A eurodeputada Ana Gomes considera que a transferência do processo do ex-vice-Presidente angolano Manuel Vicente para Angola é uma “tremenda demissão” da justiça portuguesa, baseia-se em argumentos hipócritas e não vai aliviar a relação entre os dois países.

É de uma hipocrisia serem utilizados este tipo de argumentos para justificar uma decisão que é uma tremenda demissão da justiça portuguesa e uma tremenda derrota da Justiça”, afirmou Ana Gomes, em declarações à agência Lusa.

A eurodeputada socialista, que falava um dia depois de o Tribunal da Relação ter decidido transferir o processo de Manuel Vicente para Angola, disse ser “extraordinário que se possa arguir as condições para a melhor reinserção social e reabilitação da pessoa em causa como um dos argumentos para aceitar a transferência do processo para Angola”.

“Isto não vai aliviar as relações entre Portugal e Angola. A única coisa que pode aliviar as relações entre Portugal e Angola é que Portugal faça o que tem de fazer para não continuar a ser a lavandaria dos corruptos da cleptocracia em Angola”, sublinhou.

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Em causa está a Operação Fizz, que envolve um processo em que o ex-vice-Presidente de Angola é suspeito de ter corrompido, em Portugal, Orlando Figueira, quando este era procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), do Ministério Público, que investiga a criminalidade mais grave, organizada e sofisticada, designadamente de natureza económica.

O caso assenta na acusação de que Manuel Vicente, também ex-presidente do Conselho de Administração da Sonangol, corrompeu o ex-procurador Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros, para que este arquivasse dois inquéritos, um dos quais envolvia a empresa Portmill, relacionado com a aquisição de um imóvel de luxo no Estoril, em 2008.

“Mesmo antes de ser vice-Presidente [Manuel Vicente] estava envolvido em esquemas de branqueamento em que o nosso país é a lavandaria”, afirmou Ana Gomes, sublinhando que o assunto “não vai ficar por aqui”.

A eurodeputada considerou ainda extraordinário o argumento de que a transferência do processo não prejudica a boa administração da justiça, frisando: “Toda a gente sabe que a Procuradoria Geral da República [PGR] de Angola escreveu a Lisboa a dizer que não tinha condições para fazer o julgamento em Luanda”.

“E não e apenas por causa da aplicação da lei da amnistia, sabemos que a procuradoria de Angola, mesmo se tivesse vontade política, não teria capacidade para fazer o julgamento, pelo contrário”, acrescentou.

Ana Gomes sublinhou também que a atuação das autoridades policiais vai no sentido de “perseguir aqueles que se têm batido contra a corrupção, contra o roubo do povo angolano, contra as violações dos direitos humanos cometidas em Angola, como é o caso do jornalista Rafael Marques e de outros jornalistas que continuam a ser perseguidos”.

Manifestou-se ainda convencida de que o caso não vai ficar por aqui e que irá “desencadear muitas reações ao nível da sociedade civil angolana e da sociedade civil portuguesa contra um caso de corrupção de tanta gravidade, como é aquela que envolve esta acusação, que diz respeito a um esquema organizado para corromper um magistrado português e com os crimes associados de branqueamento de capitais”.