No final do ano passado estreou-se nas salas portuguesas “Verão Danado”, de Pedro Cabeleira, filme-chave sobre a juventude – portuguesa e não só – do século XXI. Millennials, para facilitar. Da mesma produtora, Videolotion, chega agora uma série que prolonga a celebração do ser jovem. “Subsolo”, projeto pensado a cinco cabeças, quatro delas da produtora, Tiago Simões (26 anos), Joana Peralta (26 anos), Victor Ferreira (32 anos), Marta Ribeiro (25 anos) e uma convidada, Maria Inês Gonçalves (22 anos). Cada um responsável por um episódio, cada episódio centrado numa personagem que passa por uma festa (o núcleo de “Subsolo”). Completam-se e complementam-se, fundem-se numa média-metragem. “Subsolo” não traz personagens, apresenta pessoas.

A ideia original é de Victor Ferreira. Surgiu-lhe durante um período na Argentina enquanto estava a estudar e quando voltou começou a desenvolvê-la com Joana Peralta, que conta: “Todos nós, à exceção do Tiago, que é da Amadora, somos do Ribatejo e tivemos a ideia de concentrar a história em como é crescer fora do centro. Mas depois achámos que era melhor falar sobre a geração em termos genéricos. E, portanto, situámo-nos em Lisboa. A ideia surgiu comigo e com o Victor mas depois passámos a escrita para o Tiago, porque ninguém sabe escrever tão bem, entre nós, como ele. No início tínhamos dez personagens e só depois chegámos às cinco”.

“Começámos por coisas muito práticas”, diz Tiago Simões. “Com apenas cinco personagens tivemos de mudar a estrutura, embora a ideia de acontecer tudo num só dia tenha estado sempre presente, mas não num espaço físico concreto, neste caso é uma festa, numa casa, que de alguma maneira acaba por ser o núcleo de todos os episódios. Houve personagens que acabaram por se fundir”. Joana remata:

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“A ideia é que cada realizador pegasse na narrativa à sua maneira. Houve essa liberdade, porque queríamos estéticas e tratamentos diferentes e só depois percebemos que se calhar não somos realizadores tão diferentes uns dos outros.”

Cinco episódios, cinco personagens. Tiago realizou “Rúben” (16 anos), Joana “João” (26 anos), Maria “Margarida” (18 anos), Victor “Nazim” (20 anos) e Marta “Júlia” (23 anos). As idades das personagens tornam-se relevantes para ajudar a situar o seu estado mental, o seu papel ao longo desta hora. Algumas personagens são recorrentes em alguns episódios, outras só completam a sua história em episódios de outros: o destino de Rúben só é contado no episódio final, por exemplo.

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E quem são eles? O que é esta festa? Comece-se por aí. A festa (em casa de João) é o núcleo de “Subsolo”, o local que define um propósito para as personagens: que é só estar nessa festa, a viver, desfrutar. Uma festa em casa de alguém que é um espelho da Lisboa de hoje: “Os sítios estão todos a fechar mais cedo. Passa por isso e por alguns dos sítios onde íamos estarem mesmo a fechar. Há uns anos íamos a alguns sítios e agora já não existem. E os que existem fecham muito cedo. Há pouca coisa aberta depois das três e a maioria fecha às duas”. Quem o diz é Maria Inês Gonçalves, a mais nova do grupo, responsável pelo episódio onde a estranheza da festa é mais evidente: “é a mesma festa, mas está a passar-se algo diferente na cabeça da Margarida”.

Margarida vive há dois meses em Lisboa e refere algumas vezes que passa o tempo livre a estudar. O episódio começa com Margarida relutante em ir à festa, em negação, mas já se está a maquilhar. A festa a que ela vai é a mesma mas é diferente da festa dos outros episódios: “Acontece no espaço mental da personagem e não na festa em si”, diz Tiago Simões. Tem um dos grandes momentos de “Subsolo”, no final, quando Margarida aceita a não absorção de toda aquela estranheza, alienação, e resolve voltar para a casa. Está a andar e no segundo final apressa-se para sair de campo, está a sair da série. Aquele lugar não é para ela. É um dos momentos em que há a certeza que “Subsolo” fala mais cinema do que televisão.

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Outro, provavelmente o plano mais espantoso em “Subsolo”, acontece quando Nazim acorda em plena Alameda D. Afonso Henriques e vê-se a fonte luminosa lá ao fundo. Nazim levanta-se com a dureza do sol e a estranheza de quem não pertence àquele dia. A ideia para “Nazim” surgiu quando Joana e Victor estavam numa festa no EKA Palace e havia um rapaz indiano, sozinho a um canto, que mais tarde encontraram na paragem de autocarro e deram-lhe boleia num táxi: “Ele dizia que os amigos dele não queriam ir a sítios onde houvesse portugueses e ele queria. Estava com uma mochila, na festa, num canto a dançar. Trabalhava numa mercearia e num restaurante italiano-indiano à noite.”, conta Joana Peralta. “Nazim” nasce do desejo de contar uma história com “pessoas que não se entrecruzam com os espaços normais de Lisboa. Havia essa vontade de explorar esse olhar curioso do lado deles. A vontade ou a falta dela de se integrarem.”, diz Victor Ferreira, realizador deste episódio.

Rúben é a porta de entrada para este “Subsolo”. No episódio realizado por Tiago Simões acompanha-se uma personagem que não é de Lisboa e que chega à cidade já de noite e tem de ir buscar as chaves para entrar em casa da avó. Algo que nunca faz, porque é tentado pelas luzes e o movimento da cidade. Tentado a entrar nela, a fazer parte, percebendo que se entrar em casa será o fim. Não da sua noite, mas de tudo: a Lisboa da casa da avó contaminará para sempre a Lisboa que quer conhecer. É também um estranho como Nazim, mas não por questões culturais e, sim, pela emergência de afirmação da adolescência. Ir àquela festa será um rito de passagem.

“Isto começou por ser uma ideia banal e acabou por tocar no João Pedro Galveias [coordenador de programas multimédia da RTP]. Discutimos ideias com ele e esta foi a que lhe interessou, porque tem filhos adolescentes e ficou interessado, por não perceber as atitudes dos filhos. Propôs fazermos um projecto que tentasse explicar e abrir ao mundo esta geração”, conta Marta Ribeiro, responsável por “Júlia”, o último episódio que, juntamente com “João”, de Joana Peralta, criam um link com a série da HBO “High Maintenance”.

E não é por Júlia também ser traficante de droga como a personagem de Ben Sinclair e, sim, pela humanidade do banal, por ambas as personagens em “Subsolo” se elevarem a pessoas, humanos, porque afinal são as duas que estão a jogar em casa: parecem ser de Lisboa ou, pelo menos, a viver há mais tempo em Lisboa. Completamente integrados.

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A comparação com “High Maintenance”, que a maioria dos realizadores desconhece, é inevitável. Pelas duas estarem a viver no mesmo presente, porque “High Maintenance” antes de ser uma série da HBO era uma websérie e, claro, porque não há picos narrativos: o que confere uma dinâmica especial em ambas as séries, falam de pessoas e não de personagens. “A RTP insistia num pico narrativo. Se estás a mostrar um dia desta personagem, tem que ser o dia mais especial dela. E nós dizíamos não, é uma sexta-feira, e é uma sexta-feira na vida desta personagem”, conta Joana Peralta e Tiago Simões conclui: “Vamos acompanhar as personagens durante algumas horas, estávamos mais preocupados com isso do que fazer algo transcendente acontecer. A ideia de criar ganchos não fez muito sentido”.

Contudo a transcendência acontece. Porque a banalidade, o quotidiano, é a transcendência em “Subsolo”. Não é um diário de uma geração ou um postal “real” de Lisboa. É a vida tal como ela é, vivida por jovens, contada por jovens, filmada por jovens para todos nós. As dinâmicas de Lisboa pelas pessoas reais que a vivem, pelas pessoas que melhor sentem a mudança (os jovens), que a compreendem, e que melhor se adaptam, criam, mudam e transformam as cidades. E, aqui, a televisão e o cinema.