No agrupamento de escolas de Benavente, os alunos deixaram de poder sair da escola para ter aulas de educação física no pavilhão municipal. A decisão do diretor surge no seguimento de uma circular da DGEstE (Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares) enviada a todas as escolas do país e a que o Observador teve acesso.
“Considerando a necessidade, em alguns AE/ENA [agrupamentos de escolas/escolas não agrupadas], de os alunos se deslocarem para outros locais fora das instalações da escola onde decorrem algumas atividades letivas, designadamente, aulas de educação física, devem os senhores diretores obter a autorização dos respetivos encarregados de educação para o efeito, e garantir que os alunos são sempre acompanhados por, pelo menos, um trabalhador do AE/ENA durante todo o percurso das deslocações”, lê-se no documento.
Mário Santos, que dirige o agrupamento de Benavente, no distrito de Santarém, explica a sua decisão. “Neste momento, os alunos não saem das escolas básicas para ter aulas de educação física porque não temos recursos humanos suficientes para acompanhar todos os estudantes como pretende a DGEstE. A solução que encontrámos foi pô-los a ter a disciplina dentro de uma sala de aulas normal, a mesma onde costumam ter português ou matemática.”
Contactados pelo Observador, os serviços do Ministério da Educação afirmam ter havido necessidade de clarificar regras que já existiam, depois de terem tido conhecimento de mais do que um caso em que a segurança dos alunos foi posta em causa. No entanto, sublinham, a circular serviu apenas para relembrar as escolas da responsabilidade que têm, e sempre tiveram, relativamente a todos os seus alunos durante o período letivo, não se tratando de uma nova norma. A referência à educação física “é apenas um exemplo”, e que foi escolhido uma vez que os casos chegados à DGEstE estavam relacionados com aquela disciplina.
Em Benavente, a consequência imediata da circular, diz o diretor, é que as aulas perderam qualidade. “Os balneários são pequenos, o campo de jogos é em alcatrão. Não faz sentido esta decisão numa altura em que a média de Educação Física voltou a contar, e bem, para a média do secundário”, defende Mário Ramos. No caso concreto do seu agrupamento, afirma estarem em causa distâncias curtas.
O pavilhão municipal fica a 400 metros, a piscina está a 70 metros. Desde que começamos a fazer esta aposta em aulas de natação, o número de afogamentos na região caiu a pique. Mas agora, não podem sair da escola porque não temos meios”, lamenta o diretor.
Como a circular da DGEste fala apenas em aulas de educação física, há situações caricatas. Em Benavente, os alunos da escola secundária almoçam no refeitório da Escola EB 2,3 Duarte Lopes, que ficam separadas por menos de um quilómetro.
“Os alunos podem percorrer essa distância para almoçar, mas não podem percorrer outra quase igual para ter aulas de educação física”, sublinha o diretor do agrupamento. Para já, a decisão é manter suspensas as aulas fora da escola, mas Mário Santos assume que a decisão possa vir a mudar. O diretor diz ter conhecimento de outras escolas que tomaram decisões idênticas, mas o Observador não conseguiu confirmar essa informação. A Confederação Nacional das Associações de Professores e Profissionais de Educação Física está a tentar fazer esse levantamento.
No Agrupamento de Escolas da Azambuja, a subdiretora, Fernanda Silva, disse ao Observador que, por enquanto, ainda não tomaram a decisão de suspender as aulas que acontecem fora do espaço escolar, no pavilhão municipal que fica a cerca de 5 metros de distância. No entanto, não descarta que a decisão possa vir a ser tomada. Ali, os alunos do 1.º ciclo sempre foram acompanhados nas saídas por um funcionário da escola, mas a falta de recursos humanos não permite acompanhar a totalidade dos estudantes do 2.º e do 3.º ciclo.
E se os pais não autorizarem a saída?
A circular da DGEstE não faz qualquer sentido, defende Avelino Azevedo, presidente da Confederação Nacional das Associações de Professores e Profissionais de Educação Física (CNAPEF), e diz que, por vezes, os serviços centrais se esquecem como funcionam as escolas das pequenas localidades do país.
“Temos de ver que fora dos centros urbanos, as coisas funcionam de outra maneira. O que é habitual, para rentabilizar, e bem, os espaços, é haver várias escolas a usar os pavilhões municipais das vilas para ter educação física. Normalmente, o que acontece é que os alunos deslocam-se por meios próprios ou quando as distâncias são maiores em autocarro escolar”, explica ao Observador.
É com incredibilidade que Avelino Azevedo olha para a circular e para o facto de só fazer referência às aulas de educação física. “Não faz referência a atividades letivas. Por exemplo, os estudantes de ensino articulado de música podem sair da escola, mas os que vão fazer educação física não podem?” O professor levanta uma outra questão: o que farão os diretores se um encarregado de educação não autorizar a saída do aluno da escola?
“A educação física faz parte do currículo, não é necessária a autorização do encarregado de educação. Isso até levanta outro problema: se o pai ou a mãe recusarem que o filho assista às aulas, a obrigação do diretor seria fazer uma participação à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), já que o aluno está a ser impedido de participar em aulas que são obrigatórias”, defende o presidente da CNAPEF.
Filinto Lima, presidente da ANDAEP, associação que representa os diretores de escolas públicas e agrupamentos, concorda com esta leitura. “Se um pai me disser que não, devo denunciá-lo à CPCJ? Isto para os diretores vai ser um problema se vir a acontecer.” Para as visitas de estudo, lembra, os pais têm de dar o seu parecer, mas são situações diferentes já que não são, como a educação física, uma disciplina obrigatória.
“E nas escolas em que há natação? Podem recusar a ida à piscina? Não sabemos. Mas sabemos que o aluno não pode ser prejudicado. Se o encarregado de educação não autorizar a saída, esse aluno não vai estar a ser avaliado, não vai estar a cumprir o currículo. E o que é que a escola vai fazer com ele enquanto a turma está fora? Sabemos que há falta de assistentes operacionais por todo o lado… A DGEstE tem de clarificar estes pontos todos.”
Diretores estão obrigados a respeitar a circular da DGEstE
Avelino Azevedo, que ainda não tem um levantamento das escolas que estão a suspender as atividades fora das escolas, lembra que os diretores estão obrigados a respeitar a circular. “Se acontecer algum problema, e o diretor não tiver as autorizações dos pais, incorre em processo disciplinar. A circular tem peso de ordem da tutela.”
“Os diretores estão obrigados a cumprir com a lei e querem fazê-lo”, acrescenta Filinto Lima. O problema é que a circular é demasiado vaga e o que ali está escrito é válido para um aluno de 6 anos do 1.º ano ou de 17 anos no secundário. Por outro lado, também não faz qualquer referência a distâncias e muitas vezes, lembram Avelino Azevedo e Filinto Lima, para chegar ao pavilhão basta atravessar uma passadeira. Questões com o seguro escolar não se colocam, já que estas saídas estão cobertas por ele.
“Nós somos pela segurança dos alunos”, acrescenta Avelino Azevedo que recorda que a circular surgiu para responder a uma situação muito concreta. Numa escola do Norte do país, em Fiães, os alunos do básico estavam a percorrer sozinhos um quilómetro à beira da estrada porque a escola tinha entrado em obras. Os pais denunciaram a situação e surgiu a circular.
“Tentou-se, e muito bem, resolver aquela situação concreta, mas criou-se um problema para o resto do país. Ainda não tivemos respostas da DGEstE, e era importante que clarificasse esta circular e o seu alcance”, concluiu Avelino Azevedo.