Não há grandes dúvidas de que em “horário nobre” foi ela que provocou a maior enchente do NOS Primavera Sound. (Jamie XX, que fez um DJ set para uma plateia cheia no palco NOS, já não tinha grande concorrência à hora em que atuou, 00h25). Esta quinta-feira, 7 de junho, a cantora e compositora Lorde (que na verdade se chama Ella Marija Lani Yelich-O’Connor), vinha com a lição bem estudada: sabia que teria um público dedicado, mostrou-se comunicativa, atirou imensos agradecimentos em português (“Obrigada, Porto”) e percebeu que o concerto era importante. Disse-o, aliás, por outras palavras, quando se apresentou pela primeira vez ao público e afirmou:

É tão bom estar finalmente aqui com vocês. Há demasiado tempo que não vinha a Portugal, desde 2014. Teria uns dezassete anos nessa altura.”

Quem era Lorde em 2014 e quem é agora, quatro anos depois? O concerto do Porto ofereceu mais uma chave para a resposta. Hoje, musicalmente, Lorde está muitos furos acima do que era naquela época. Em palco, está mais confiante, mais solta. O alinhamento é melhor porque tem dois discos em vez de um, e isso permite-lhe fazer uma seleção mais criteriosa das canções que canta. E os temas novos, que apresentou na noite desta quinta-feira, “Sober”, “Homemade Dynamite”, “The Louvre”, “Liability”, “Sober II”, “Supercut”, “Perfect Places” e “Green Light”, são bastante melhores do que muitos do álbum anterior. São composições mais ricas, a flirtar com a pop eletrónica sofisticada e o R&B digital, as palavras relacionam-se melhor com o tom das canções, a voz gere melhor as mudanças de notas e os silêncios.

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Está tudo melhor mas está tudo longe de ser perfeito (e de merecer o relativo consenso crítico que o seu último disco por algum motivo obteve). Sim, Lorde não pertence ao grupo de estrelas pop que, na mudança de adolescentes para jovens adultas, transformaram-se em clones de outras cantoras da sua geração. Lorde não canta pop plástica nem procura mediatismo através de performances hiper-sexualizadas, que nem sequer existem, como se viu. O concerto desta quinta-feira teve apenas uma banda competente, mas discreta, bailarinos que iam dispersando (propositadamente) o foco de atenção, excertos pré-gravados que se foram misturando com a música ao vivo para a tornar masi próxima do disco e uma rapariga interessada em cantar canções frágeis sobre si, a sua vida, o mundo que tem vindo a descobrir. No centro de tudo, esteve a canção.

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Da prestação de Lorde, não há grande coisa a apontar, a não ser talvez uma mecanização excessiva na interpretação. Não há espaço para notas inesperadas por não haver espaço para erros. É tudo demasiado certinho. Mas o grande problema é outro: Lorde canta dramas juvenis para um público juvenil, mas mais parece cantar sobre coisas banais. No Porto, garantiu ao público que queria era “dançar as emoções intensas, complicadas e lindas” e mostrou-se convencida de qu era isso que os seus fãs também queriam. Estava certa: ao nosso lado, ouvímos um “I relate”, expressão inglesa para “identifico-me”. E vímos os rostos emocionados dos adolescentes nas primeiras filas.

Mas faltou algum lapso, uma frase sincera, uma interpretação vocal saída das entranhas. Um olhar que mostrasse que, sim senhor, toda aquela vulnerabilidade de Lorde é genuína — que as suas canções são vulneráveis porque espelham um percurso errático, e não apenas porque estrategicamente a tornam humana aos olhos dos fãs. No final, os discursos meio motivadores meio místicos — ora “gosto muito de vocês, são tão especiais” ora “tudo se ultrapassa” — não convenceram. O culto saiu favorecido, claro, porque os fãs de sempre saíram convencidos. Mas o público alternativo, que queria sentir emoções a sério, desconfiou das canções e dos discurso e foi procurar outras paragens.