O euro é, apesar de tudo uma história de sucesso, mas é preciso dar mais passos. Uma reflexão da Comissão Europeia sobre o aprofundamento da união económica e monetária propõe que seja alcançado um acordo até 2019, “idealmente”, sobre os dois mecanismos que faltam para concluir a união bancária: o fundo único de resolução bancária e o fundo de garantia de depósito europeu. E até abre a porta ao financiamento pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade para resgatar os bancos.

O documento propõe ainda a criação de um instrumento do tipo eurobonds em versão soft, que não envolveria a mutualização (partilha de risco) da dívida pelos vários estados-membros, conforme aliás assegurou o comissário Valdis Dombrovskis. Em causa está a colocação em mercado, por entidades públicas ou privadas, de títulos que têm como garantia um pacote de obrigações emitidas por Estados soberanos. Este mecanismo, Sovereign Bond Backed Securities, permitiria uma maior diversificação do balanço das instituições bancárias, reforçando a separação entre o risco bancário e o risco soberano.

Na prática, segundo a explicação do vice-presidente da Comissão Europeia para o Euro a Comissão quer criar formas de permitir os participantes no mercado de criar uma obrigação composta por várias obrigações de dívida de países diferentes. Esta obrigação teria vários níveis – consoante maior o risco, maior o juro a receber -, numa estrutura muito semelhante às collateralized debt obligations (CDO), muito usadas pelos bancos norte-americanos antes da crise para juntar vários tipos de empréstimos à habitação, muitos deles sem qualidade, que no final resultavam num instrumento com nível de rating máximo, mas que se provou não ter a qualidade suficiente para essa avaliação.

Neste reflexão sobre o futuro do euro, Bruxelas sinaliza que persiste o contágio entre os riscos do setor financeiro e das dívidas soberanas. A herança a resolver é a elevada dívida pública de vários países, Portugal é um deles, e o legado de crédito malparado nos balanços dos bancos. Apesar dos progressos significativos em anos recentes, é necessário caminhar no sentido de uma maior integração para assegurar que o sistema financeiro consegue lidar com crises futuras.

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Acordo até 2019. Operacionalização em 2025

O documento destaca as duas componentes chave da união bancária estão por implementar: uma dotação orçamental comum de segurança para os fundos resolução e de garantia de depósito europeus. Bruxelas quer um acordo para estes dois mecanismos até 2019, cenário ideal, de forma a que possam estar operacionais até 2025. O fundo europeu de garantia de depósito, ao qual se opõe por exemplo a Alemanha, daria garantias de que os depósitos e poupanças estariam igualmente protegidos em toda a zona euro. A proposta foi inicialmente feita em 2015 e as negociações prosseguem, refere o documento. Atualmente todos os depositantes estão protegidos até ao limite de 100 mil euros por titular, mas através de fundos nacionais.

Quanto ao fundo de resolução europeu, a Comissão Europeia nota que uma dotação orçamental credível é essencial para tornar efetivo o novo quadro de resolução bancária e evitar custos para os contribuintes. No atual cenário, a resolução (resgate) dos bancos tem sido assegurada por fundos nacionais, que são financiados com contribuições das instituições financeiras. Foi o que aconteceu com a resolução de dois bancos portugueses, o BES e o Banif. Mas a insuficiência de recursos próprios nestes mecanismo, que não tiveram tempo para constituir reservas, obrigou o Estado a emprestar dinheiro, empréstimo cujas condições e prazo de reembolso foram revistos recentemente para suavizar o impacto para o sistema bancário europeu.

Nesta reflexão, a Comissão Europeia foca a preocupação em fenómenos sistémicos. Na eventualidade de ocorrer um problema grave que afete vários bancos ao mesmo tempo, as necessidades financeiras podem ultrapassar os recursos disponíveis no fundo. Por isso, seria necessário criar uma almofada financeira de segurança, que fosse neutral do ponto de vista orçamental, para usar em último recurso. Lembrando que já houve um compromisso dos estados-membros em dezembro de 2013, reiterado em 2015, defende que esta solução deve ser posta em prática sem mais atrasos.

E quem financia?

E uma das duas opções, a mais eficaz, para financiar o fundo seria o recurso ao Mecanismo Europeu de Estabilidade, que financiou os países resgatados do euro. O ESM (European Stability Mechanism) tem capacidade para emprestar, conhecimento de operações de mercado e a confiança dos mercados para cumprir essa função. Uma opção menos interessante, para Bruxelas, seria a dos Estados-membros concederem em simultâneo empréstimos ou garantias ao fundo de resolução europeu, à semelhança do que se tem feito em Portugal. Para a Comissão Europeia, esta solução poderia esbarrar em dificuldades dos Estado em mobilizar os fundos necessários.

Outras prioridades para a banca passam pela definição de uma estratégia europeia para os créditos de má qualidade que ajude a combater as heranças da crise e apoie iniciativas nacionais para o problema. O calendário ideal era 2019. O documento lembra que existe já um “compromisso claro” do Conselho para definir essa estratégia até junho com metas, calendários e mecanismos de monitorização. Esta estratégia deve ser acompanhada dos instrumentos que permitam uma aplicação no terreno e deve reduzir o stock de crédito malparado e evitar que sejam constituídos novos empréstimos de risco.

O reforço da supervisão e a criação de um mercado (bolsa) para a negociação destes ativos de crédito, a reforma do quadros legais nacionais, o ataque aos problemas estruturais e mais reestruturação do setor bancário, são outras linhas propostas.