Terça-feira, ao fim da manhã, decorria a montagem da exposição. Comissária, arquiteta responsável pelo espaço, técnicos de restauro, empregadas da limpeza, todos davam os últimos retoques, fase final de um processo que começou a ser planeado ainda em 2017. O resultado é uma nova exposição de sumptuosos têxteis religiosos, que representa também a inauguração de uma nova sala do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa.

Trata-se de uma sala estreita e comprida, situada na ala norte do primeiro piso: à esquerda de quem entra pela porta principal do edifício. É aqui que o museu propõe exibir todo o acervo têxtil através de uma exposição temática por ano, com duração de apenas nove meses. São espécimes frágeis e não podem estar à luz durante muito tempo, sob pena de se degradarem. O acervo é constituído por 4.600 peças, reunidas ao longo de mais de 180 anos e raramente vistas pelo público. Entra elas contam-se paramentos, colchas, tapeçarias, tapetes e rendas.

Quanto à nova exposição, da responsabilidade da conservadora Ana Kol, oferece um panorama geral sobre a origem e a história dos têxteis católicos existentes no museu, uma história indissociável da extinção das ordens religiosas em Portugal. A inauguração foi esta terça-feira, ao fim da tarde, com a presença da nova ministra da Cultura, Graça Fonseca, e a abertura ao público acontece nesta quarta-feira.

Ao longo dos próximos nove meses, são exibidos apenas exemplares de paramentos, sobretudo dalmáticas (uma espécie de túnica de manga curta usada por diáconos), casulas (usadas por sacerdotes em missas) e pluviais (capas de exterior para procissões). Provinham de oficinas e dificilmente eram assinados por um autor. Podiam demorar seis meses a um ano até serem produzidas. Na mostra, estão organizadas por ordem cronológica – não das peças, mas da incorporação destas no acervo.

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“Por se tratar da primeira apresentação, fez-nos sentido que o critério fosse o da história da própria coleção, para que o público tenha uma primeira abordagem”, explicou Ana Kol, durante uma visita guiada. À entrada, surge uma mitra, adorno de cabeça usado por papas, cardeais e bispos e arcebispos. “Veio de uma ermida já abandonada no final do século XIX”, contextualizou aquela responsável. “É descrita como estando dentro de uma gaveta, abandonada, e foi resgatada por Augusto Luís Simões, um dos responsáveis pela exposição de arte ornamental que foi feita em Lisboa em 1882 [e que impulsionou a criação do que é hoje o MNAA]. Ele andou pelo país a recolher peças e encontrou esta em outubro de 1881.”

Estamos no primeiro núcleo da exposição, intitulado “O início de uma coleção (1834-1911)” e reflexo das peças que chegaram ao MNAA em resultado da extinção das ordens religiosas (1834) e da aplicação da Lei da Separação do Estado das Igrejas (1911). O MNAA era então o Museu Nacional de Belas-Artes e Arqueologia.

O segundo núcleo, “Primeiras compras e estruturação da coleção (1915-1975)”, destaca o trabalho de ampliação da coleção têxtil, feito a partir da década de 1930 pela conservadora Maria José de Mendonça (1905-1984), que chegou a ser diretora do museu. Inclui algumas peças de fins do século XV, em veludo azul, algumas com desgaste, outras em bom estado de conservação. Exemplo destas últimas: um pluvial do século XVI que chegou ao MNAA em 1915, com origem no Mosteiro dos Jerónimos. É um impressionante modelo em veludo encarnado, com relevos, pontuado por bordados dourados, alguns deles de figuras humanas.

“É completamente anómalo que um têxtil destas dimensões chegue em ótimo estado de conservação aos nossos dias”, referiu Ana Kol. “Já foi restaurado e o que temos hoje é uma montagem, mas provavelmente foi pouco usado, até porque os Jerónimos sempre foram dotados de várias peças e de boa qualidade. A parte mais frágil dos têxteis é que são vestidos, usados, e isso provoca desgate. Este seria dos menos usados.”

O terceiro núcleo, “Doações, legados e compras recentes (desde 1980)”, reflete uma conceção atual do têxtil, com espécimes doados à instituição por colecionadores como Francisco Barros e Sá ou o comandante Ernesto Vilhena, considerado o maior colecionador de sempre de têxteis em Portugal.

A nova galeria marca mais uma das fases de progressiva reabertura da ala norte do museu da Rua das Janelas Verdes, encerrada ao público em 2011, quando se iniciaram as obras de recuperação e adaptação da Capela das Albertas (parte integrante do museu e vestígio do convento que ali se situou). A abertura da capela está agendada para dezembro.

Presente durante a visita guiada, o diretor do museu, António Filipe Pimentel, disse ao Observador que tem “grande expectativa” quanto ao trabalho da nova ministra da Cultura, que tomou posse na segunda-feira, sublinhando a “grande consideração” que tem por Graça Fonseca. Disse ser benéfico para a cultura uma tutela dirigida por quem conhece os meandros da modernização administrativa, aludindo ao cargo que Graça Fonseca desempenhava até agora como secretária de Estado da Modernização Administrativa. Sobre Castro Mendes, o ministro substituído, António Filipe Pimentel preferiu não fazer comentários.