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Uma "fábula", um "mentiroso", uma "agenda escondida". Juiz obriga banqueiro a olhar para arguidos nas acareações

Este artigo tem mais de 5 anos

"Tu estiveste no hotel!"; "Mentindo com quantos dentes tem"; "Uma fábula". Veja as frases fortes dos confrontos cara a cara entre o banqueiro Carlos Silva e os arguidos Orlando Figueira e Paulo Blanco

O banqueiro luso-angolano Carlos Silva, depois de uma audiência do caso Fizz
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O banqueiro luso-angolano Carlos Silva, depois de uma audiência do caso Fizz

Sónia Simões

O banqueiro luso-angolano Carlos Silva, depois de uma audiência do caso Fizz

Sónia Simões

É a terceira acareação feita no julgamento do caso Fizz, mas a primeira olhos nos olhos e com o juiz presidente a intervir frequentemente para lembrar que deviam olhar um para o outro. Fê-lo quando o magistrado Orlando Figueira, julgado por corrupção, reiterou que o banqueiro Carlos Silva lhe tinha dito ser “a pessoa indicada” para ir trabalhar para o Banco Privado Atlântico (BPA). E quando o arguido e advogado Paulo Blanco lhe atirou que, apesar de uma dívida de gratidão para com ele, não iria “omitir ou silenciar os factos”. Mas o banqueiro não desarmou e manteve que tudo não passa de uma “fábula” e de uma “teoria da conspiração”.

No frente a frente, com um Carlos Silva sentado mais de lado para poder ver os arguidos posicionados atrás dele, houve um arguido a dizer à testemunha que tinha mentido com “todos os dentes” e outro a revelar qual era, afinal, a “agenda escondida” de que o banqueiro falara na sessão anterior. Orlando Figueira e Paulo Blanco mantiveram as suas versões: o encontro no Hotel Trópico, em Luanda, e o consequente contrato de trabalho com o banqueiro, que levaria o procurador do Ministério Público (MP) a pedir uma licença sem vencimento volvidos mais de 20 anos de serviço naquela instituição. Carlos Silva manteve-se quase imóvel, na sua cadeira. E as respostas que ia soltando foram quase sempre as mesmas: “É absurdo e lamentável”.

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A terceira acareação foi pedida logo na segunda-feira — depois de o banqueiro Carlos Silva ter sido inquirido pelas defesas do magistrado Orlando Figueira e do advogado Paulo Blanco e ter recusado que tenha contratado o procurador — mas só esta quarta-feira, no final do depoimento da testemunha, o juiz decidiu fazê-la. Os motivos foram os mesmos que o levaram a aceitar a acareação com a procuradora Cândida Almeida e com o advogado Daniel Proença de Carvalho: as contradições entre as teses dos arguidos e os testemunhos. Mas cada um desses momentos foi bem diferente. Se as outras acareações foram feitas com as testemunhas a olharem para o coletivo de juízes, enquanto os arguidos falavam nas suas costas, esta acareação foi feita olhos nos olhos. “É o que significa uma acareação”, sublinhou, desta vez, o juiz presidente, Alfredo Costa.

O juiz lembrou o arguido Orlando Figueira que devia restringir-se “aos factos” e chegou a elevar a voz quando o magistrado começou um discurso menos direto. Depois concretizou e pediu-lhe que falasse numa das contradições em julgamento: o encontro no Hotel Trópico em Luanda, que Blanco e Figueira garantem ter existido em abril de 2011, e que Carlos Silva nega perentoriamente.

A verdade é que tomámos um café ou uma cerveja Cuca com o Dr. Paulo Banco. E que ele me disse que eu seria a pessoa indicada para trabalhar com ele. O Dr. Carlos Silva sabe que isto é verdade, responde Figueira.

Absolutamente falso e é triste e lamentável que alguém vá a um hotel convidar alguém que não conhece, sem passar pelos órgãos do banco, sem conhecer o currículo, é absolutamente falso, respondeu o banqueiro.

O juiz pediu a Figueira que reproduzisse a conversa e o arguido lembrou que falara de Angola, da Semana da Legalidade, da questão do processo Banif, que tinha em mãos. Referiu que as conferências que deu na altura foram notícia em vários jornais locais e que, nesse “encontro”, Carlos Silva lhe teceu “os maiores e rasgados elogios”. “Ele apareceu ali e é ali que ele me faz o convite e eu digo: quem sabe um dia quando me reformar”, recorda.

Enquanto o dizia, Carlos Silva mantinha-se imóvel na sua cadeira. Tentava olhá-lo nos olhos, mas sem reproduzir qualquer expressão. O juiz advertiu-o, até, de que podia reagir, de que podia ir respondendo se assim o entendesse, mas a resposta que conseguiu foi sempre curta e seca: “Reitero o que disse exaustivamente”.

A história continuou em Portugal, com Carlos Silva a ser ouvido, em maio de 2011, por Rosário Teixeira no Departamento Central de Investigação e Ação Penal e com um almoço, dias depois, na sua suite no oitavo andar do Hotel Ritz. “Se a diligência era com o Rosário Teixeira, porque vai ao Ritz o Orlando Figueira e o Rosário Teixeira não?”, interrogou Figueira, indignado. “Reitero que é absurdo e lamentável”, respondeu Silva.

Nesse encontro, terão acertado agulhas sobre o contrato a celebrar. Carlos Silva ter-lhe-ia proposto uma remuneração de 15 mil dólares mensais e teria encarregado Paulo Blanco de redigir o contrato. Meses depois, em agosto, Figueira recordou que precisou de 130 mil euros para pagar as tornas do divórcio à mulher e que, depois de ver o crédito recusado na CGD, acabou a pedi-lo a Carlos Silva. “Então falei com o Blanco e fomos ao BPA ao Amoreiras Square. Quando cheguei, numa sala com uma pintura africana, estava o Dr. Carlos Silva: ‘Então quanto precisa?'”. Além da pergunta, terá facilitado o crédito e explicado que a melhor garantia seria Orlando Figueira “ir trabalhar com eles”.

— Nunca os procedimentos são esses, é uma história… quanto ao crédito isso não existe. Não existe: quanto é que precisa? Não existe este tipo de procedimentos, diz Carlos Silva.

— … Mentindo com quantos dentes tem… Isto é uma criancice para ser simpático, diz, mais tarde, Orlando Figueira.

O juiz advertiu Carlos Silva: “Já sabe, sempre que quiser interromper…”. E Carlos Silva abanou a cabeça.

Eu compreendo que uma pessoa com uma licença bancária tenha dificuldade em lidar com isto, isto é branqueamento, acusa Figueira quando fala na conta de Andorra, que diz ter sido uma possibilidade dada por Carlos Silva para receber parte dos pagamentos devidos pelo contrato de trabalho que nunca se terá concretizado.

Blanco revela “agenda escondida” para prejudicar Manuel Vicente

Depois de Figueira, foi a vez do frente a frente com o arguido Paulo Blanco. Num discurso semelhante aos mails que trocou com o presidente do BPA, em que ora o trata por “tu” ora por “doutor”, Blanco fez logo um aviso. Apesar de uma “dívida de gratidão” para com ele, por causa de “todas as pessoas” que Carlos Silva lhe apresentou, não iria  “silenciar ou omitir factos”.

Blanco voltou a confirmar o encontro no Hotel Trópico, também presenciado pela sua esposa e advogada, e até lembrou que ali Carlos Silva lhe apresentou uma futura cliente. “Como eu disse, Carlos Silva esteve a falar com Orlando e falaram da hipótese do Dr. Orlando ir trabalhar para Angola”, afirmou o advogado, apesar de não saber quem iniciou o tema da conversa. “É a construção da história para bater certo”, respondeu calmamente Carlos Silva.

— Isto é uma coisa demasiado grave para si e para o engenheiro Manuel Vicente, disse-lhe Paulo Blanco.

Para libertar o engenheiro Manuel Vicente querem colocar-me nessa situação?, defendeu-se o banqueiro.

Tu estiveste no hotel!, insistiu Paulo Blanco, que lembrou existirem notícias a darem conta desse encontro.

Blanco confirmou igualmente que na conversa mantida no Ritz não se falou apenas de trabalho, mas da vida de Orlando Figueira, nomeadamente dos problemas pessoais que atravessava e das razões para aceitar um emprego em Angola. Recordou, até, que Carlos Silva lhe falou na falta de profissionais especializados em Angola. “Esse desafio e essa carência eram num universo BPA”, garante Blanco, justificando assim porque enviou uma minuta do contrato de trabalho com Figueira, em branco, para Carlos Silva. Esta minuta voltou depois em nome de Finicapital e acabou por ser assinada por Figueira com a Primagest — a empresa que está no centro do processo como estando ligada ou a Manuel Vicente ou a Carlos Silva. “Ele foi buscar o contrato em papel ao BPA”, reforça Blanco, para provar que o contrato só podia estar relacionado com o banqueiro angolano.

O advogado e arguido terminou a acareação a tentar descortinar a “agenda escondida” de Carlos Silva. Lembrou que o alegado “acordo de cavalheiros” celebrado entre Orlando Figueira, Carlos Silva e Daniel Proença de Carvalho só prejudicaria duas pessoas: “Eu e o Vicente”. E diz que “se não tivesse havido incumprimento do acordo de cavalheiros, a escuta e os mails não tinham aparecido” e ele e o ex-vice-Presidente angolano seriam os únicos prejudicados no processo. “O Ministério Público protegeu algumas pessoas e está a proteger”, queixou-se. “Isto não é uma agenda escondida?”, reiterou.

Nesta altura, o juiz Alfredo Costa disse que estavam a “extravasar” e mandou sair Carlos Silva, dando por terminada a acareação. Mas uma das juízas do coletivo voltou a perguntar pela agenda. “Naquele período de calendário eleitoral… esse acordo de cavalheiros serviu uma agenda, percebemos aqui quem teve intervenção, os beneficiários políticos são aqueles que lograram afastar o engenheiro Manuel Vicente. Isso é evidente”, respondeu Blanco.

Antes da acareação já o advogado Rui Patrício — que representa Manuel Vicente e o empresário Armindo Pires — tinha aflorado a questão.

Tem ideia quando começou este processo? Quando se falou publicamente?, perguntou Rui Patrício.

— 2016?, declarou Carlos Silva

Começou em 2014. Nesses anos falava-se em Angola na hipótese de Manuel Vicente ser candidato a presidente da Republica de Angola?, questionou o advogado.

Sim, respondeu Carlos Silva.

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