O Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa concluiu a fase de inquérito do chamado caso e-toupeira. O Sport Lisboa e Benfica, Sociedade Anónima Desportiva (SAD), e o seu funcionário Paulo Gonçalves foram formalmente acusados de diversos crimes. Dois funcionários judiciais, sendo que um deles ocupa igualmente funções como observador de arbitragem, viram igualmente a procuradora do DIAP de Lisboa a imputar-lhe a alegada prática de diversos crimes. O Benfica queixa-se de ainda não ter sido notificado e considera acusação “absurda e injustificada”.
Segundo o comunicado oficial da Procuradora Geral Distrital de Lisboa estão em causa crimes como corrupção ativa e passiva, oferta ou recebimento indevido de vantagem, favorecimento pessoal, violação do segredo de justiça, violação de segredo por funcionário, peculato, acesso indevido, violação do dever de sigilo e falsidade informática. Mais: o Benfica arrisca, em caso de condenação judicial, a uma pena acessória que pode suspender o clube da participação em provas desportivas profissionais por um período entre 6 meses e três anos.
Como a rede de toupeiras do Benfica foi descoberta pela Polícia Judiciária
O mesmo comunicado diz ainda que o Ministério Público irá requerer em julgamento, caso os arguidos sejam pronunciados ou caso não venham a requerer a abertura de instrução, que seja estipulada uma pena acessória ao Benfica por “comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva”.
O comunicado da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa faz referência explícita ao artigo 4.º da Lei n.º 50/2007 de 31 de agosto, que foi classificado de “regime de responsabilidade penal por comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva”. Ora, de acordo com o referido artigo da lei elaborada após o caso Apito Dourado (que visou o Futebol Clube do Porto e o Boavista), os agentes do crime de corrupção arriscam uma pena acessória de “suspensão de participação em competição desportiva por um período de 6 meses a 3 anos”, além da “privação do direito a subsídios, subvenções ou incentivos outorgados pelo Estado, regiões autónomas, autarquias locais e demais pessoas coletivas públicas por um período de 1 a 5 anos”.
Quer isto dizer, que, em caso de condenação decretada por um tribunal penal, o Benfica arrisca a não poder participar em provas desportivas profissionais.
Além disso, a afirmação de que os alegados crimes de corrupção imputados a Paulo Gonçalves e à SAD do Benfica terão afetado a verdade desportiva, poderá levar as autoridades desportivas a averiguar eventuais responsabilidades disciplinares do Benfica.
Casos vouchers, emails, Lex e e-toupeira: o que pode acontecer ao Benfica e aos seus dirigentes
Tal como o Observador já tinha noticiado, e a PGDL confirma, o DIAP de Lisboa considera que “ficou suficientemente indiciado que os arguidos com a qualidade de funcionários de justiça, pelo menos desde Março de 2017, acederam a processos-crime pendentes no DIAP de Lisboa e do Porto e em outros tribunais, transmitindo as informações relevantes ao arguido colaborador da SAD, fazendo-o de acordo com a solicitação do mesmo e em benefício da mesma sociedade”. Os mesmos processos “tinham por objeto investigações da área do futebol ou de pessoas relacionadas com este meio, ou de clubes adversários, seus administradores ou colaboradores”.
As toupeiras
Para além da SAD do Benfica e de Paulo Gonçalves, foi igualmente acusado José Nogueira Silva. Trata-se de um técnico informático do Instituto de Gestão Financeira da Justiça que se encontra em prisão preventiva e que teria acesso generalizado ao backoffice do sistema informático utilizado pelo Ministério Público e pelos diferentes tribunais de instrução criminal. Para além de acesso ao sistema, José Silva teria ainda acesso às passwords dos magistrados e ainda de outros funcionário judiciais, o que lhe permitia aceder sem deixar rasto a toda a documentação judicial disponibilizada na rede informática do MP e dos tribunais de instrução criminal.
Júlio Manuel Loureiro, funcionário judicial do Tribunal de Guimarães e observador de arbitragem, também terá sido acusado. O nome de Júlio Loureiro apareceu na sequência da divulgação de emails ligados ao clube da luz denunciados pelo diretor de comunicação do FC Porto, Francisco J. Marques. Paulo Gonçalves requisitou para Loureiro junto do departamento comercial do Benfica um total de sete bilhetes à diretora comercial do clube, Ana Zagalo.
Júlio Loureiro, natural de Fafe foi árbitro e observador de árbitros da Primeira Liga até 2015/2016. Ficou conhecido na época 2014/2015 por ter dado a nota baixa da temporada ao árbitro Marco Ferreira (2, muito insatisfatório), num jogo entre o Braga e o Benfica, que viria a ser ganho pelos minhotos por 2-1. O árbitro madeirense Marco Ferreira, viria a descer de divisão fruto da decisão.
A resposta dos encarnados
O clube da luz já reagiu ao comunicado da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa através de uma nota publicada no site oficial do clube, onde considera a acusação “absurda e infundada”. No comuncidado, os encarnados afirmam que irão reagir “com total rigor e firmeza” no sentido de “desmontar as acusações do Ministério Público”.
A nota, assinada pelo Conselho de Administração da Sport Lisboa e Benfica, alega que, a existir uma vítima, “trata-se precisamente do Benfica”. ” Vítima de violação sistemática do segredo de justiça e de arbitrariedade de decisões que merecem da nossa parte o mais forte repúdio e resposta compatível nas instâncias legais”, pode ler-se no comunicado.
As outras acusações que envolvem o clube da luz
Nos últimos anos os processos associados ao clube da luz têm vindo a acumular-se. Tudo parece ter começado com o caso dos vouchers, que foi denunciado em 2015 pelo então presidente do Sporting, Bruno de Carvalho. O caso viria a ser aquivado nas instâncias disciplinares desportivas, incluindo no Tribunal Arbitral do Desporto, que rejeitou o recurso do Sporting em 2017. O caso, denunciado em direto na televisão por Bruno de Carvalho, acusava o Benfica de oferecer “aos quatro árbitros, aos dois delegados e ao observador esta prenda que dá 28 jantares por jogo, jantar esse que pode orçar entre 500 a 600 euros porque pode ser acompanhado desde água até champanhe, e é à la carte”.
Outro processo em que o Benfica se vê envolvido é a Operação Lex. O principal arguido do processo é o juiz desembargador Rui Rangel. No centro da investigação estão quatro crimes de tráfico de influência que são imputados a Rangel, por alegadamente ter prometido vender a sua influência junto de diversos tribunais. Um desses casos tem a ver com Luís Filipe Vieira que alegadamente terá solicitado ao juiz desembargador que tentasse interferir num processo pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em que uma empresa do grupo de Vieira se encontra a contestar o pagamento de 1,6 milhões de euros a que tinha sido obrigada a realizar à Autoridade Tributária.
Rui Rangel terá prometido a Luís Filipe Vieira que iria exercer a sua influência, recebendo com contrapartida a promessa de um cargo na futura Universidade do Benfica que o presidente do Benfica ambiciona construir. Ambos foram constituídos arguidos por tráfico de influência — isto apesar de Rangel alegadamente não ter concretizado a promessa mas, do ponto de vista da lei penal, basta a explicitação de uma promessa e a aceitação de uma contrapartida para que o crime alegadamente se consume.