Tudo começou em outubro de 2018, no Cortejo da Festa das Latas, quando alunos mais velhos — os chamados “doutores” — do curso de História da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC) desafiaram caloiros a vestirem-se de judeus e nazis. Segundo a notícia do Diário das Beiras, os mesmos alunos queriam repetir a iniciativa já no próximo domingo, no cortejo da Queima das Fitas, desfilando com um carro a que chamaram “Alcoholocausto”.

O mesmo jornal regional explica que depois de ter sido tornada pública esta intenção, a direção da FLUC interveio e fez com que os estudantes — que publicamente apresentam-se apenas como “Novos Fitados de História 2018/2019“, nunca revelando nomes dos participantes — garantissem que o carro que desfilará no domingo não terá esse nome.

José Pedro Paiva, um dos responsáveis pela área de História da FLUC, explicou ao Diário das Beiras, que após “várias” reuniões com os alunos estes concordaram  “que o carro integrará o cortejo, mas sem nome” inicialmente previsto. O mesmo fez questão de retirar peso à situação afirmando que não passa “de uma celeuma criada nas redes socias”.

Já a Comissária da Tradição, Bárbara Pereira, disse ao Observador que a Comissão Central da Queima das Fitas “não tomou qualquer posição” em relação ao assunto porque “não pode escolher” ou “recusar nomes” de carros alegóricos, a menos que haja uma decisão superior. Revelou ainda que na última quinta-feira “houve uma reunião-geral para discutir o tema”, mas dela ainda não saiu qualquer parecer oficial. Ou seja, não cabe a esta comissão recusar nomes, mandando-os retirar em casos extraordinários — isso será algo que só os responsáveis pelos carros poderão fazer.

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Catarina Martins, uma professora da FLUC também consultada pelo jornal regional, que faz parte as muitas pessoas que se insurgiu, na internet, contra este caso, acredita que a postura da direção ao desvalorizar o caso pretende garantir que “não fique com a imagem institucional beliscada”. “A direção fez o que devia fazer, mas os professores estavam já organizados para sair com um abaixo-assinado, caso a teimosia prevalecesse”, afirmou a professora, que garantiu que a comunidade académica prestará especial atenção ao que pode vir a acontecer no próximo domingo.

Entre os alunos surgem também vozes a protestar, como a de Miguel Monteiro, um estudante de doutoramento na FLUC que decidiu criar, juntamente com outros colegas, uma petição pública que exige a alteração do nome do carro ou o impedimento da participação no cortejo. Até à manhã desta sexta-feira tinham assinado quase 600 pessoas. Este mesmo aluno também faz parte da organização de uma ação, que está prevista para o domingo do cortejo, que visa “bloquear o carro” polémico. Apesar do meio-termo alcançado entre os responsáveis pelo carro alegórico, o desfile continua agendado porque, afirma o mesmo aluno ao Diário das Beiras, “temos a informação que os estudantes pretendem dar o dito por não dito e manter o nome do carro. Enquanto não tivermos uma certeza, permanecemos atentos. E estaremos lá.”

Acusações de antissemitismo

Até ao momento, a identidade dos responsáveis pelo carro do curso de História continua por revelar. Mas Adriana Bebiano, professora da FLUC, conseguiu falar diretamente com alguns dos estudantes envolvidos. “Não podemos identificar todos, mas alguns são e reproduzem um discurso antissemita”. Na sua opinião, tudo isto é “uma brincadeira de mau gosto e de falta de respeito pelo Holocausto, pela memória do maior genocídio da história ocidental moderna e uma falta de noção do que é a responsabilidade implicada no conceito de liberdade de expressão”. Acrescentou ainda que “o respeito pela memória mais trágica da história europeia, devia fazer parte da ética e, já agora, constituir o cerne da formação em História”.

Catarina Martins aproveitou ainda para referir que o argumento da “liberdade de expressão” deixa de ser válido quando se trata de um genocídio: “A herança de 25 de Abril é da defesa da liberdade com garantia de direitos e respeito pelas diferenças, o que implica o combate de tudo que possa conduzir à repetição de fascismos. Banalizar a história dos fascismos é uma estratégia que serve para fomentá-los”, adverte.

O Observador tentou contactar algum responsável do polémico carro alegórico mas não obteve nenhuma resposta. Ao Diário das Beiras, falando através da conta de Facebook “Novos Fitados de História 2018/2019”, os alunos que criaram este “Alcoholocausto” dizem só falar após dia 5 de maio, data do cortejo, recusando qualquer tipo de contacto antes dessa data. “Vamos repetir: se quiserem falar, falamos sem qualquer problema após dia 5 de maio. Antes não falamos com ninguém. Resto de bom dia.”