Manhã de segunda-feira, véspera de Carnaval, e o silêncio impera no Casal Rato, na Pontinha. Localizado a cerca de 20 minutos do centro de Lisboa, entre a Presa e Canoas — perto do Dolce Vita Tejo –, contam-se pelos dedos das mãos as pessoas que andam pelas ruas estreitas deste pacato bairro residencial, com cerca de 2.100 habitantes. Aqui é fácil cruzar-se com alguém que se conhece. Pouco frequentado por quem não é da zona, é essencialmente composto por moradias e prédios baixos, alguns deles já um pouco degradados. Para além das residências, contam-se quatro cafés, uma farmácia, uma tipografia, três escolas na redondeza, algumas oficinas e um pavilhão municipal.
São perto das 8h45 quando Anabela Pereira estaciona o carro, um Audi Q5, na inclinada rua Ferreira Borges — estacionar aqui, entre os diversos carros parados em frente às residências, pode ser um desafio para os menos habilidosos. É ela que abre as portas do Manubela Cabeleireiros, um discreto espaço cujo interior, moderno e em tons de cor-de-rosa forte e preto brilhante, contrasta com o exterior da moradia, revestida de azulejos castanhos e azuis, à semelhança de muitas outras casas no Casal do Rato.
À medida que os ponteiros do relógio se vão aproximando das nove, as funcionárias do salão vão-se dirigindo, em passo acelerado, à vivenda Ana Bela. Aos poucos vão surgindo mais carros: uns estacionam na estreita rua, outros apenas param à porta para deixar sair aquelas que querem ser das primeiras a serem atendidas no cabeleireiro. Já sabem o que a casa gasta: ainda não tinham passado trinta minutos desde a abertura e já seis clientes estavam sentadas a arranjar os cabelos. À espera, estavam outras seis.
Enquanto as que aguardam nos sofás pretos do salão se entretêm com os telemóveis, ao som dos secadores, a proprietária do estabelecimento está de volta de um rapaz. Com firmeza, passa o pente pelos curtos cabelos enquanto a tesoura os vai cortando. Os movimentos são rápidos e precisos. Anabela apenas desvia o olhar da cabeça do jovem para lhe mexer no cabelo e confirmar o resultado ao espelho, colocado ao comprido em frente à cadeira. Ao mesmo tempo, outras cabeleireiras, todas elas vestidas de preto, vão lavando, secando, cortando e pintando os cabelos das restantes clientes. A típica conversa de salão é escassa, dando lugar à concentração das profissionais.
Tudo aparentemente comum, não fosse este cabeleireiro num bairro dos subúrbios de Lisboa ter mais de 50 mil seguidores no Facebook, cerca de 19 mil no Instagram e uma lista de “famosos” que vão publicando nas redes sociais elogios rasgados ao salão. Razões para este sucesso? A proprietária fala de “dedicação e amor à profissão, entrega e bom trabalho”. Mas terá de haver algo mais para que pessoas do norte a sul do país façam romarias para arranjar o cabelo numa localidade difícil de encontrar no mapa.
Nascida e criada no Casal do Rato, Anabela, ou Bela como é conhecida, herdou o espaço do pai, barbeiro de profissão e com quem deu os primeiros passos na profissão — o nome do espaço é uma aglutinação dos nomes Manuel e Anabela. “Comecei a trabalhar aqui há 25 anos. Nem fui grande aluna, porque o que queria mesmo era seguir este mundo”. Aos 16 anos começou a tirar o curso no CEPAB – Centro de Ensino dos Profissionais de Arte e Beleza e dois anos depois já estava a atender clientes.
“Comecei no dia de Páscoa de 1992. Lembro-me perfeitamente da minha primeira cliente: a D. Adelaide, que ainda hoje cá vem. Fiz-lhe uma mise de rolos, na altura essas coisas ainda se usavam”, recorda.
O ‘poder’ da Casa dos Segredos e das redes sociais
Desde então o número de clientes não tem parado de aumentar e muitos têm-se mantido fiéis ao longo dos anos. Patrícia Fonseca, de 39 anos, é cliente de Anabela há 20. “Foi ela quem me penteou para o meu casamento”, conta. Antiga moradora do Casal do Rato, continuou a frequentar o salão mesmo depois de se ter mudado para a Amadora. O profissionalismo da cabeleireira compensa a deslocação, garante.
“Ela é única”, garante Manuela Gonçalves, moradora do bairro e cliente do cabeleireiro há cerca de uma década.
Mas hoje em dia, o Manubela Cabeleireiros recebe entre 50 a 60 clientes por dia, a maioria mulheres entre os 20 e os 50 anos, para arranjar o cabelo, mas também para fazer as unhas e extensões de pestanas.
Os constantes carros a circularem e a estacionarem na rua Ferreira Borges não passam despercebidos aos restantes habitantes do bairro. Irene Almeida, 49 anos, é vizinha do salão de Anabela há 30 anos e trabalha na farmácia localizada no topo da rua. São várias as pessoas que passam pela farmácia a perguntar pelo concorrido cabeleireiro — só os mais atentos se aperceberiam do sinal cor-de-rosa, visível logo no início da rua e que está agarrado a uma das paredes da casa forrada a azulejo. A moradora, também cliente de Anabela há vários anos, não poupa nos elogios à vizinha, mas admite que se torna difícil estacionar dada a quantidade de carros que param junto ao salão. “Eu venho a pé, mas o meu marido e a minha filha saem de carro e têm dificuldade em estacionar”.
“Às quintas, sextas e sábados é um corrupio de carros, nem imagina”, descreve Celestino Dias Gouveia, de 59 anos.
O também morador da Ferreira Borges senta-se muitas vezes num pequeno banco, à porta de casa, para observar “o pessoal dos eventos” e os “carros topo de gama” que por ali passam. Também ele conhece “a Bela” há muitos anos e lembra-se bem do pai da cabeleireira, o “Tio Manel”.
Mas há uma justificação para este sucesso: tudo isto resulta de uma ‘campanha de marketing’ engendrada pela própria Anabela Pereira, de modo a atrair clientes a um espaço localizado num bairro de pouca passagem. “Estou num sítio onde quase ninguém vem cá ter então tive de arranjar mecanismos para as pessoas cá virem. Uma das coisas que fiz foi dar patrocínios a pessoas da Casa dos Segredos”, conta Anabela. Uma delas foi Fanny Rodrigues, uma das concorrentes mais polémicas do reality-show, a quem a cabeleireira fez uma radical mudança de imagem. “Acreditei que a mudança iria ser boa para ela e uma fonte de visibilidade para mim”, explica.
Mas há outras caras conhecidas que recorrem aos serviços do Manubela Cabeleireiros, seja para tratar do cabelo, unhas ou pestanas. As apresentadoras Rita Mendes e Carolina Loureiro, a atriz Sofia Arruda, a jornalista da RTP Rita Marrafa de Carvalho, a cantora e ex-mulher do jogador de futsal Ricardinho, Ana Duarte, são apenas alguns exemplos. As fotografias dos trabalhos são divulgadas nas redes sociais e a mensagem espalha-se como um rastilho.
Resultado? Clientes vindas de todo o país, de propósito, ao cabeleireiro do Casal do Rato. Porto, Leiria, Algarve, Madeira são apenas algumas das origens. Sem esquecer os vários seguidores nas redes sociais do Reino Unido, França e Suíça. Grande parte imigrantes que muitas vezes se dirigem de propósito ao espaço quando vêm a Portugal. “Tenho uma viagem paga por seguidores para ir à Suíça arranjar-lhes o cabelo, mas ainda não tive tempo”, lamenta Anabela.
Uma das várias chamadas para o salão foi de uma rapariga de Leiria que queria saber qual a melhor hora para se dirigir ao espaço. Susana, por exemplo, veio de propósito de Albufeira para pintar o cabelo no Manubela Cabeleireiros. “Não há quem faça este tipo de trabalhos [no Algarve]”, explica a jovem de 26 anos, que garante que a deslocação irá compensar se o trabalho de coloração ficar bem feito. A algarvia, que veio acompanhada da mãe — atualmente a viver na Nazaré –, descobriu o salão através do Facebook. As várias fotografias publicadas na página do salão não lhe deixaram dúvidas de que este era o local certo para ter um cabelo de acordo com as tendências mais em voga.
Anabela faz questão de publicar os seus mais recentes trabalhos diariamente, tanto no Facebook como no Instagram.
“As redes sociais são o outro trabalho que tenho. Muitas vezes saio daqui, vou para casa e estou a trabalhar mais duas ou três horas”.
A cabeleireira responde a quase todos os comentários na sua página de Facebook e recebe várias mensagens com perguntas, desde o tipo de trabalho que se faz no salão, dúvidas, até aos preços que se praticam. “Fazer diagnósticos via internet é muito complicado”.
Daniela Ramos, de 33 anos, chegou ao Manubela Cabeleireiros há cerca de um ano através de uma amiga, mas sublinha que a divulgação dos trabalhos no Facebook transmite “confiança” aos clientes. Raquel Branco é da mesma opinião. Cliente há cerca de três anos, as más experiências em cabeleireiros eram mais que muitas. Aliás, das primeiras vezes que visitou o espaço de Anabela apenas fazia manicure e extensão de pestanas. Quando finalmente arriscou, não se arrependeu.
“Parece que entendem mesmo o que queremos. Não fazem nada que prejudique o cabelo e aconselham, até porque nem sempre o que queremos é o melhor para nós”, explica a jovem de 30 anos.
A correção de trabalhos é mesmo um dos focos deste espaço, explica Anabela. Estes casos chegam a demorar várias horas. “Tem de ser tudo feito com muito cuidado para termos resultados perfeitos. Para tudo correr bem as coisas têm de ser feitas com tempo. Não pode haver pressas porque dão mau resultado”.
Horas de espera com solução à vista
O tempo de espera é uma das (poucas) críticas que fazem ao Manubela Cabeleireiros nas redes sociais. Chega-se a esperar várias horas para se ser atendido e não é possível fazer marcação. Anabela assume o problema, mas acredita que a questão será resolvida brevemente com a abertura de um novo espaço, novamente no Casal do Rato.
“Tenho tentado sempre arranjar mecanismos para me manter no Casal do Rato. Dentro de dois meses, vamos para um espaço com 300 metros quadrados, onde vou criar novos serviços. Terá uma mecânica muito diferente”.
Além da extensão de pestanas e da manicure que se irão manter, haverá mais serviços de estética e uma barbershop — Anabela contratou de propósito um barbeiro, atualmente a trabalhar em França, para vir para o seu novo salão. Já está também a formar uma nova equipa, que inclui uma rececionista e mais cabeleireiros, para dar vazão aos inúmeros clientes. E está a ponderar, no novo espaço, aceitar marcações, mas só para si. “Neste momento somos 10 — duas manicures, uma técnicas de extensão de pestanas e sete cabeleireiros — e vamos passar a ser 14”.
Ter uma equipa estruturada permite à proprietária estar mais tranquila aquando das suas ausências. “Grande parte dos dias estou a dar formações da L’Oréal Profissional, ou estou em eventos, ou sou convidada para fazer editoriais”. Enquanto ID Artist da L’Oréal Profissional Portugal — “criadores de tendências e de corte”, explica a cabeleireira –, é a própria Anabela que monta a sua equipa, dando-lhes formação e pondo-os a par das mais recentes modas no universo capilar.
“Quando há uma tendência para sair, se for preciso fecho um dia para estar com eles a prepará-los. Hoje em dia, os clientes estão informados e quero que eles [os funcionários] estejam sempre atualizados e que conheçam a tendência antes que ela seja procurada pelo cliente, para não serem surpreendidos”.
Quando não está de volta de um cliente, circula pelas várias cadeiras do salão para observar o trabalho que está a ser feito, dando indicações quando necessário. “Sou extremamente exigente. Se o cliente nos procurou, por algum motivo foi e quero que ele saia daqui feliz e a pensar na próxima vinda ao espaço. E faço questão de passar esta mensagem aos meus funcionários”. A atenção ao pormenor de Anabela é valorizada pelos seus funcionários. “Em três anos aqui aprendi mais do que em 10 anos no outro salão”, explica Soraia, de 28 anos, confessando já ter sido repreendida pela proprietária do espaço devido a um corte que não correu tão bem. Cabeleireira desde os 15 anos, assume que o trabalho é, por vezes, “uma loucura”: entre as 9h00 e às 19h00, cada funcionário atende cerca entre cinco a seis clientes.
O crescimento, porém, não é apenas a nível profissional. “Hoje em dia sou uma pessoa mais confiante e aprendi a controlar o meu sistema nervoso”, afirma Soraia, acrescentando que ainda tem muito para aprender quanto a cortes de cabelo. João também ressalva o seu crescimento a nível pessoal. “No meu antigo emprego saía mudo e entrava calado. Agora já converso com as clientes”, adianta o cabeleireiro de 34 anos, cuja carreira começou longe de secadores e escovas de cabelo. Antes era eletricista, mas a crise na construção civil levou-o a mudar de profissão. Tirou o curso de cabeleireiro através do fundo de desemprego e, quando chegou à altura de fazer o estágio, recorreu a Anabela, amiga há 30 anos.
A maneira como Anabela fala das pessoas com quem trabalha faz lembrar uma família unida. “Eu seria incapaz de ter todos os meus funcionários a trabalhar e estar sentada. Eu vou à luta com eles porque eles precisam de mim, mas eu também preciso deles.”