A Química foi o segundo prémio nomeado no testamento de Alfred Nobel, mas a área da Ciência mais importante para o seu próprio trabalho. Esta quarta-feira, o Comité do Nobel atribuiu o Prémio Nobel da Química a Jean-Pierre Sauvage, Sir J. Fraser Stoddart e Bernard L. Feringa pelo “desenho e síntese de máquinas moleculares”.

As máquinas moleculares são, no fundo, a miniaturização da tecnologia – dito por outras palavras, o desenvolvimento de moléculas com movimentos controláveis quando lhes é fornecida energia, refere o comunicado de imprensa do site do Nobel. O resultado é a criação das máquinas mais pequenas do mundo – mil vezes mais pequena que um fio de cabelo.

O prémio, no valor de oito milhões de coroas suecas (cerca de 834 mil euros), será distribuído de igual forma pelos três laureados.

Os primeiros trabalhos foram desenvolvidos por Jean-Pierre Sauvage em 1983, que conseguiu ligar duas moléculas em forma de anel de maneira a formar uma cadeia. Em 1991, Fraser Stoddart conseguiu que a molécula em forma de anel se movesse ao longo de uma molécula que funcionava como eixo.

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Se Fraser Stoddart conseguiu levar ao desenvolvimento de elevadores moleculares, músculos moleculares e chips de computadores baseados em moléculas, Bernard Feringa, em 1999, criou o primeiro motor molecular. “[Ainda assim,] em termos de desenvolvimento, o motor molecular está ao mesmo nível que o motor elétrico estava em 1830, quando os cientistas exibiam máquinas elétricas capazes e mover pedais e rodas, mas não sabiam que essas máquinas iriam tornar-se comboios, máquinas de lavar, ventoinhas e processadores de alimentos”, refere o comunicado do Nobel.

E o que são as máquinas moleculares?

Antes de chegarmos às máquinas moleculares e de tentarmos já criar analogias com as máquinas mecânicas que conhecemos é importante lembrar que todos estes processos acontecem a uma escala muito pequena, tão pequena que acontece dentro das nossas próprias células.

Volte às aulas de Química no ensino básico ou secundário e lembre-se de como podia misturar um composto com outro, num copo de vidro, e agitar com uma vareta. Se pudesse ver o que se passava a nível molecular, tudo o que veria era uma grande desorganização das moléculas, cada uma seguindo o seu caminho, com movimentos aleatórios, ainda que pudessem interagir umas com as outras.

Aqui está a primeira grande diferença para as máquinas moleculares. Neste caso as moléculas têm de estar muito bem organizadas, capazes de executar funções de forma repetidas e provocar movimentos que sejam mensuráveis.

Viajemos agora para o interior da célula para perceber como funcionam as máquinas moleculares dentro das células – sim, a natureza também é capaz de fabricar as próprias máquinas moleculares. Para se conseguirem sintetizar cadeias de ADN ou proteínas, têm de existir máquinas moleculares capazes de recolher os componentes dentro das células e montá-las de forma organizada e segundo um plano predefinido.

A segunda grande diferença é que os investigadores agora laureados, embora se tenham inspirado na natureza, criaram sistemas completamente novos. “O que estes cientistas têm feito são coisas indescritíveis”, diz ao Observador Carlos Romão, investigador no Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier (Oeiras). Apesar de ter tido oportunidade de trabalhar com Jean-Pierre Sauvage, mostra-se muito impressionado com este tipo de investigação: sintetizar este tipo de sistemas é “extremamente difícil”.

“O aspeto mais fundamental da Química é a capacidade de criar moléculas novas”, diz ao Observador Maria José Calhorda, coordenadora do grupo de Química Teórica e Inorgânica, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Apesar de a Química ser um ramo antigo da Ciência, que se foi ramificando em várias áreas, só a partir dos anos 1960-1970 se deixou de olhar apenas para a estrutura das moléculas para analisar a interação entre essas moléculas, conta ao Observador Jorge Parola, investigador na Requimte – Rede de Química e Tecnologia, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Surgia assim a Química Supramolecular – em que uma supramolécula é composta por várias moléculas.

As máquinas moleculares são assim supramoléculas e Jean-Pierre Sauvage foi o primeiro a “criar moléculas fora do baralho”, lembra Carlos Romão. Uma das concretizações deste investigador fazer foi conseguir fazer com que as moléculas em forma de anel se ligassem umas às outras como os elos de uma corrente. Conseguir controlar esta síntese e fazer com que as moléculas assim ligadas não interagissem entre si abriu portas a uma nova área de investigação com um potencial que ainda está largamente por estudar.

Carlos Romão conta que quando Jean-Pierre Sauvage começou este trabalho todos se perguntavam: “Mas o que é que ele anda aqui a fazer?”. Mais, como se estava a falar de uma escala muito pequena e como estas moléculas não cristalizam, era muito difícil demonstrar o que estava a acontecer.

Mas o que está efetivamente a acontecer? Consoante a finalidade que tenham, os investigadores escolhem estruturas moleculares que se adaptem a esse fim. Depois de construída a máquina molecular desejada é preciso pô-la a funcionar. O estímulo para as máquinas moleculares é o mesmo que para as máquinas mecânicas: energia. À escala molecular podem usar-se fotões (luz) ou eletrões, mas também iões ou temperatura.

E uma vez estimuladas o que podem estas máquinas moleculares fazer? “É sempre a mesma ideia: colocar vários componentes a reagir uns com os outros com sujeitos a um estímulo”, refere Maria José Calhorda. A criação de movimento é um dos aspetos mais referidos, daí se falar de elevadores moleculares, músculos moleculares ou o carro molecular apresentado por Bernard Feringa.

Sim, se está a imaginar um elevador ou um carro como os que vê diariamente, a analogia em termos de produção de trabalho é válida.

Jorge Parola lembra, no entanto, que ainda estamos a falar de investigação fundamental, mas que o potencial é muito grande. Por enquanto ainda falta encontrar uma forma de juntar muitas moléculas numa única superfície para que se possa tirar proveito dos movimentos mecânicos provocados por estas máquinas moleculares.

Carlos Romão apresenta outro exemplo: a criação de materiais que, quando estalam, são capazes de expor à superfície moléculas que fecham a ranhura aberta, fazendo lembrar a forma como as plaquetas fecham as lesões nos vasos sanguíneos.

Outra das aplicações é na área da Medicina: é dado um composto inativo a um doente que, quando chega ao órgão-alvo, pode ser estimulado com radiação e ativado para que desempenhe a função para que foi criado. São os materiais dinâmicos inteligentes, refere Maria José Calhorda. A investigadora acrescenta que recentemente este tipo de tecnologia foi aplicada em transplantes cardíacos, mas reforça que desde a investigação básica à aplicação podem passar muitos anos. Neste caso, foram precisos 23 anos desde a publicação do primeiro artigo científico à utilização num implante.

Curiosidades sobre o Nobel da Química

A família Curie é recorrente na atribuição dos prémios Nobel, em especial na Química. Marie Curie e o marido Pierre Curie receberam, em conjunto, o Prémio Nobel da Física em 1903 e Marie Curie recebeu o Prémio Nobel da Química em 1911. A filha do casal, Irène Joliot-Curie, juntamente com o marido Frédéric Joliot, receberam o Nobel da Química em 1935. Henry R. Labouisse, marido da filha mais nova Ève Curie, recebeu o Nobel da Paz em nome da UNICEF em 1965.

172 Prémios Nobel da Química foram atribuídos entre 1901 e 2015
8 vezes ficou por atribuir o Prémio Nobel da Química por não ter sido encontrado quem cumprisse os requisitos
63 prémios foram atribuídos a um único laureado
4 mulheres, apenas, foram galardoadas com este prémio – Marie Curie (em 1911, que também recebeu um Nobel da Física em 1903), Irène Joliot-Curie (em 1935, filha de Marie Curie), Dorothy Crowfoot Hodgkin (em 1964) e Ada Yonath (em 2009)
1 única pessoa – Frederick Sanger – recebeu o Prémio Nobel da Química duas vezes (1958 e 1980)
35 anos era a idade do mais jovem laureado da Química – Frédéric Joliot (Nobel em 1935)
85 anos era a idade do mais velho laureado da Química – John B. Fenn (Nobel em 2002)
58 anos é a idade média dos laureados da Química na altura em que recebem o prémio