Farid tem 12 anos. Podia ser um menino europeu, com os dias preenchidos pela escola, o futebol, o inglês e o parque. Mas é um menino afegão que perdeu o pai e que está no meio de um dilema que a mãe não consegue resolver: aliar-se aos americanos e morrer às mãos dos talibãs ou aliar-se aos talibãs e perder a vida num atentado terrorista? Há apenas uma solução: deixar o Afeganistão e partir para a Europa.

“Do Bosque para o Mundo”, a peça de Miguel Fragata (encenação) e Inês Barahona (texto) que esta terça-feira, 22, se estreia no São Luiz, é a história dessa viagem. A viagem de um menino sozinho por sete países, 6 mil quilómetros em linha reta, em busca de um refúgio inglês. Protagonizada por Anabela Almeida e Manuela Pedroso, a peça, para maiores de dez anos, nasceu da vontade de explicar às crianças quem são os refugiados, de onde vêm, para onde vão, e porquê.

“Quisemos trabalhar a atualidade, as histórias que nos aparecem todos os dias, e cruzá-las com as histórias tradicionais. Ao ver as notícias percebemos logo que a crise dos refugiados era o tema sobre o qual queríamos falar. É uma questão tão atual, com tantas pontas soltas, tanta coisa por pensar, que acabámos por esquecer o desejo inicial de cruzar as histórias atuais com as tradicionais. Focámo-nos apenas neste assunto”, explica ao Observador Miguel Fragata.

Uma vez decidido o tema, começaram a fazer pesquisa. E encontraram inúmeras histórias de crianças refugiadas. O espectáculo, diz o encenador, acaba por ser uma espécie de somatório daquilo que descobriram. Cada pessoa tem a sua história, ouvimos mais do que uma vez ao longo da peça. E são essas vidas que conhecemos no palco. Farid é um menino mas representa muitos mais. “Criámos uma personagem, o Farid, um rapaz afegão que sai do Afeganistão, enviado pela mãe, para ir para Inglaterra, juntamente com o seu irmão, Reza, de quem é separado logo no início da viagem”. Reza e Farid não saem do Afeganistão em busca de uma vida melhor. Partem para sobreviver. E, embora sejam personagens ficcionais criadas por Miguel Fragata e Inês Barahona, são inspiradas numa história particular, de um outro rapaz que, tal como Farid, também começa a sua travessia com um irmão de quem é separado logo no início da viagem.

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Não é fácil contar estas histórias a miúdos de dez anos. O instinto passa por os proteger, mantê-los na bolha da infância tanto quanto possível. Mas Miguel Fragata acredita que, a partir desta idade, as crianças já têm uma noção clara dos temas da atualidade, do que está a acontecer à sua volta. “Já ouviram de certeza falar sobre esta questão. Provavelmente não a dominam nem a conhecem de uma maneira profunda e, por isso, achámos que era a idade certa para, também em família, começar a debater esta questão tão difícil”.

E como explicar uma realidade tão dura a miúdos tão novos? “Com frontalidade e com verdade. Há uma identificação por parte das crianças, o protagonista desta história é, também ele uma criança. O que permite o exercício de nos pormos no lugar do outro, essencial para compreender e olhar de maneira humana para esta crise dos refugiados”. E sem paternalismos.

“Esse é um dos princípios do nosso trabalho. Tenho dificuldade em dizer que este é um espetáculo para crianças com mais de dez anos. É um espetáculo para todos – com mais de dez anos. O que impede uma visão particular para a infância, uma visão paternalista do mundo. Estamos a falar sobre um tema transversal que diz respeito a todos. Queremos fazê-lo de uma forma direta e honesta”.

O bosque, esse sítio quase sempre presente nas histórias de encantar, tem aqui uma longa extensão: são sete países, seis mil quilómetros, florestas e mares para atravessar, seja num barco de borracha, num camião, num táxi, num comboio ou a pé. Mas não deixa de estar presente o seu lado metafórico, a sua parte mais obscura. “O bosque é o sítio dos medos, das provas que é necessário ultrapassar para se vir à tona respirar. Há um processo que este rapaz vai ter de viver ao longo da sua viagem que se prende com o questionar daquelas que são as regras impostas pelo seu povo. À medida que se vai vendo em situações extremas, com pessoas que vêm de sítios e realidades muito diferentes da dele, é inevitável que comece a questionar o que sempre conheceu como verdades absolutas. Há também a transição do bosque como espaço recolhido para a exposição perante o mundo. Este espetáculo também é isso: sairmos do conforto de nossa casa, do conforto da cabana do bosque, para nos defrontar-mos com a realidade do mundo. Uma realidade dura que temos que olhar com frontalidade”.

De 22 a 27 de novembro no teatro São Luiz, em Lisboa; terça a sexta às 10h30; Sábado e domingo às 16h; bilhetes entre os 3 e os 7 euros