É impossível imaginarmos outro actor que não Gregory Peck, um dos maiores símbolos de rectidão, decência e grandeza moral do cinema americano, no papel de Atticus Finch em “Na Sombra e no Silêncio”, o filme que Robert Mulligan realizou em 1962 a partir do livro de Harper Lee. Mas Peck não foi a primeira escolha de Mulligan e do produtor Alan J. Pakula para o papel. Spencer Tracy era o desejado, mas estava a rodar outro filme e por isso não se encontrava disponível. Rock Hudson, então no auge da fama, mexeu vários cordelinhos para personificar Atticus Finch, sem sucesso. E James Stewart, a quem Mulligan e Pakula propuseram o papel, recusou alegando que o argumento de Horton Foote era “progressista demais”. Acabou por ser Peck a personificar a personagem que lhe daria o único Óscar de Melhor Actor da sua carreira.

[Veja o “trailer” de “Na Sombra e no Silêncio”]

A produção convidou Harper Lee para assistir à rodagem da primeira sequência em que Gregory Peck aparece, quando Atticus Finch regressa a casa do seu escritório de advocacia, e é alegremente recebido pelos filhos, Jean Louise, de alcunha Scout, e Jem. Após a filmagem, Peck notou que a escritora estava a chorar e perguntou-lhe porquê. Ainda a soluçar, Lee disse-lhe que o actor era a imagem do seu pai, que lhe tinha servido de modelo para Atticus Finch. “Até tem a barriguinha dele e tudo”, exclamou. Sorrindo, Gregory Peck respondeu-lhe: “Isto não é barriguinha, Harper. É grande representação!”. O actor chegou a conhecer o pai da escritora, Amasa Lee, então com 82 anos, e ficaram amigos, mas o advogado morreu durante a rodagem de “Na Sombra e no Silêncio”. Em memória dessa amizade, Harper Lee presenteou Gregory Peck com o relógio de bolso de ouro do pai. Um ano mais tarde, o actor levou esse mesmo relógio à cerimónia dos Óscares em que ganhou a estatueta.

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[Veja um excerto do filme]

Gregory Peck e a pequena Mary Badham, que interpreta Scout, a filha de Atticus Finch, travaram-se de amizade durante a produção do filme, ficando em contacto para o resto das suas vidas. Sempre que se escreviam, falavam ao telefone ou encontravam, Peck chamava-lhe “Scout”. Mary Badham, que até 1973 foi a mais jovem actriz nomeada para um Óscar, não fez carreira no cinema. Casou-se em 1975, teve dois filhos e trabalha no restauro de obras de arte. Phillip Alford, que interpreta Jem, o irmão de Scout, também não singrou na tela. É hoje um homem de negócios. Manteve-se sempre em contacto com Mary Badham.

A 16 de Junho de 2003, o dia do funeral de Gregory Peck, Badham e Alford voltaram a encontrar-se, no cemitério, para a cerimónia. O elogio fúnebre de Peck foi lido pelo seu colega Brock Peters, que em “Na Sombra e no Silêncio” interpreta o papel de Tom Robinson, o negro que Atticus Finch defende. Algum tempo antes, o American Film Institute tinha eleito Finch o herói número 1 do cinema dos últimos 100 anos.

[Veja Gregory Peck receber o Óscar de Melhor Actor]

“Na Sombra e no Silêncio” venceu três dos oito Óscares para que foi nomeado: Melhor Actor (Peck), Argumento Adaptado (Horton Foote) e Direcção Artística. “Lawrence da Arábia”, de David Lean, levou os Óscares de Melhor Filme e Realizador. Walt Disney lamentou não terem sido os seus estúdios a produzir “Na Sombra e no Silêncio”, comentando: “Este é o tipo de filme que eu gostava de conseguir fazer”. Robert Duvall, que interpreta Boo Radley, teve aqui a sua primeira interpretação de nota. Atticus Finch tornou-se o papel favorito de Gregory Peck. Rock Hudson sempre disse que não ter conseguido interpretá-lo era o maior desgosto da sua carreira. “Na Sombra e no Silêncio” é o filme favorito de uma personagem de ficção: o jornalista Clark Kent, aliás Super-Homem.