“Chegou a hora da recuperação económica e necessit…” Uma explosão interrompeu o discurso do presidente venezuelano Nicolás Maduro, que ficou por uns segundos calado a olhar em volta para tentar perceber o que tinha acontecido, e logo a transmissão televisiva oficial mudou de ângulo e foi terminada. O pânico instalou-se na Avenida Bolívar, em Caracas, onde o chefe de Estado da Venezuela discursava na tarde de sábado perante as forças armadas, impecavelmente alinhadas em parada militar naquela artéria da capital venezuelana, para assinalar o 81º aniversário da GNB (Guarda Nacional Bolivariana, a polícia militar do país).

Pouco mais tarde, quando em Portugal já era de madrugada, Maduro aparecia numa conferência de imprensa já na segurança do palácio presidencial para assegurar ao mundo que tinha sido vítima de um atentado contra a sua vida, mas que as forças armadas venezuelanas tinha neutralizado a situação “em tempo recorde”. E contou aquilo que tinha presenciado.

“Estava a dizer para não baixarmos a guarda porque a conspiração tinha voltado, e nesse mesmo momento explodiu à minha frente um artefacto voador, uma grande explosão, companheiros. A minha primeira reação foi de observação, de serenidade”, destacou o líder venezuelano, assegurando a sua confiança “plena” nas forças que garantiam a segurança do evento. Porém, a partir dali, sucederam-se as versões contraditórias sobre o que efetivamente terá estado por detrás daquela explosão.

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A versão oficial: Maduro era alvo, Maduro resolveu e já tem provas (que não divulga)

A primeira versão, oficial, foi a avançada pelo próprio Maduro, que não teve dúvidas em assegurar que se tratou de um atentado terrorista e até em apontar um culpado bem concreto: Juan Manuel Santos, o presidente da Colômbia. “Foi um atentado para matar-me. Hoje tentaram assinar-me e não tenho dúvidas que tudo aponta para a direita, a extrema-direita venezuelana em aliança com a extrema-direita colombiana e que o nome de Juan Manuel Santos está por detrás deste atentado”, afirmou.

Para Maduro, a situação é clara. “Juan Manuel Santos entrega a presidência no dia 7 de agosto e não se podia ir embora sem fazer um dano, uma maldade à Venezuela”, justificou. Recorde-se que Iván Duque venceu as últimas eleições presidenciais colombianas e vai tomar posse na próxima terça-feira, sucedendo oficialmente no cargo a Juan Manuel Santos. O líder venezuelano avançou mais ainda: “Tenho de informar que já foram capturados parte dos autores materiais do atentado contra a minha vida do dia de hoje, que já se encontram processados. Foram capturadas parte das provas e não vou adiantar mais, mas a investigação já está muito adiantada”.

Maduro tem reiterado ataques à oposição interna, aos Estados Unidos da América e à Colômbia — país, recorde-se, liderado por um presidente de centro-direita –, que classifica de “imperialistas”.

Versões paralelas: dos rebeldes à botija de gás

Apesar das certezas de Maduro sobre a origem colombiana do ataque, essa não é a única versão dos acontecimentos. Ainda na noite de sábado para domingo, o movimento “Soldados Franelas”, um grupo rebelde conhecido sobretudo pelo seu ativismo na Internet associado à oposição a Maduro, reivindicou o ataque e até deu detalhes sobre o plano.

“A operação era fazer dois drones carregados com explosivos C-4 sobrevoarem o local em direção ao palanque presidencial. Atiradores especiais da Guarda de Honra derrubaram os drones antes de eles chegarem ao objetivo. Demonstrámos que são vulneráveis, não se conseguiu hoje mas é uma questão de tempo”, escreveu o grupo no Twitter, onde partilhou um vídeo do momento em que se ouve a explosão que interrompeu o discurso de Nicolás Maduro. “É assim que nós gozamos com a ditadura. É boa para matar o povo de fome mas é cobarde na hora H”, acrescentou.

Criado em 2014 com o objetivo de reunir todos os grupos que fazem oposição ativa ao regime de Nicolás Maduro, o movimento Soldados de Franelas empenha-se numa “efetiva luta contra a ditadura, com organização e convicção”. “Tapamos as caras para para nos darmos a conhecer, para lutar contra um regime que nos oprime”, escreve o grupo na sua apresentação oficial no Twitter. Entretanto, a página da organização na internet parece estar inacessível.

https://twitter.com/soldadoDfranela/status/1025883640755093510

O grupo, que é composto por “militares e civis patriotas e leais ao povo da Venezuela”, divulgou mais tarde um comunicado para explicar os motivos por detrás da “Operação Fénix”, como chamaram ao suposto ataque contra Nicolás Maduro. Nele, o grupo começa por explicar que o objetivo das forças armadas bolivarianas é o de garantir a soberania e independência do país, e apresenta os “fundamentos legais” para a sua intervenção contra o presidente do país.

Sublinhando que muitos organismos do Estado “desconhecem o conteúdo da Constituição”, os supostos autores do atentado explicam que as forças armadas “decidiram empreender uma luta para restabelecer a sua efetiva vigência e impedir que seja revogada por meios distintos aos que ela [a Constituição] expressamente consagra”. E garantem que têm o apoio de “oficiais, suboficiais, e soldados” que estão “dispostos a oferecer as suas vidas”. “Hoje não pudemos, mas seguiremos a nossa luta”, garantem.

“Os objetivos que buscamos são o regresso à paz, à democracia, à Constituição, às eleições limpas, à prosperidade e ao progresso. É contrário à honra militar manter no governo quem fez da função pública uma forma obscena de enriquecer”, diz o comunicado.

Mas há ainda outra versão da história. Segundo disseram bombeiros no local à Associated Press, tudo não passou da explosão de uma botija de gás num apartamento próximo do local da parada militar, e não de um ataque com recurso a drones. Fotografias partilhadas por jornalistas locais nas redes sociais mostram, efetivamente, imagens de um pequeno incêndio consistente com a explosão de uma botija de gás num apartamento ali perto.

Mas não foram só os bombeiros. Também várias fontes das autoridades policiais presentes no local confirmaram à mesma agência de notícias que a origem da explosão foi o rebentamento de uma botija de gás. Esta informação tem levantado suspeitas sobre a credibilidade das afirmações oficiais do governo venezuelano. “A ‘investigação’ oficial sobre o alegado atentado de hoje contra o presidente Maduro leva o rumo habitual: começar com as conclusões e andar para trás”, considera Phil Gunson, um responsável da organização sem fins lucrativos Crisis Group, citado pelo jornal britânico The Guardian.