O vice-presidente da câmara municipal de Lisboa, Duarte Cordeiro, reagiu à notícia do Observador sobre os aumentos das avenças no seu gabinete, na sua página no Facebook, dizendo que não tem “nada a esconder“. Por isso decidiu fazê-lo, “sem distorções“, mas, num texto longo, faz diversas omissões.
Duarte Cordeiro começa o texto a explicar política de remunerações de membros dos gabinetes:
A política remuneratória do apoio aos Gabinetes é pública e está definida há vários mandatos. Os adjuntos recebem, em termos líquidos, cerca de 80% do vencimento do Vereador. Os assessores poderão ganhar no máximo, em termos líquidos, o mesmo que ganha um adjunto. “
Duarte Cordeiro está correto quando diz que a política remuneratória está definida há vários mandatos na Câmara Municipal de Lisboa e que, pelo menos desde 2009, tem havido pequenos ajustes naquilo que é a atribuição do número de assessores e técnicos administrativos a cada vereador. Mas o autarca não explica que esta exceção (que o município de Lisboa tem pela sua dimensão) é discutida no início de cada mandato autárquico, em reunião de câmara, e que não há nenhuma obrigatoriedade de manter os números de mandatos anteriores. No início deste mandato, ao contrário do anterior (em 2013), houve uma subida do ‘plafond’ total porque acabou a redução remuneratória na administração pública. Ou seja, os vereadores decidiram aumentar os tetos com base no fim desta limitação. Não eram obrigados a fazê-lo. Permitiram, assim, que o “bolo” total aumentasse 1,8 milhões de euros para os gabinetes dos vereadores no mandato 2017-2021. O teto salarial por ano dos adjuntos subiu de 50.214 anuais para 55.386 anuais, se incluído o IVA.
O valor líquido corresponderá aproximadamente a 1750€ por mês. Como o salário está equiparado ao de adjunto, categoria que continua com o corte de 5% que todos os políticos têm desde 2010, recebem hoje menos 5% do que auferiam em 2009. Um assessor é contratado por recibo verde e o valor bruto terá de ser superior por causa de todos os impostos e descontos. Não é aleatório e a forma correta de analisar é pelo valor líquido e não pelo valor bruto.”
Duarte Cordeiro, para sugerir que os seus assessores não ganham assim tanto, refere que o salário destes trabalhadores corresponderá “aproximadamente a 1750 euros”. Neste caso o vice-presidente é impreciso, uma vez que o valor que os assessores ganham em termos líquidos depende da situação de IRS e também da situação perante a Segurança Social. Por exemplo, basta o assessor de um vereador ter uma outra atividade como trabalho dependente — o que acontece em alguns casos na câmara, uma vez que as prestações de serviço não exigem “exclusividade” — para não ter de pagar Segurança Social. Nesse caso, o vencimento líquido é maior. Mesmo o próprio IVA, que é pago pelo trabalhador diretamente ao fisco, pode ter deduções. Há até casos, referidos na notícia do Observador, de membros dos gabinetes que estão isentos de IVA.
O vice-presidente da CML diz ainda que “não é aleatório“, mas uma coisa é certa: é diferenciado. Haverá trabalhadores que ganham mais e outros que ganham menos, apesar de a CML gastar com eles os mesmos 4.615,57 euros ilíquidos mensais. Para Duarte Cordeiro, “a forma correta de analisar é pelo valor líquido e não pelo valor bruto”. Ora, isso apelaria à imprecisão: não é possível fazê-lo sem conhecer a situação fiscal de cada trabalhador, e apurar o vencimento líquido de cada um. A única forma rigorosa de referir o salário é indicando o valor bruto. Que é o valor efetivamente gasto pela autarquia (e pelos contribuintes). No caso dos assessores dos vereadores da CML esse valor é de 4.615,57 euros ilíquidos. Apesar disso — e porque o IVA, muitas vezes, é mesmo um desconto direto, o Observador fez questão de colocar, várias vezes ao longo do artigo a que se refere Duarte Cordeiro, o valor sem IVA: 3752,50 euros.
O Observador faz uma notícia criando a ideia que os aumentos remuneratórios no meu Gabinete ocorreram agora, apenas a pessoas do PS e que essas pessoas foram contratadas e aumentadas porque são próximas de amigos meus. Gostava de esclarecer e desmontar estas insinuações”.
O Observador limitou-se a relatar factos. É factual que, por comparação ao início do anterior mandato, no início do atual mandato Catarina Gamboa teve efetivamente um aumento de mais de 80%. O Observador noticiou ainda que esta já tinha sido aumentada: em 2016, Catarina Gamboa passou a ganhar mais, sem que isso tivesse sido publicitado. Os 35.485 euros que recebeu a mais relativamente ao que estava inicialmente previsto só foi comunicado no site Base.gov em outubro de 2017, passados quase dois anos da extinção da redução remuneratória. Nada disto foi a reunião de câmara. O valor do aumento mensal nunca foi especificado, nem qualquer adenda publicitada — como devia, pela lei — no site Base.gov.
Assim sendo, o Observador limitou-se a registar os factos, não omitindo que já tinha existido um determinado aumento no anterior mandato. Daí que o artigo fosse claro: “Quando chegou à autarquia, Catarina Gamboa tinha uma avença de 2.562,49 euros por mês, abaixo do anterior limite, mas agora começa o novo contrato de quatro anos com o novo teto máximo: 4.615,57 euros mensais. É um aumento superior a 80%“. E sobre o aumento, no mandato anterior, igualmente preciso: “Já na segunda metade do anterior mandato tinha havido um aumento a Catarina Gamboa, mas que só foi publicitado em outubro de 2017: em vez dos 124.708 euros previstos no contrato inicial, a execução do mesmo publicado no Base.gov refere que a câmara pagou mais 35.485 euros pela sua avença (num total de 160.193,17 euros), que justificou como “acerto por motivos relativos à extinção da redução remuneratória.”
A Catarina Gamboa, principal visada, é licenciada em Economia pelo ISEG e trabalhava, até ser convidada por mim, numa consultora de referência na área da Economia. Tinha experiência em projetos ligados ao planeamento autárquico e é qualificada para o desempenho das funções para as quais foi contratada. Conheço-a há mais de dez anos, antes de ter qualquer relação com o Pedro Nuno Santos, e oferece-me total confiança técnica e pessoal. Não aceito que a resumam a ser mulher do Pedro Nuno Santos e nunca essa ligação seria critério para a contratar. Como se vê apenas serve para a tentar desvalorizar. Se querem avaliar o mérito das pessoas olhem para os seus currículos, para a sua experiência e para o trabalho que desempenham. Os relacionamentos pessoais não pode servir nem para a favorecer nem para discriminar. Não conferem competências mas também não retiram valor às pessoas.
Duarte Cordeiro aponta as competências profissionais de Catarina Gamboa e repete o que já estava no artigo do Observador: que a assessora, além de mulher do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, já é sua conhecida há mais de dez anos. O Observador já tinha registado isso mesmo. Dizia o artigo: “Catarina Gamboa, mulher de Pedro Nuno Santos, foi camarada de Duarte Cordeiro e do próprio Pedro Nuno Santos na direção nacional da Juventude Socialista em 2004. Conhecem-se todos desde essa altura. Foi assim, com naturalidade, que Duarte Cordeiro convidou Catarina Gamboa para sua assessora na câmara de Lisboa em 2013″.
O vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa assume depois que o facto de as pessoas fazerem parte dos seus “relacionamentos pessoais” nunca vai pesar na decisão de contratar alguém.
O Pedro Vaz trabalhou comigo, tendo sido meu secretário-geral adjunto da Juventude Socialista. Trabalhou no Gabinete do Secretário de Estado do Desporto. Conheço-o bem e conheço a sua capacidade de trabalho.
Duarte Cordeiro confirma, sobre Pedro Vaz, o que é relevante para o artigo: tem um passado de dirigente do PS. Fez parte do seu grupo na “jota” e no PS e foi também, como está no texto do Observador, vice-presidente da Federação do PS Aveiro, entre 2012 e 2014, quando esta era liderada por Pedro Nuno Santos.
Iniciei o mandato de 2013 com uma política remuneratória no meu Gabinete em que pagava aos assessores abaixo do valor dos adjuntos. Percebi que estava a pagar abaixo do que sucedia com outros assessores em outros gabinetes de vereação, para pessoas com funções idênticas. Ajustei o valor para igualar ao que é pago por todos os restantes Vereadores. Os ajustamentos, para os principais casos visados, aconteceram a meio do mandato passado e não agora. Para os dois casos que identifico não se procede a qualquer alteração remuneratória.
Duarte Cordeiro dá a ideia que “pagava aos assessores abaixo dos valores dos adjuntos”. Normalmente, quando pagam abaixo do teto, os vereadores fazem-no para poder contratar mais pessoas, sem mexer no “bolo” total. O que a lei permite. Quando o Observador contactou a assessoria de imprensa do presidente Fernando Medina, a justificação foi que Duarte Cordeiro decidiu aumentar porque “saiu uma pessoa”, dando margem para aumentar as que continuaram no gabinete. Ora, aqui Duarte Cordeiro dá a ideia de ser rigoroso com as contas públicas e que até pagava abaixo do permitido, omitindo que antes tinha mais pessoas no gabinete.
O vice-presidente explica que os ajustamentos aconteceram “a meio do mandato passado e não agora”. Toda a contratação tem de ser publicitada no site Base.gov. Duarte Cordeiro não esclarece quando o fez e para que valores aumentou esses colaboradores. Pior: só informou que pagou mais no anterior mandato, por exemplo a Catarina Gamboa e Luís Sá, em outubro de 2017. Pior ainda: a justificação que deu foi “acerto por motivos relativos à extinção da redução remuneratória”. Ora, se aumentou Catarina Gamboa em mais de dois mil euros, esse aumento nunca podia ter como justificação o acerto remuneratório, que daria aumentos bastante inferiores. Se Cataria Gamboa já estive dentro teto salarial, onde não estava, o aumento decorrente da lei seria de apenas 600 euros (e foi mais de dois mil).
Facto: Duarte Cordeiro aumentou mais de 80% a pessoas que contratou há quatro anos. Embora estas realizem o mesmo trabalho.
Todos os Vereadores, com pelouro e sem pelouro, para além da análise das propostas ou dos assuntos que são abordados nas reuniões de câmara ou da Assembleia Municipal, recebem centenas de pedidos de reuniões para apresentação de projectos, para resolução de problemas, por parte de empresas, associações de moradores, associações desportivas, culturais, sociais ou da parte de outras entidades públicas. É este enquadramento que tem justificado, com amplo consenso partidário, que os Vereadores tenham apoio ao nível de assessoria que, volto a referir, são assumidos de forma transparente numa proposta que é votada em reunião de Câmara. O facto dos Vereadores terem apoio garante melhor qualidade na apreciação das propostas, a possibilidade de responder ao volume de solicitações e que a oposição consiga fazer um melhor trabalho de escrutínio ao que o Executivo vai propondo.
Duarte Cordeiro opta por lembrar que as regras também são aprovadas pela oposição. Tal como o Observador destacou no texto em questão: todos os partidos aprovaram estes vencimentos, à exceção do PCP, que se absteve. Em questões de remunerações, sempre houve um “amplo consenso partidário“. O “consenso” permite que, muitas vezes, as propostas sejam aprovadas com pouco escrutínio político, já que a oposição também tem direito a vários assessores.
Podemos e devemos discordar. Há quem entenda que, apesar dos argumentos que apresentei, não se justifica este apoio e estes vencimentos. Estão no seu direito. Só não aceito que assumam conclusões que não são verdadeiras. As equipas são escolhidas por por razões técnicas e pessoais. Um Vereador tem de ser responsabilizado por tudo o que faz e é por isso que tem o direito a escolher a sua equipa. É do resultado do trabalho da sua equipa que resultará a sua avaliação. Um vereador é o principal beneficiado ou prejudicado pela equipa que escolhe. Termino como comecei. Não tenho nada a esconder e defendo a equipa que escolhi. Estou como sempre estive disponível para discutir o resultado do meu trabalho em todas as funções que desempenhei. É o meu dever.
Duarte Cordeiro termina a dizer que não tem “nada a esconder“, mas omite várias questões que são relevantes para o caso. Nas questões que o Observador, a 27 de dezembro, enviou atempadamente para a assessoria da Câmara de Lisboa, havia pelo menos três dirigidas a Duarte Cordeiro, que passamos a reproduzir:
– O que motivou os aumentos salariais dos assessores dos gabinetes dos vereadores?
– A título de exemplo, no gabinete de Duarte Cordeiro, a CML pagava pela prestação de Ana Gamboa Vaz (incluindo IVA) 2562,49 € mensais no anterior mandato e passa agora a pagar 4.615,57€. O que justifica o aumento de mais de 80% do salário? (o mesmo aconteceu, por exemplo, com Luís Sá e também com Hugo Gaspar)
– No mesmo gabinete, Susana Delicado (que presta serviços de secretariado) viu a câmara mais do que duplicar o seu salário (incluindo o IVA) passou de 1640€ para 3.454,46 €. O que justifica este aumento?
O vereador optou por não responder às questões, embora tenha tido conhecimento delas logo a 27 de dezembro. Porque não tinha “nada a esconder”, respondeu já após a notícia sair na sua página pessoal do Facebook.
Câmara de Lisboa. Avenças em gabinetes do PS chegam a aumentar 80%