E se fosse possível duplicar a realidade e criar um “irmão gémeo” virtual? Tirar uma selfie, fazer o upload e três minutos depois ter um avatar, idêntico a si, à sua frente? Não, não é uma cena de um filme de ficção científica, mas a tecnologia que está a ser desenvolvida por uma equipa de investigadores na Universidade do Porto pode fazer com que qualquer um possa ter o seu “eu” virtual ou ser o protagonista de um filme ou jogo de vídeo, sem sair do lugar em que está.
A Didimo (que é um irmão gémeo, em grego) nunca tinha tido nome até junho de 2016. E é preciso recuar 14 anos, altura em que Verónica Orvalho (a líder da startup), 40 anos, argentina, tinha começado o doutoramento na Universidade da Catalunha, para conhecer a origem da startup que tem como produto uma tecnologia que está a ser desenvolvida há mais de uma década.
Naquela altura, o grande objetivo da investigadora era estudar a indústria do entretenimento e perceber quais as necessidades e problemas que o setor enfrentava. Percebeu que um era a animação de personagens 3D, um processo multidisciplinar, complexo, demorado e que podia custar vários milhões de euros.
Naquela altura, pensei só em automatizar todo o processo [de animação 3D] e aprendi duas boas lições. Uma é que isso é quase impossível, porque era só eu e naquela altura, por mais avanços tecnológicos que houvesse, não era possível fazê-lo. A segunda lição é que não se pode obrigar os artistas a seguir o que o software tem de fazer. Quando se cria uma tecnologia tem de se manter a liberdade artística. Eram eles que definiam sempre como o sistema tinha de se comportar”, conta a investigadora ao Observador.
Depois de ter acabado o doutoramento, demorou cerca de um ano a descobrir qual era o problema e depois outro ano e meio a encontrar a solução. Mas acabou por desenvolver uma solução que acelera a criação de personagens 3D.
Quando acabei, as empresas com que tinha trabalhado durante o doutoramento quiseram começar a usar a tecnologia”, conta. Na altura, o software foi usado pela Universal Studios, por exemplo.
Passou pela Argentina, Estados Unidos e Espanha, até que chegou à Universidade do Porto, no início de 2008, com a intenção de continuar a desenvolver a tecnologia e de construir um sistema completamente automático. Com o Instituto de Telecomunicações, juntou uma equipa multidisciplinar com experiência na área de computação gráfica, interação pessoa-máquina, para fazer nascer aquilo que tornaria a Didimo. A razão por trás de todo o trabalho, diz Verónica, é a era digital em que vivemos.
As crianças nascem com o WhatsApp e com o Facebook. Comunicamos de uma forma muito rápida, muito impessoal, na qual estamos a perder a capacidade de comunicarmos como quando estamos cara a cara. E isto tem consequências muito fortes, porque se perde a empatia entre pessoas”, considera.
Foi por isso que Verónica decidiu criar uma tecnologia que permite a cada pessoa ter a sua identidade virtual. “É poder criar novos softwares e, ao mesmo tempo, dar uma ferramenta de interação. Quando crias um sistema de compras online, por exemplo, podemos pôr lá uma cara, que é simplesmente um 3D de alguém, mas que depois vai começar a ter dados, inteligência artificial. É um novo elemento que permite a uma pessoa interagir com outra”, explica Verónica Orvalho.
Para a investigadora da Universidade do Porto, as redes sociais têm provado isso mesmo: a comunicação não é mais feita de um para um, mas de um para milhões.
“E, no meio de milhões, precisas de ter a tua identidade virtual, que seja fiel a ti própria, para poder comunicar com esses milhões de pessoas”, acrescenta.
Da realidade virtual à medicina, ao desporto ou ao retalho
A missão do projeto, que começou por solucionar um problema técnico, vai mais além. “Isto tem de ter muito mais impacto. Já sabemos que a tecnologia é fixe, que é útil na área do entretenimento, que as pessoas querem utilizá-la para jogar ou estar num concerto a tocar ao lado do Bono. Mas, além de ter aprendido a montar a parte tecnológica, aprendi o porquê de criar personagens virtuais que têm semelhanças connosco. Acabei por ver que isto tinha muito mais potencial”, conta Verónica.
Por isso, apesar de a aplicação estar a ser preparada para o entretenimento, pode ser aplicada noutras áreas como a realidade virtual, a medicina, o desporto ou o retalho. A Didimo faz a tecnologia base (um software que está direcionado para trabalhar de “empresa para empresa”), a partir da qual podem ser construídas “infinitas” aplicações. No passado, a equipa da Didimo (antes de ser startup) trabalhou na área do autismo.
Não seria genial ter uma aplicação para, quando o professor está a dar uma aula, ter um avatar 3D que fala em linguagem gestual e reproduz automaticamente o que ele diz para uma pessoa que não consegue ouvir? Ou para alguém que não consegue falar, conseguindo, em tempo real, escrever o que quer dizer e a personagem virtual traduzir?”, questiona Verónica.
Atualmente, há uma empresa interessada em expandir a tecnologia para a área do autismo, adianta a investigadora. A tecnologia permite que o avatar possa fazer mímica e a construção dos próprios “didimos” das crianças, que podem ser utilizados como terapia.
Chegar aos Estados Unidos e Reino Unido
Neste momento, a Didimo tem contratos fechados com duas empresas e está a fechar parcerias com quatro empresas internacionais (Estados Unidos, Reino Unido), das áreas do entretenimento e de publicidade, para que sejam canais de distribuição da tecnologia e possam utilizar a tecnologia dentro das suas aplicações. Vai ainda reunir com “empresas que têm os maiores motores de jogos”, na Game Developers Conference, em São Francisco, nos Estados Unidos, no final de fevereiro.
Para já, a startup quer “acabar de polir e otimizar a tecnologia e definir e executar a estratégia de colocação no mercado”, refere a responsável. “Queremos mostrar que o que nós propomos, como nova forma de interagir com um software no mundo digital, é o caminho a seguir”, acrescenta.
A startup já reuniu investimento de business angels (investidores privados) e esteve, de junho a setembro, num programa da aceleradora TechStars, tendo sido uma das 11 empresas escolhidas entre as mais de mil que se candidataram.
A aplicação que está a ser desenvolvida pela Didimo conta com a parceria da Gema Digital, empresa que desenvolve aplicações e jogos interativos, salas imersivas, hologramas, realidade virtual para eventos e museus. O software desenvolvido pela equipa da Universidade do Porto chegou a passar pela Web Summit (quando ainda era na Irlanda), em 2015, e venceu, nesse ano, a primeira edição do iUP25k, o Concurso de Ideias de Negócio da Universidade do Porto.
A líder da startup, Verónica Orvalho, foi ainda escolhida para fazer parte da Women Startup Challenge, promovido pela Women Who Tech, um concurso internacional para startups lideradas por mulheres que trabalham nas áreas de realidade virtual e inteligência artificial. A investigadora é uma das dez finalistas e vai apresentar a Didimo e representar Portugal na Google, em Nova Iorque, a 15 de fevereiro.