem na mesma”. E remata: “Jurei pela minha honra defender o Estado Português”. Isto porque, explicou, se há notícias sobre a atuação interna das secretas nacionais, tal significa que “existe uma toupeira” dentro dos serviços de informação.

O ex-espião João Luís, acusado neste processo de acesso indevido a dados pessoais e abuso de poder (na forma consumada), garante ainda ter agido em benefício dos serviços: “Havia fontes e eu utilizei-as. Eu era apenas um instrumento dos serviços. Eu e todos os que lá estão. Somos executantes. Porque é que havia de fazer perguntas? Porque é que havia de suscitar duvidas, se noutros [projetos] semelhantes não o fazia?”, atirou já no final da primeira parte da audiência.

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