A música dá alma ao universo, asas à mente, voo à imaginação, e vida a tudo!”

São palavras atribuídas a Platão, não minhas. Por mais que quisesse transmitir uma ordem de emoções ou sentimentos tais em tanta simplicidade, está bem longe do que sou capaz, portanto, a César o que é de César. Não vim aqui falar de semântica ou de filosofia, mas sim de música. Em particular, de composições nos videojogos.

A música de um jogo não é muito diferente da frase de Platão. É o que lhe dá vida e alma. É o que permite que tudo seja coeso. É o que dá ambiente ao ambiente. E usando o cliché, o que seria do mundo dos videojogos sem música? Desde que é possível inseri-la nos jogos que ela existe dando o mote da ação: é o seu ritmo que marca a intensidade e a sua ausência consegue ser quase incómoda. Tal como a falta de apreciação pela sua qualidade.

Para perceberem o quão ignorada a música é, basta fazerem uma simples experiência: perguntem no vosso grupo de amigos, colegas e familiares se conhecem obras de Ennio Morricone, John Williams ou Phillip Glass. Grande parte deles irão falar — se não trautear — sobre as músicas que eles criaram para filmes como The Mission, Cinema Paradiso, Star Wars, Jaws, Kundun ou The Hours. Mas se perguntarem aos mesmos se conhecem obras de Koji Kondo, Nobuo Uematsu ou de Michiru Oshima, ninguém vai falar de Super Mario, Final Fantasy ou de Ico.

Contudo, não são obras de menor qualidade, nem sequer são obras ouvidas menos vezes que as suas irmãs cinematográficas. Acredito piamente que já ouvi mais vezes as bandas sonoras dos jogos Super Mario ou Legend of Zelda do que a população atual do distrito de Beja já ouviu as de Star Wars (ainda que não tenha dados estatísticos para o comprovar).

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Infelizmente, existe um preconceito intrínseco ao meio no que diz respeito à música dos videojogos. Mas, assim como muitos outros preconceitos da sociedade, essa perspetiva está a mudar. E muito graças a concertos sinfónicos como The Legend of Zelda – Symphony of the Godesses (que passará por Lisboa dia 14 de outubro deste ano) e outros que estão a mudar o acesso à música dita erudita.

É possível que muitos achem estranho que uma orquestra sinfónica toque músicas de videojogos. Mas porque não? Williams e Morricone são maestros. As suas obras para os filmes são tocadas por orquestras. Portanto, porque não tocar músicas de jogos em salas de concerto e levar os jovens para um fantástico mundo novo?

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Talvez não seja totalmente um mundo novo. Vamos saltar no tempo e observemos Der Ring des Nibelungen de Richard Wagner, em particular a a sua terceira parte, Siegfried. Nesta ópera em três atos, baseada na mitologia nórdica, Siegfried, tem que conseguir um objeto mágico e uma arma para derrotar um dragão. Pelo caminho enfrenta enigmas e outras dificuldades e, depois de derrotar o adversário, salva uma princesa e é coroado herói de todo o reino. Ou para O Quebra-Nozes de Tchaikovsky, que não é muito diferente na sua estrutura de bailado: aqui existe um rei que rapta uma “princesa” e um herói que precisa de uma espada para derrotar os seus inimigos e para a poder salvar.

Estas histórias não são muito diferentes de The Legend of Zelda, a história de um jovem que se veste de verde e tem que procurar uma espada que, qual Excalibur, está presa numa pedra, para derrotar um rei usurpador e salvar uma princesa. Apenas o meio em que a narrativa se desenrola é mais interativo. O enredo de Siegfried é melhor que o de Ico? Os leitmotif de Der Ring são superiores aos de Final Fantasy? Creio que não. Portanto, porque não é massivamente apreciada a música dos jogos?

Felizmente, concertos de videojogos por todo o mundo estão a alterar a perspetiva desta música, mas é algo que demora, assim como todas as mudanças de mentalidade. Estão a levar jovens a salas de concerto onde nunca iriam, estão a levar apreciadores eruditos a ouvir arte vinda de um meio de onde nunca esperavam. Estão a quebrar barreiras e acabar com o preconceito.

https://www.youtube.com/watch?v=byuRiVGBdtU

João Machado, Rubber Chicken