Uma plateia de centena e meia de antigos alunos da Universidade do Minho ouviu, em Braga, na noite de quarta-feira, um académico norte-americano de renome — Gene Grossman — defender que a flexibilidade laboral é um aspeto-chave para reagir à “mudança de paradigma” trazida pelo que chama “nova globalização“. Ao seu lado, participando no mesmo painel, o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, preferiu falar em produtividade, inovação e adaptação. E aproveitou para tentar desfazer alguns “mitos” e “falsas questões” que vê no discurso sobre política económica em Portugal.

“Do outro lado do Atlântico, quando olhamos para a crise europeia, uma das coisas que vemos é políticas laborais muito rígidas. Nos EUA, muito do sucesso que temos tido deve-se à flexibilidade do nosso mercado laboral.” O retrato feito por Gene Grossman, professor da Universidade de Princeton, tem muito pouco de presunção – até porque, como diz, os EUA também têm os seus problemas. “O nosso sistema financeiro está descontrolado e, depois do colapso financeiro, fizemos muito pouco para mudar as coisas. Portanto, só estamos à espera do próximo episódio“, atira.

Gene Grossman diz que as “políticas laborais rígidas” que identifica na Europa — nuns países mais do que noutros — são parte da explicação para o crescimento baixo do Velho Continente e são especialmente perigosas tendo em conta a “mudança de paradigma” de que o académico norte-americano veio a Braga falar, por ocasião das comemorações do 42º aniversário da Universidade do Minho.

As pessoas têm de estar preparadas para se formarem ao longo da vida, adquirirem novas competências, mudar de umas tarefas para outras, mudar de umas empresas para outras e mudar de tarefas dentro de uma mesma empresa. Regras que tornam muito caro despedir os trabalhadores parecem uma coisa ótima, no curto prazo, mas o problema é que se as empresas não podem despedir os trabalhadores, não irão querer contratá-los. Políticas laborais mais flexíveis são parte da resposta.

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Uma plateia de mais de centena e meia de antigos alunos ouviu Gene Grossman e Manuel Caldeira Cabral. (Foto: Nuno Gonçalves/Universidade do Minho)

A tese de Gene Grossman é que a tendência de globalização que vivemos hoje não é comparável à globalização como foi inicialmente descrita, há vários séculos. “Ao longo de dois séculos, desde David Ricardo, temos pensado no comércio internacional como a produção de bens num local e o consumo desses bens noutro local”, afirma o Professor que recebeu, nessa manhã, o doutoramento honoris causa pela Universidade do Minho.

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Bens produzidos num local, transportados para outro local e consumidos aí. Vencedores e vencidos determinados por quem consegue ter a vantagem competitiva. Ainda é assim que pensamos na globalização. Mas é uma imagem errada, cada vez mais, sobretudo devido à revolução que existiu nas telecomunicações e na informatização. Já não é isso a globalização, e pensar nela dessa forma leva a erros de política económica.

“Daqui a 10 anos, haverá cirurgias sem o médico na sala”

“Precisamos de um novo paradigma para pensar o comércio. Deixar de pensar em trocas de bens e começar a pensar em trocas de tarefas e em cadeias de criação de valor globais”. Gene Grossman diz que boa parte da produção económica é influenciada pelo facto de termos “uma capacidade muito maior para comunicar a longas distâncias, o que torna possível fragmentar a produção“, isto é, “as tarefas podem ser executadas em várias partes do mundo e desembargadas por meios eletrónicos. Já não é tão importante ter todos os produtores debaixo do mesmo tecto”.

O Professor de Princeton dá vários exemplos. Um automóvel (sueco?), um avião (americano?) e… uma boneca Barbie:

As bonecas Barbie são desenhadas no quartel-general da Mattel, na Califórnia. São usados pedaços de plástico provenientes de Taiwan, moldes feitos nos EUA, cabelo produzido no Japão, algodão feito na China. A montagem é feita na Indonésia e na Malásia, o teste de qualidade é feito nos EUA e o comércio é feito em todo o mundo.

Gene Grossman aponta que “já se fala que, por meio de tecnologias laser, dentro de 10 anos haverá cirurgias médicas realizadas sem o cirurgião na mesma sala que o paciente”. Um exemplo claro de que algo está a mudar no conceito de globalização em que vivemos, diz o nova-iorquino de 60 anos. Um académico que, em Braga, se mostrou receoso face às tendências protecionistas e nacionalistas que estão a verificar-se na Europa e em outras partes do mundo. “Esse não é o caminho”, disse, ao Observador.

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Gene Grossman diz que, na “nova globalização”, tudo é mais rápido, mais imprevísivel e mais difícil de controlar pelos governos. (Foto: Nuno Gonçalves/Universidade do Minho)

Tudo agora é “mais rápido, mais imprevisível e mais difícil de controlar pelos governos”, diz Grossman. “As empresas têm o conhecimento e maximizam os proveitos desse conhecimento em todo o mundo. O que significa, entre outras coisas, que os interesses das empresas e os dos Estados já não estão, necessariamente, em sintonia — como dantes”. É por isso que “as políticas públicas — sejam de estímulo aos melhores ou de proteção dos cidadãos que ficam para trás — devem ter maiores nuances“:

Não conseguimos ajudar os trabalhadores tentando ajudar os setores em que trabalham. A questão, agora, é muito mais fina. O que está em causa é as tarefas que diferentes pessoas executam dentro de uma empresa ou setor.

Caldeira Cabral combate um “mito” e duas “falsas questões”

O ministro da Economia, um homem da casa, começou a apresentação com um gráfico que, diz, causa surpresa a muitos daqueles a quem o mostra. O gráfico – que correlaciona a criação de riqueza e os índices de escolaridade — mostra que, “ao contrário do que é a noção mais comum entre as pessoas, Portugal usa muito bem os recursos que tem e temos um PIB per capita maior do que as nossas condições de capital e qualificações poderiam indicar”.

Este é o primeiro “mito” que Manuel Caldeira Cabral, quis rebater no seu discurso. Uma apresentação que começou por lembrar que “desde os anos 60, vivíamos sob a proteção da Europa. Éramos o país low cost dentro do conjunto dos países ricos e isso fazia de nós muito competitivos em alguns setores”. Depois, com o alargamento da União Europeia, a queda do Muro de Berlim e a ascensão da China, tudo mudou.

A China fez cair o valor da produção [não tanto da conceção e da comercialização]. E isso foi um grande problema, sobretudo para a região Norte do país. A perda de valor incidiu precisamente na parte da cadeia de valor em que nos tínhamos especializado. Assim, metade das empresas no têxtil e outros setores faliram, e o emprego nesses setores caiu para cerca de um terço. Não é uma boa situação, mas algumas empresas mantiveram-se à tona, especializando-se nas tarefas em que são melhores. Foi isso que lhes permitiu continuar a ser competitivos. E, hoje, têm resposta rápida e maior especialização.

O ministro da Economia diz que “o caminho daqui para a frente, como muitas das nossas empresas já estão a mostrar, não é só aumentar o valor na produção mas, também, aumentar a qualidade, a diferenciação e privilegiar a resposta rápida”.

Além da produção, “o futuro tem de ser uma aposta também na comercialização, no design e na inovação. E muitas empresas portuguesas estão a fazê-lo – startups e também empresas maiores –, mais empresas estão a tentar construir marcas. E a economia digital e o comércio digital dá um acesso imediato aos consumidores. É isso que muitas empresas já estão a fazer e é com isso em vista que estamos a conceber as nossas políticas”, remata Manuel Caldeira Cabral.

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Manuel Caldeira Cabral diz que, “ao contrário do que muitos pensam, Portugal usa muito bem os recursos que tem”. (Foto: Nuno Gonçalves/Universidade do Minho)

Depois de abrir a intervenção com um “mito”, Caldeira Cabral fechou-a com duas “falsas questões“. A primeira “falsa questão” é o debate da produtividade vs moderação salarial:

É uma falsa questão. Temos de nos manter atentos aos salários mas temos de nos concentrar na produtividade. E, também, na inovação, na internacionalização e em chegar à cadeia de valor em melhores condições. E isso implica maior qualificação e implica largar as tarefas repetitivas que não têm muito futuro em países modernos.

Caldeira Cabral sublinhou, também, a necessidade de haver “mais esforço na simplificação e na modernização, designadamente na administração pública”. E, ainda, a capitalização: “Temos de trabalhar em políticas de investimento sem endividamento adicional das empresas e das famílias”.

Segunda “falsa questão”: o papel do Estado vs o papel do setor privado.

“O Estado tem um papel e as empresas têm outro. O Estado não deve querer fazer o papel das empresas, mas também não se deve esparar que as empresas privadas façam, sozinhas, aquilo que é o papel do Estado”. O que é preciso é “intervenção estatal inteligente“, afirmou Caldeira Cabral, lembrando o exemplo do acordo para trazer a transportadora aérea Ryanair para o Porto.

“Em vários países, como os EUA, o Reino Unido, a Coreia do Sul, o Japão, o Estado tem um papel importante na qualificação das pessoas, na inovação, na promoção da internacionalização e da ciência. E, ainda, na estabilização dos sistemas financeiros, que foi um falhanço nos últimos anos não só em Portugal mas em outros países. 

“Tornar a economia mais fraca não resultou em melhores condições financeiras. Porque é que acreditámos que isso seria possível é a pergunta que deixo”, concluiu o ministro da Economia socialista.