Já corria a segunda parte da audiência desta quinta-feira, quando o principal arguido do caso da Secretas, Jorge Silva Carvalho, admitiu que Júlio Pereira, secretário-geral do SIRP, aprovou um manual de procedimentos dos serviços de informações com práticas ilegais, como o acesso a dados das operadoras de telecomunicações móveis. O espião garantiu ainda ter participado na preparação desse mesmo manual.

Interrogado por João Medeiros, seu advogado, Jorge Silva Carvalho afirmou que o manual foi aprovado em 2005 por Antero Luís, juiz desembargador e ex-diretor do Serviço de Informações de Segurança. Mais tarde, explicou o ex-diretor do Serviço de Informações Estratégicas da Defesa (SIED), Júlio Pereira estendeu a utilização desse manual ao SIED.

No decorrer da sessão de julgamento das Secretas, esta quinta-feira no Campus da Justiça, em Lisboa, Jorge Silva Carvalho respondeu ainda às perguntas da defesa sobre a ordem que deu para que um jornalista fosse investigado por ter escrito um artigo sobre a situação interna das Secretas. Nuno Simas, jornalista do Público, viu então a sua fatura de telemóvel ser vasculhada pelos serviços de informação, prática considerada ilegal: “Na altura refletimos que o que estava em causa era uma fuga no serviço de informação”, reafirmou (o que já tinha avançado na última audiência em que foi ouvido, há poucas semanas), acrescentando que apesar de “não terem acabado com todas as fugas” de informação, impediram que outras acontecessem.

Durante a manhã, o espião das secretas avançou em tribunal que Nuno Dias (ex-funcionário do Sistema de Informações de Segurança), que aproveitou o facto de a sua mulher, Gisela Teixeira, trabalhar na Optimus para arranjar a fatura detalhada de telemóvel de Nuno Simas, não podia recusar a ordem superior porque ficava em risco de perder o emprego: “As consequências eram o afastamento do quadro do serviço”. Jorge Silva Carvalho admitiu ainda que, enquanto esteve nos serviços, era fácil (e usual) aceder às faturas telefónicas detalhadas de qualquer cidadão, apoiando-se, tal como fizera durante a última audiência em que foi ouvido, nas “medidas de autoproteção” existentes dentro das secretas portuguesas.

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Secretas x Ongoing

Em resposta às perguntas dos magistrados, Jorge Silva Carvalho garantiu ao tribunal, novamente, que não transmitiu informações dos serviços secretos portugueses a Nuno Vasconcellos, presidente da Ongoing.

O tema voltou à sala de audiências quando chegou a vez de Francisco Proença de Carvalho, advogado do presidente da Ongoing, interrogar o espião, ainda durante a manhã desta quinta-feira. O ex-diretor do SIED admitiu que trocar de emprego, saindo do serviço público para o privado, possibilitou-lhe um aumento de 50% nos rendimentos, mas garante que não funcionou como moeda de troca para passar dados recolhidos durante os anos em que trabalhou nas secretas portuguesas, nomeadamente sobre dois cidadãos russos que estariam interessados em comprar um porto marítimo grego.

Este caso das Secretas, em que são arguidos Jorge Silva Carvalho, ex-diretor do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa, e Nuno Vasconcellos, presidente da Ongoing, começou a ser julgado em setembro. O caso teve origem em suspeitas de acesso ilegal à faturação detalhada do telefone de um jornalista do Público, Nuno Simas, após este escrever vários artigos sobre a situação interna das Secretas. O Ministério Público acusa ainda Jorge Silva Carvalho de ter sido contratado para a Ongoing, em janeiro de 2011, em troca de informações das secretas que pudessem valer para os negócios daquela empresa.