É difícil enquadrar o Dá Licença numa única fotografia. A cada ângulo, a guesthouse ganha uma vida diferente, alarga-se sobre a lente e mergulha na luz de um Alentejo que, nos dias bons, é soalheiro. O projeto que Vítor Borges e Frank Laigneau desenharam em conjunto é um mundo à parte e fica longe dos clichés da hotelaria. A propriedade de 120 hectares, em Estremoz, foi descoberta quando ambos procuravam uma casa de férias no coração da região. O achado foi maior e melhor do que o esperado e, perante a dimensão do terreno, caiu por terra o desejo inicial e o Dá Licença começou a ganhar contornos reais.

O Dá Licença combina tradição, arquitetura e design. Está plantado no alto de um monte, virado para a floresta da Serra d’Ossa, Evoramonte e  Estremoz, e inserido numa reserva ecológica nacional. Mais do que um espaço, é o reflexo da história de dois percursos incomuns, o de Vítor e o de Frank. O à-vontade com que nos dão as boas-vindas num sábado à tarde, carregado de sol, deixa-nos longe de adivinhar a vida profissional de outros tempos, em Paris. Frank esteve à frente de uma galeria durante mais de 20 anos, tempo suficiente para se dedicar a dois nichos artísticos — “Jugendstil”, variante nórdica da Arte Nova francesa (Frank especializou-se em dois países, Noruega e Finlândia), e design Antroposófico, do austríaco Rudolf Steiner. Os estilos trazem-nos formas orgânicas, cubistas e cristalinas, que se refletem em diferentes móveis espalhados pelo Dá Licença. Vítor, por seu turno, começou a trabalhar em psiquiatria e estudou Belas Artes em Lisboa. A criatividade levou-o ao universo da moda e a marcas como Louis Vuitton, Chanel, Armani, Prada e Hérmes (desse trilho ficaram-lhe histórias como o nascimento da mítica mala Birkin, que nos é contado à hora de jantar).

Frank sempre viveu em Paris. Vítor dividiu-se por grandes cidades: Barcelona, Atenas, Milão e, claro, a capital francesa. Deixar a azáfama e o lufa-lufa de meios urbanos pelo campo alentejano não se adivinhou tarefa fácil, mas os dois encontraram consolo na agitação moderada da cidade de Estremoz, cujo casario se alcança a olho nu no topo do monte alentejano que agora lhes pertence.

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Recuemos a 2012, quando a dupla conhece pela primeira vez o espaço: bastou-lhes apenas 30 minutos para se decidirem a comprá-lo. Mais tempo levaram a abandonar a cidade da luz de modo a acompanharem o projeto que passou três anos em obras. “Pensámos que conseguíamos acompanhar a obra estando em Paris. Entretanto, a nossa presença tornou-se muito importante. Deixei o meu emprego e o Frank fechou a galeria. Viemos para cá e acho que foi a decisão mais sensata, nada melhor do que estar aqui”, relembra Vítor ao Observador.

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Vítor e Frank. © Isadora Faustino

Frank e Vítor vivem desde 2016 no Dá Licença, que abriu no ano passado por altura da primavera — mas só em junho alcançou as condições consideradas ideais pelos seus proprietários. De lá para cá, o duo já conseguiu fidelizar hóspedes. Mais incomum, considerando o curto espaço de tempo, é o facto de receberem uma grande percentagem de portugueses — as dormidas custam a partir de 300 euros a noite. Ao todo, há cinco suites e três quartos, todos diferentes entre eles, embora com uma linha identitária que serve de fio condutor. As casas de banho ganham especial destaque, seja pela sua magnitude, seja pelos pormenores que albergam, incluindo os lavatórios esculpidos à mão e as banheiras cravadas no mármore. Pátios e jardins privados, terraços e piscinas… todos os quartos têm valências diferentes.

Tanto as áreas para descansar como aquelas destinadas a serem partilhadas estão decoradas com peças que vieram da galeria de Frank e da sua coleção privada. São peças pensadas por artistas e trabalhadas por artesãos, mas que estão longe de dar um ambiente museológico à guesthouse. “Costumo dizer que isto é como o ser humano, não há dois iguais. O nosso objetivo era fugir um pouco do lado mais standard do desenvolvimento da sociedade, em que as coisas parecem todas iguais”, diz Vítor. A ideia era escapar aos ambientes repetidos, mastigados até, e entregar ao hóspede uma atmosfera própria, com cadeiras, mesas, armários e estatuetas com histórias por contar.

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No Dá Licença, a decoração está pensada de forma a que seja possível fazer uma viagem por vários países sem sair das fronteiras do Alentejo, região essa representada no branco das paredes, no pé direito alto e nas ligeiras curvas arquitetónicas inspiradas nas colinas que envolvem a propriedade num abraço de 360 graus. “A herdade tem estas colinas, muito poéticas, muito sensuais. Utilizámos esses elementos na arquitetura”, acrescenta Vítor, que assegura que manteve, tanto quanto possível, a estrutura original das casas onde em tempos viveram as freiras do Convento das Maltesas (mais tarde, a propriedade pertenceu a uma cooperativa que explorou o olival).

Do todo para a parte: o mármore pontua os diferentes espaços, seja ele de Estremoz (rosa velho ou branco) ou de Vila Viçosa (com veias mais escurecidas). Está presente em bancadas, lavatórios, banheiras, puxadores de portas e até em mesas de apoio. Frank e Vítor levaram o seu tempo a concluir o projeto, demoraram-se de propósito porque queriam escolher todos os objetos em função da experiência a proporcionar. O cuidado também chegou ao exterior, em particular à piscina circular recortada na pedra e inserida num jardim de inspiração japonesa e ambiente lunar — é feito de pedrinhas brancas de mármore, limoeiros e laranjeiras. Existem outros espelhos de água na propriedade, da “infinity pool”, de um verde esmeralda a fazer lembrar o fundo de uma pedreira, ao tanque de outro século rodeado por um alpendre.

O restaurante, num edifício mais abaixo, permanece por abrir. O antigo lagar de azeite foi reabilitado, já está equipado e decorado, e espera agora por cozinheiros à medida que sejam o rosto e as mãos do projeto gastronómico. Frank e Vítor continuam à procura. Acima de tudo, continuam otimistas. Enquanto o restaurante não abre as portas, o trapézio de Frank, suspenso no teto e sobre um colchão, vai ocupando espaço por ali — entre outras práticas desportivas, Frank é trapezista.

O que interessa saber

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Nome: Dá Licença
Abriu em: Primavera de 2018
Onde fica: Outeiro das Freiras, Santo Estevão, 7100-580, Estremoz
O que é: Um hotel cheio de arte inserido numa propriedade com 120 hectares, sobranceira a Estremoz
Quem manda: Victor Borges e Frank Laigneau
Quanto custa uma noite: A partir de 300 euros
Qual é a vista: Olival
Contacto: +351 962 950 540
Reservas: reservations@dalicenca.pt
Links importantes: Site, Facebook, Instagram
Curiosidades: alguns dos quartos não têm televisões, mas sim projetores; os quartos têm entre 50 e 180 metros quadrados

 

Pode ainda não haver chef na cozinha digna de receber a alta gastronomia, mas existem almoços e jantares no Dá Licença desde que sejam reservados com cerca de 48 horas de antecedência. Quem cozinha (e quem cozinhou no dia em que ali jantámos) é Vítor. Os menus variam consoante a vontade do cozinheiro improvisado (e aprovado) e a disponibilidade dos produtos sazonais e sustentáveis — em breve vão ter uma horta própria. Na noite de sábado, à mesa chegou farinheira com castanha de Marvão, azeitonas galegas, pão alentejano e azeite local, como couvert, creme de couve flor, rabanete, pinhão tostado e peixe de coentros, como entrada, peru e abóbora em massa brick com grelos (Vítor chama-lhe o seu “pastel de Tentúgal”) e batatas fritas cortadas em cubos, como prato principal, e tarte merengada de limão servida em pratos de mármore feitos por um artista local. A acompanhar a refeição: Dona Maria tinto 2015.

O pequeno-almoço é outro momento a reter. Pode ser servido no exterior ou no conforto da biblioteca ladeada por janelas rasgadas, que vão do chão ao teto. Produtos locais, vindos do famoso Mercado de Estremoz, que ocupa ruas da cidade aos sábados, fazem parte do recheio da mesa: pão alentejano, bolo caseiro, granola, iogurtes e as charcutarias da D. Octávia. Ovos, a pedido.

Fazer azeite próprio é uma ideia que estará para breve, dado o manto de olival (são 13 mil oliveiras) que rodeia a propriedade, também ela rasgada pelo mármore que chega a brotar do chão. O Dá Licença é um misto de coincidências, achados e bom gosto.

O Observador esteve alojado a convite do Dá Licença