As “razões processuais” invocadas pelo advogado Ricardo Sá Fernandes para explicar a não realização do interrogatório de Manuel Pinho no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), afinal, prendem-se com uma diligência do próprio ex-ministro da Economia: Manuel Pinho apresentou um incidente de recusa contra os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto, titulares dos autos do caso EDP.

Pinho alega duas razões essenciais para fundamentar o incidente de recusa:

  • os procuradores notificaram-no para prestar declarações as 12 de junho como “arguido”, como o Observador já tinha noticiado, quando o ex-ministro da Economia não tem esse estatuto processual depois de o juiz Ivo Rosa ter declarado nula a constituição de arguido de 3 de julho. Esse estatuto de “arguido” veio a ser repetido na notificação para a audição desta manhã;
  • Pinho alega ainda que o Ministério Público (MP) forçou a notificação para o interrogatório desta manhã quando já sabia que estava marcada uma audição no Parlamento desde há semanas e quando o seu advogado, Ricardo Sá Fernandes, tinha proposto o dia 18 ou 19 de julho. O ex-ministro invoca regras de urbanidade e de respeito entre órgão de soberania que deviam levar os procuradores a respeitar o Parlamento.

De acordo com o texto do incidente de recusado a que o Observador teve acesso, Ricardo Sá Fernandes afirma ainda, como fundamento do direito para requerer tal incidente, que “os senhores procuradores (…) insistem e persistem em não acatar a decisão do senhor juiz de instrução criminal [Ivo Rosa] que deu sem efeito a constituição do requerente como arguido, o que constitui um desrespeito inaceitável de uma decisão judicial proferida e a que eles devem estrita observância”. Isto é, insistem em designar Manuel Pinho como arguido, sem que este o seja.

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Por outro lado, Sá Fernandes diz ainda que “é absolutamente incompreensível que, estando, agendada a audição do requerente [Manuel Pinho] na Assembleia da República para a tarde do dia de hoje [17 de julho], se pretenda encavalitar a sua tomada de declarações esta manhã — podendo até pôr em risco a audição parlamentar — quando foram dadas alternativas razoáveis para os dias imediatamente subsequentes”, lê-se no incidente de recusa. Sá Fernandes refere-se às datas de 18 e 19 de julho que foram propostas ao MP.

Mais: o advogado de Manuel Pinho acusa ainda os procuradores titulares do caso EDP de insistir na sua inquirição para o dia 17 de julho — “na sua aparência, e uma vez que não foram aduzidas quaisquer razões para manter esse agendamento, tão manifestamente inconveniente — parece apenas servir o propósito de que o Requerente [Manuel Pinho] não possa invocar, na Assembleia da República, o desconhecimento dos factos que lhe são imputados” nos autos. Daí, Sá Fernandes invocar que a “marcação da diligência consubstancia uma utilização do processo judicial para um fim que lhe é alheio”, conclui o causídico.

O incidente de recusa contra os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto será agora decidido pelo diretor do DCIAP, o procurador-geral adjunto Amadeu Guerra. Sendo uma magistratura hierarquizada, o incidente de recusa tem de ser decidido pelo superior hierárquico dos procuradores que são alvo da recusa interposta — o que no caso é Amadeu Guerra.

A consequência imediata é que os magistrados do DCIAP não poderão tomar nenhuma iniciativa processual contra Manuel Pinho enquanto o incidente não for decidido pelo diretor do DCIAP — a não ser que se tratem de atos urgentes. Os procuradores também não poderão ordenar qualquer diligência contra os restantes arguidos.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) emitiu, entretanto, um comunicado onde confirma a informação avançada pelo Observador sobre a apresentação do incidente de recusa. “Antes de iniciada a diligência foi suscitado, pelo seu advogado, o incidente de recusa dos magistrados designados para dirigir o inquérito. Perante o requerimento apresentado, o magistrado do Ministério Público deu sem efeito a diligência designada, a fim de o incidente de recusa ser apreciado pelo imediato superior hierárquico (Diretor do DCIAP)”, lê-se no comunicado da PGR.

Não arguido pode apresentar incidente de recusa?

Outra questão levantada pela apresentação deste incidente de recusa prende-se com o facto de o mesmo ser apresentado por alguém, como Manuel Pinho, que não é arguido nos autos. Tendo em conta a declaração de nulidade da constituição de arguido tomada em maio pelo juiz Ivo Rosa, Pinho deixou de ter esse estatuto processual nos autos.

Apesar de o Ministério Público (MP) ter recorrido da decisão do juiz de instrução para a Relação de Lisboa, tal recurso não suspende a declaração de nulidade, pois o magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal classificou tal recurso como devolutivo — o que motivará um segundo recurso do MP na Relação de Lisboa, pois os procuradores entendem que o recurso deve ser suspensivo.

Do ponto de vista da defesa de Manuel Pinho, a sua legitimidade processual para apresentar este incidente processual não está em causa porque os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto insistem em notificar e em classificar Manuel Pinho nos autos “como arguido”. Aliás, foi nessa qualidade que o notificaram para prestar declarações esta manhã no DCIAP. Por isso, Ricardo Sá Fernandes decidiu avançar com o incidente de recusa.

O que aconteceu no DCIAP

Foi devido a este incidente de recusa que o interrogatório de Manuel Pinho no DCIAP, em Lisboa, foi desmarcado. À saída do DCIAP, o advogado do ex-ministro da Economia, Ricardo Sá Fernandes, explicou que houve “razões processuais que levaram” a que a sessão fosse adiada e que ainda não foi marcada uma nova audição. O Ministério Público irá emitir um comunicado em breve a explicar a situação.

Manuel Pinho à saída do DCIAP. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Manuel Pinho saiu do DCIAP, onde deveria ter sido ouvido durante a manhã pelo procurador Hugo Neto no âmbito do caso EDP, pelas 11h12, apenas 42 minutos depois de ter dado entrada no edifício com meia hora de atraso (a audiência estava marcada para as 10h e Pinho só entrou Às 10h30). Depois de se ter recusado prestar declarações, Pinho acabou por remeter todas as perguntas para o seu advogado, que chegou depois.

“A diligência foi dada sem efeito porque ocorreram questões processuais que o justificaram”, afirmou depois Sá Fernandes, explicando que foi o Ministério Público que tomou a decisão. “Como é sabido, o senhor juiz de instrução anulou o ato de constituição do Dr. Manuel Pinho como arguido. Portanto, o dr. Manuel Pinho não é, neste momento, arguido neste processo. Esse é um dado inquestionável.”

Ricardo Sá Fernandes, advogado de Pinho, depois de prestar declarações aos jornalistas no exterior do DCIAP. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Sem explicar se foi esse o motivo do adiamento, o advogado defendeu que deveria ser o Ministério Público a dar explicações, já que foi quem “marcou e desmarcou a audiência”. Sá Fernandes admitiu prestar declarações caso o “esclarecimento do Ministério Público não esclareça completamente” o que aconteceu. Questionado sobre o que espera deste processo daqui para a frente, o advogado disse: “Espero que o dr. Manuel Pinho tenha oportunidade de esclarecer os factos que lhe são imputados, de os conhecer primeiros, de conhecer os meios de prova, de esclarecer e repor a verdade”.

Manuel Pinho será ouvido na Comissão Parlamentar de Economia, Inovação e Obras Públicas, pelas 15h. O ex-ministro já deu a saber, através do seu advogado, que existem perguntas às quais não irá responder. À saída do DCIAP, Pinho disse que ia “falar das políticas de energia” na Assembleia da República, em resposta às perguntas dos jornalistas.

10 pontos essenciais para perceber o silêncio de Manuel Pinho que dura há 89 dias

Manuel Pinho foi constituído arguido no caso EDP há um ano. Não prestou quaisquer declarações desde então. As suspeitas de  que é alvo envolvem alegados favorecimentos ilegítimos concedidos à EDP, em 2007. Estes estão quantificados, para já, em cerca de 1,2 mil milhões de euros. Em cima da mesa estão também as suspeitas de que a sociedade Espírito Santo (ES) Enterprises, o famoso “saco azul” do Grupo Espírito Santo, terá pago uma avença mensal de 14.963,94 euros a uma offshore de Pinho quando este era ministro da Economia do XVII Governo Constitucional.

Corrigida informação sobre o órgão que apreciará o incidente de recusa apresentado por Manuel Pinho.