Há três anos, em abril de 2015, os cientistas do Observatório de Interferometria Laser de Ondas Gravitacionais dos Estados Unidos (LIGO) anunciaram ter ouvido e gravado o som de dois buracos negros a colidirem a mil milhões de anos-luz de distância, produzindo ondas gravitacionais. Esse fenómeno já tinha sido previsto por Albert Einstein quando postulou a Teoria da Relatividade Geral. Dois anos mais tarde, o Nobel da Física foi entregue à equipa do LIGO que detetou as ondas gravitacionais. Agora, outro grupo de cientistas, baseado no Instituto Niels Bohr (Copenhaga, Dinamarca), coloca dúvidas sobre a descoberta dessas perturbações, noticia a New Scientist.

Oiça: som de buracos negros a colidirem prova Teoria da Relatividade Geral

Segundo Andrew Jackson, porta-voz do grupo do Instituto Niels Bohr, a equipa que detetou as ondas gravitacionais não separou o sinal eventualmente provocado pelas ondas gravitacionais da margem de erro. Esta margem de erro refere-se ao eventual ruído que pode prejudicar a própria veracidade do sinal: “Chegámos a uma conclusão que foi muito perturbadora. Eles não tinham separado o sinal do ruído”, disse Jackson à New Scientist.

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Havia-os sim no relatório que o LIGO publicou em 2015, garantem os dinamarqueses. A New Scientist descobriu que os gráficos publicados nesse documento não eram baseados na análise real dos dados: os gráficos eram “ilustrativos” e “alguns dos resultados apresentados nesse artigo não foram encontrados usando algoritmos de análise, mas foram feitos ‘a olho'”, disse Neil Cornish, especialista em análise de dados da equipa do LIGO, à New Scientist.

Duncan Brown, especialista em ondas gravitacionais que participou na descoberta mas que já saiu do LIGO, confirmou essa informação. Segundo ele, os gráficos foram feitos “com propósitos pedagógicos”. Robert Garisto, o editor que coordenou a publicação do estudo sobra ondas gravitacionais em 2015, não quis comentar o caso.

Os cientistas dinamarqueses enviaram esta informação para o LIGO, mas não receberam resposta. Por isso decidiram escrever um relatório para Journal of Cosmology and Astroparticle Physics, que só publica artigos depois de eles serem revistos por outros cientistas independentes e de renome, embora anónimos. Nenhum deles encontrou falhas nas críticas redigidas pela equipa de Andrew Jackson. “Não havia erros”, disse o dinamarquês.

Porque é que as ondas gravitacionais são importantes?

O universo em que vivemos é composto por quatro dimensões. Três dessas dimensões são espaciais — comprimento, largura e altura — e a quarta dimensão é a linha do tempo. Juntas constituem o tecido espaço-tempo. O que a Teoria da Relatividade Geral de Einstein diz é que quando dois corpos extremamente maciços, como buracos negros, colidem, essa colisão provoca deformações no tecido espaço-tempo e, por consequência, nos campos gravitacionais. Quando essas deformações foram detetadas na Terra, a Teoria da Relatividade Geral tornou-se ainda mais sólida.

Na altura, o relatório da descoberta foi assinado por mil autores e publicado na Physical Review Letters. Mas uma outra equipa de cientistas, especializados em análise de sinais e no estudo de dados relacionados com a radiação cósmica de fundo, diz ter ficado “surpreendida com a linguagem confiante com que a descoberta foi proclamada”, escreve a New Scientist. Por isso é que pediu acesso aos dados do LIGO e decidiu fazer a matemática por ela própria. E descobriram discrepâncias que podem colocar em causa todos os resultados que a equipa que diz ter descoberto as ondas gravitacionais publicou em 2015.

Para entender essas discrepâncias é preciso saber primeiro como funciona o detetor de ondas gravitacionais. O LIGO é formado por dois tubos idênticos (com 4 quilómetros de comprimento) montados em forma de “L”. Os cientistas enviam um laser para dentro dos tubos: quando esse raio chega aos espelhos que cada tubo tem numa das extremidades, ele é enviado para um detetor. O normal é que os lasers de ambos os tubos cheguem ao detetor perfeitamente alinhados, anulando-se um ao outro. Mas quando o LIGO deteta ondas gravitacionais, o comprimento dos tubos altera-se: enquanto um se contrai, o outro expande e isso impede os tais lasers de se alinharem e anularem logo a seguir.

Ondas gravitacionais: o que são e para que servem

Quando chegam à Terra, as ondas gravitacionais já são tão fracas que o comprimento desses tubos só se altera num comprimento equivalente ao diâmetro de um protão. É algo tão minúsculo que nem os sismógrafos conseguem alcançar níveis de precisão tão altos. Mas essa precisão traz um preço: o LIGO é muito sensível, por isso os dados que recebe podem ser perturbados por outras vibrações, causando ruídos nos dados recolhidos por ele. Por isso é que há três detetores espalhados pela Terra: o de Hanford fica no estado norte-americano de Washington, o de Livingston fica no estado do Louisiana e o de Virgo fica perto de Pisa, em Itália. Por isso é que só são levados em conta os sinais que são encontrados pelos três detetores no intervalo de tempo certo.

Foi na precisão dos dados do LIGO que a equipa especialista em análise de dados encontrou problemas no resultado da equipa do LIGO. A descoberta das ondas gravitacionais (ou falta dela) não coloca em causa a solidez da Teoria da Relatividade Geral, mas a equipa dinamarquesa argumenta que o relatório de 2015 falha em termos de precisão científica. A equipa que descobriu as ondas gravitacionais aproximou a subtração do sinal do detetor de Livingston da de Hanford, deixando correlações nos dados. Essas correlações foram as mesmas em que a equipa de dinamarqueses reparou, mas os cientistas da LIGO ignoraram-nas na altura.

Mesmo depois de a publicação das dúvidas dos cientistas do Instituto Niel Bohrs no Journal of Cosmology and Astroparticle Physics, o LIGO nunca comentou os casos. Só quando a New Scientist deu palco a essas questões é que o LIGO anunciou que iria publicar um novo relatório com informações mais específicas sobre como analisa os ruídos dos detetores.