“(Des)construir algumas ideias sobre alterações climáticas.” É este o objetivo declarado da conferência “Basic Science of Climate Change”, organizada pelo Independent Committee on Geoethics, que acontece entre sexta-feira e sábado, 7 e 8 de setembro, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Ainda assim, ao analisar de forma mais aplicada os oradores que vão marcar presença e os títulos dos variados painéis, parece que os parêntesis são escusados e que a ideia é mesmo desconstruir – e recusar – a ideia de que as alterações climáticas são fruto das ações do ser humano.

Para Maria Assunção Araújo, geógrafa, professora da Universidade do Porto e presidente do comité de organização da conferência, o objetivo do evento é bastante claro: reunir “pessoas cientificamente muito válidas” para debater cientificamente a ideia generalizada e globalmente aceite de que o aquecimento global é provocado pelo Homem, algo que considera “alarmista”. Em declarações ao Diário de Notícias, a geógrafa defendeu que apesar de não negar a existência das alterações climáticas a acumulação de CO2 na atmosfera “não pode” ser o motivo fulcral das alterações climáticas, até porque “é uma pequeníssima parte dos gases na atmosfera e a maior parte nem é produzido pelos humanos”.

Sobre o facto de todos os palestrantes serem negacionistas – ou seja, recusarem a responsabilidade humana nas alterações climáticas -, Maria Assunção Araújo considera que “não interessa ter alguém a dizer que a causa das alterações climáticas é o CO2”, até porque isso seria “política” e não “ciência”. Esta é, aliás, a opinião que interliga os organizadores e palestrantes na conferência. Um deles, o sueco Nils Axel-Morner, tem tido algum destaque devido às declarações negacionistas que tem feito sobre as alterações climáticas, é crítico do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas e coloca ainda em causa a subida dos níveis médios da água dos oceanos. Outro, Piers Corbyn – que é irmão de Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista do Reino Unido -, defende que a intervenção humana no aquecimento global é “mínima” e que o gradual e progressivo aumento da temperatura no planeta Terra deve-se ao aumento da atividade solar.

A Universidade do Porto emitiu entretanto um comunicado onde rejeita que “as posições assumidas pelos oradores e participantes sejam um reflexo da visão da Universidade do Porto sobre o tema em debate”. “O combate às alterações climáticas e a sustentabilidade ambiental são uma prioridade para a Universidade do Porto”, acrescenta a Universidade, ainda que ressalve que “a partilha de diferentes ideias e perspetivas deve ser valorizada” já que “a censura de opiniões não faz, nem deve fazer, parte da natureza das instituições de ensino superior e é nesse contexto que a Universidade do Porto irá acolher a referida conferência”.

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Ao Observador, Raúl Santos da Universidade do Porto reiterou que a instituição “não promove” a conferência, “acolhe”. “Foi uma iniciativa de uma docente que pediu para organizar nas instalações da Universidade e a Universidade acedeu ao pedido, sem julgamento das ideias em debate”, explica, acrescentando que foi tomada uma de duas decisões possíveis: “Havia duas maneiras: ou colidir e não permitir ou deixar as pessoas tomar as suas posições e estar sujeitas ao escrutínio exterior. Achámos que a segunda era a melhor”. Questionado sobre se a Universidade pode sofrer represálias por acolher a conferência, a resposta é simples: “Esperemos que não”.

Já João Lourenço Monteiro, da Comunidade Cética Portuguesa, concorda com a Universidade do Porto quando reconhece que “a academia e as universidades são um espaço de debate e de troca de ideias” mas rejeita que seja esse o caso desta conferência. “É tendenciosa. Está explícito no subtítulo [“How Processes in the Sun, Atmosphere and Ocean Affect Weather and Climate”] e nos títulos dos painéis. Vão debater todos os processos exceto alguns. O público em geral tem de perceber que os consensos científicos não surgem de reuniões com uma data de cientistas sentados a uma mesa de onde sai um consenso – mas sim das publicações científicas. Aqui não há qualquer debate nem qualquer controvérsia”, explica.

João Lourenço Monteiro salienta ainda que a Universidade do Porto “não deve dar voz a todas as ideias principalmente às que não são científicas” e aponta as semelhanças entre este caso e as organizações que tentam fazer apresentações sobre o criacionismo – a crença de que foi Deus a criar o Universo, que Lourenço Monteiro considera um “negacionismo da evolução das espécies” – em universidades.