No passado ano letivo, o Governo não transferiu as verbas necessárias para que todas as famílias com filhos a estudar em escolas privadas pudessem receber o apoio financeiro a que têm direito por lei. E, este ano, a situação vai voltar a repetir-se, como a própria DGAE — Direção Geral da Administração Escolar já assumiu junto dos diretores. Em causa estão os colégios com contratos simples e de desenvolvimento, nos quais a mensalidade é paga de acordo com os rendimentos do agregado, sendo o restante suportado pelo Estado.

Contactado pelo Observador, o Ministério da Educação garante que “o Orçamento do Estado para 2019 não regista alterações significativas relativamente aos valores destes contratos”, mas ressalva que os apoios serão transferidos em função da despesa autorizada e assume que há um valor máximo que não será ultrapassado.

Para já, é impossível saber quantas famílias ficaram sem receber o apoio a que têm direito, já que cada colégio tentou resolver a situação à sua maneira. Pelo menos um deles pondera levar o Ministério da Educação a tribunal.

Tivemos de tudo. Houve colégios que disseram aos pais que não receberam o apoio para reclamar junto do governo, houve outros que suportaram o diferencial. A solução dependeu muito da capacidade económica de cada colégio e do valor em falta que não foi transferido pelo Ministério da Educação”, explica ao Observador Rodrigo Queiroz e Melo, diretor da AEEP, a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particulares.

No início do ano, as escolas enviam para a tutela a lista de alunos que têm direito a receber ajuda financeira do Estado para pagar mensalidades, calculada com base nos rendimentos da família. Estes contratos de apoio aos alunos estão previstos na lei e no Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo de nível não superior. O dinheiro chega meses mais tarde, em duas ou três tranches, e as escolas entregam-no às famílias. Outros colégios optam por fazer o desconto imediato aos estudantes e quando o dinheiro chega fica no estabelecimento de ensino.

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As regras estão definidas na lei e não é habitual haver problemas. Até ao ano passado, como o Observador avançou em fevereiro. Pela primeira vez, desde que estes apoios existem, estabelecia-se que o valor máximo da contrapartida financeira a atribuir aos alunos não poderia ultrapassar o valor entregue no ano anterior.

Esta decisão coincidiu com a mudança de quem gere o processo: passou das mãos da DGesTE (Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares) para a DGAE. No entanto, não houve nenhuma alteração legislativa no sentido de estabelecer tetos, como o próprio Ministério da Educação confirmou na altura ao Observador. A verdade é que o dinheiro não chegou e a ameaça da DGAE foi cumprida: nenhum colégio recebeu nem mais um cêntimo do que aquele que tinha recebido no ano anterior, nem para os chamados contratos simples (1.º ciclo e seguintes) nem para os contratos de desenvolvimento (pré-escolar).

Em Braga, no Colégio Dom Diogo de Sousa, vários pais que ficaram sem o apoio estatal foram aconselhados pela escola a reclamar junto da tutela. E o próprio estabelecimento de ensino pondera pôr o ministério de Tiago Brandão Rodrigues em tribunal.

O Estado vai pagar a escola do seu filho? Lei diz que sim, ministério diz que talvez não

“Consideramos que a posição do Ministério da Educação é absolutamente ilegal. Pedimos um parecer jurídico e estamos a estudar a situação para decidir se o colégio vai ou não colocar o ministério em tribunal. Ele não alterou a legislação, não alterou as regras de apoio financeiro às famílias, não alterou nada. Internamente, decidiu que não vai pagar mais do que pagou no ano 2016/2017. O parecer, que é da autoria de José Brandão Proença e de Luís Heleno Terrinha, é arrasador para o Ministério da Educação”, explica António Araújo, administrador do Colégio Dom Diogo de Sousa, em Braga.

Há quase um ano, enviaram também uma queixa ao Provedor da Justiça, mas até à data não obtiveram qualquer resposta.

Na escola bracarense, frequentada por 2024 alunos que se dividem entre o 1.º e o 12.º ano de escolaridade, 32 estudantes ficaram sem apoio. Sem indicações da DGAE sobre como escolher entre quem recebia ou não o apoio, mesmo tendo legalmente direito a ele, o colégio decidiu não pagar aos estudantes que iam abandonar o estabelecimento de ensino.

“Aqui no colégio, no ano letivo 2017/18 eram necessários mais 19.453,34 euros para o contrato simples do que no ano anterior. A DGAE pediu todos os processos para serem analisados, nós enviámos e repetidamente pedimos para que fossem definidos critérios de escolha. Nunca nos disseram nada. E segundo os contratos que assinámos, ficamos obrigados a aceitar todos os alunos que tenham direito a apoio financeiro, mas depois o Estado não cumpriu”, sublinha António Araújo.

No seguimento da decisão do colégio, surgiram as reclamações dos encarregados de educação quando perceberam que não iam receber um apoio a que têm direito por lei. “Nós dissemos aos pais para fazerem o favor de tratar com a DGAE. Eles não gostaram da brincadeira porque receber várias cartas de encarregados de educação causa-lhes trabalho”, sustenta.

Há ainda um senão na história. No ano letivo passado, a comunicação da DGAE chegou às escolas já depois de o ano letivo ter começado e estas foram confrontadas com as alterações inesperadas. Este ano, o caso é ligeiramente diferente, já que havia a expectativa dos diretores de que a DGAE insistisse nas mesmas regras.

O ano passado, as regras mudaram a meio do jogo e este ano está a acontecer a mesma coisa. É que, em bom rigor, ainda não saiu legislação para isto. Só houve uma comunicação interna do ministério a dizer que as regras são as mesmas do ano passado”, explica o administrador do colégio.

Para já, pediram aos pais para entregar os documentos mais cedo do que é habitual e estão a tomar nota de quem entrega depois do prazo. Essas famílias poderão vir a ficar sem o apoio. “Continuaremos a dizer aos pais que devem reclamar junto do Ministério de Educação o pagamento a que têm direito. O Governo tem de assumir esta responsabilidade”, sublinha António Araújo.

Menos 90€ por família podem transformar-se em menos 250€

Em Lisboa, na Escola de Pedro Nunes, a solução adotada por Rodrigo Ribeiro, diretor do colégio, foi diferente. Recusou-se a escolher entre quem recebia ou não os apoios estatais, reuniu-se com todos os encarregados de educação que tinham direito a apoio e foi votada a sua sugestão: quando o dinheiro chegasse seria distribuído por todas as famílias. A boa notícia é que todos recebiam. A má é que o valor seria menor do que o esperado.

No entanto, quando a transferência foi feita os encarregados de educação tiveram de assinar um recibo em como tinham recebido o valor que lhes era devido na totalidade, já que a DGAE não aceitava que o documento fosse passado com o valor parcial, explica Rodrigo Ribeiro.

Este ano, a situação está mais complicada, mas os pais sabem à partida com o que contam. Na primeira reunião que teve com os encarregados de educação, logo no início do ano letivo, o diretor alertou para a situação. Acontece que teve um aumento grande de alunos a pedir apoio.

“O ano passado estávamos a falar de uma diferença de 90 euros para cada pai, este ano, com os valores que já apurei, são 250 euros de diferença. Ou seja, no escalão 4, que recebe o apoio máximo de 500,82 euros, isto representa receber precisamente metade do que era suposto. Vamos voltar a apresentar esta solução aos encarregados de educação, mas é preciso que estejam de acordo. Até porque o ministério obriga a que o recibo seja passado na totalidade do apoio e não da verba que é recebida, o que levanta algumas questões legais”, defende Rodrigo Ribeiro.

Na Escola de Pedro Nunes, este ano 35% dos estudantes estão em agregados familiares com rendimentos que lhes permitem ter apoio do estado. “O ano passado tinha 38 alunos, este ano tenho 50. E este acréscimo de 12 estudantes nem sequer são alunos novos, são famílias que já cá tinham os filhos, mas em que a situação financeira mudou”, explica ao Observador.

Da DGAE continua a ouvir o mesmo: “A resposta é a mesma que já ouvimos várias vezes, não se paga mais do que naquele ano. Escolher um ano específico parece-me muito redutor, podiam ter optado por uma média… Aqui tivemos o azar de calhar ser um ano com muitos menos alunos a pedirem apoio.”

Na Escola de Pedro Nunes, no ano passado, o valor total dos apoios nem sequer ultrapassou o valor de 2016/2017. Nos contratos de desenvolvimento, do pré-escolar, ultrapassaram em 900 euros o teto, enquanto que nos simples desceram 7000 euros. Apesar de haver uma poupança global de quase 6000 euros, os 900 em falta nunca chegaram.

“Eu gostava de saber qual foi a diferença entre o que o Estado transferiu para os colégios em relação ao pagou ano anterior. Gostava de perceber qual foi a diferença e se, de facto, não havia verba para fazer os pagamentos”, critica Rodrigo Ribeiro.

Já Rodrigo Queiroz e Melo, da AEEP, diz que este é um excelente exemplo da situação atual, porque acontece dentro da mesma escola. “A ameaça da DGAE cumpriu-se. Temos situações inaceitáveis, congregações religiosas que têm mais do que um colégio, em que a pessoa jurídica é a mesma, em que a soma do valor para a congregação estava dentro do ano anterior, mas havia variações dentro dos colégios — uns precisavam de mais outros de menos — e ficou a faltar dinheiro. No caso da Escola de Pedro Nunes, o inaceitável acontece dentro das mesmas quatro paredes.”

Acima de tudo, Queiroz e Melo considera que o que está em causa é uma decisão política. “Isto não é uma questão técnica. Isto é filosofia de base: se acabarem os contratos simples não há nenhum problema para este ministério. Politicamente o apoio à família no privado é algo que este Governo detesta. E há um dado que é importante ter: em 2013, o privado representava 19,3% do sistema educativo, em 2016 já estava 20, 4%. É só um ponto de aumento, mas são dois dígitos. O que se está a criar em Portugal não é o fim do particular, é a segregação do sistema de ensino. Há cada vez uma percentagem maior de estudantes nos colégios, mas são os que podem pagar e assim criamos sistemas sociais paralelos.”

O problema, acredita, é ainda maior quando se sai dos centros urbanos. “Este é um Governo que fala tanto em solidariedade, integração e inclusão e está a provocar uma exclusão muito pérfida. Em Lisboa, Porto, Coimbra nota-se menos, mas no mundo rural onde estavam as escolas com os contratos de associação — algumas tinham 1500 alunos, agora têm 400 — o que se vê é que os alunos vêm das pequenas cidades à volta, em vez de serem os da zona geográfica, porque o colégio é muito bom. Os donos das pequenas empresas estão no colégio, e os outros, os do campo, estão a ir para o agrupamento. E isto tem um impacto local social brutal que é inadmissível. É a segregação do ensino”, conclui Rodrigo Queiroz e Melo.

Contactado pelo Observador, o Ministério da Educação respondeu que “o Orçamento do Estado para 2019 não regista alterações significativas relativamente aos valores destes contratos”, mas ressalva que os apoios serão transferidos em função da despesa autorizada. E rejeita a ideia de haver novos tetos para estes contratos. No entanto, assume que há um valor máximo que não será ultrapassado.

“Não se registou qualquer alteração legislativa, nem nas capitações. Como nos anos anteriores, serão consideradas as famílias que cumpram os requisitos legais, dentro dos limites máximos da despesa autorizada, como resulta da legislação aplicável. Não há ‘novos tetos impostos pela DGAE’, o valor dos contratos é um valor máximo, como é do prévio conhecimento das partes, pelo que sendo ‘máximo’ não pode ser excedido, sob pena de não ter suporte no orçamento disponível”, lê-se na resposta enviada ao Observador.

E conclui: “Estes apoios são atribuídos em função dos rendimentos declarados pelas famílias. Os estabelecimentos de ensino privado têm de apresentar documentação quanto à efetiva inscrição dos seus alunos, uma prática desejável de fiscalização e transparência. Aliás, o reforço das práticas de fiscalização e verificação dos apoios prestados ao abrigo deste tipo de contratos já foi alvo de recomendações por parte da Inspeção-Geral de Finanças.”

[notícia atualizada a 1 de fevereiro, às 11:06, com a resposta do Ministério da Educação]