O filme “Tangerine” do realizador Sean Baker, captou a atenção dos críticos e dos espectadores por duas razões. A primeira foi a história: duas amigas transexuais tentam saber do paradeiro do namorado de uma delas, que alegadamente a terá traído com outra mulher. A comédia e os dramas amorosos fazem parte da trama, que por fugir aos hábitos das coisas filmadas, despertou curiosidade. A outra razão foi a forma como todo o filme foi rodado: utilizando três iPhone 5. O método colocou Baker nas bocas do mundo e o filme estreou-se no Festival Sundance de 2015. Em fevereiro do próximo ano, o Smartfest.co segue-lhe as pisadas: é um dos festivais de cinema em Portugal com filmes feitos em smartphones.

Embora seja um conceito recente em Portugal, fora de portas já existem alguns eventos do género. O Mobile Film Festival em França, o Cinephone na Espanha e The Original iPhone Film Festival nos Estados Unidos são alguns dos exemplos. José Manuel de Sousa Lopes, diretor do festival português, sabe disso, mas acredita que o Smartfest “não seja um festival copiado, uma vez que há sempre a tendência de valorizar a produção de filmes, desde que exista qualidade”.

Como manda a tradição dos festivais de cinema, também neste haverá sessões competitivas, com uma componente nacional, internacional e uma dedicada à música. As inscrições começam esta semana e a organização ainda não tem números para divulgar. O amor ao cinema e às histórias não é descurado, mas a tecnologia assume um papel importante:

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Este tipo de intervenções [tecnológicas] obrigam-nos a pensar de forma diferente, a inovarmos a nossa forma de comunicar que se tornou mais próxima, mais rápida e imediata”, destaca o diretor.

A passagem do cinema da tela para ecrãs mais pequenos, como a televisão e os smartphones, é outros dos objetivos do festival, que além da competição pretende mostrar o que tem sido feito na área. E também haverá espaço para homenagear alguns cineastas, José Manuel de Sousa Lopes adianta (sem revelar nomes) que serão “um sul-coreano, um norte-americano e um espanhol” os protagonistas das distinções.

O evento realiza-se de 22 a 26 de fevereiro de 2017 na freguesia de Campo de Ourique, em Lisboa. Uma das iniciativas na programação, “Campo de Ourique para o Mundo”, o Smartfest pretende envolver o público na realização de um filme feito a partir de vários registos. A 23 de setembro, todos estão convidados a gravar uma determinada realidade onde quer que estejam. O objetivo passa por formar uma ação de crowdsourcing e envolver os espectadores da “melhor maneira” — “é fundamental para que as pessoas conheçam o projeto”, diz o diretor do festival.

Os realizadores

Para esclarecer algumas dúvidas, o Observador contactou dois realizadores que se dedicam ao cinema feito com telefones. Falámos com o espanhol Alfonso García López e o checo Stepan Etrych, cujos filmes foram projetados na sessão de apresentação do festival, na passada quinta-feira.

“Sector Zero 4” foi a obra de García López escolhida para ser apresentada, uma curta-metragem de ficção científica com cerca de cinco minutos. O realizador confessa que filmar com dispositivos móveis tem algo de gratificante, nomeadamente a possibilidade de “gravar a qualquer hora, em qualquer lugar e passar despercebido”. A redução nos custos e nos recursos é uma das mais-valias mais importantes: a equipa de García Lopez ganhou prémios em vários festivais, ao lado de produções de mais de 60 mil euros — e esta custou cerca de 500 euros.

Se uma câmara de smartphone dá mais liberdade do que uma convencional, os problemas aparecem quando o “telemóvel toca e pára de filmar e a falta de armazenamento do aparelho implica fazer o download de todas as gravações”. Ainda assim, o realizador acredita que a história permanece como a pedra basilar de todo o processo cinematográfico e afirma: “O menos importante é a câmara, esse continua a ser o elemento fundamental na hora de fazer cinema”, diz Lopez.

Já “Bubbles Don’t Lie” de Stepan Etrych, projetado também na apresentação de Smarfest, é uma comédia. Os festivais dedicados ao cinema feito com dispositivos móveis são, segundo o realizador, “uma motivação para as pessoas mostrarem o talento e a criatividade com apenas uns tostões no bolso”.

[Veja aqui “Redemption”, um dos trabalhos de Stepan Etrych]

Porém, o orçamento não determina o sucesso. Conta Etrych: “Uma câmara de 50 dólares não salva um filme com um argumento fraco. As pessoas estão apenas interessadas em boas histórias. Podemos matar uma boa história quando utilizamos mal a câmara. As personagens e o argumento estão sempre em primeiro lugar, o resto pode-se aprender”.

O Smartfest.co acontece de 22 a 26 de fevereiro do próximo ano em diferentes espaços de Campo de Ourique. Estão abertas as inscrições para filmes a concurso no site oficial.