E, de repente, Viana do Castelo passou a ser notícia em todos os órgãos de comunicação social — e não foi pelas Festas da Nossa Senhora da Agonia. Não estamos em Agosto, quando aquela romaria (uma das mais populares do norte do país) pára literalmente a cidade. Estamos no final de junho e o prédio Coutinho está no centro da agenda noticiosa. Mas, afinal, quem são os últimos moradores?

São nove, com um ponto central em comum e uma só palavra de ordem: resistir — até ao fim. Entre os moradores está inclusive um ex-militar de Abril, que também foi comandante da PSP de Viana do Castelo. Oliveira Santos está a resguardar-se e não comunica com os jornalistas mas outros moradores falaram com o Observador.

O prédio Coutinho é composto por dois blocos, sem comunicação interior entre si. Do lado nascente, apenas permanecem três dos nove moradores que resistem a sair e a entregar as chaves das casas à sociedade VianaPolis. No lado poente, dentro, estão seis. Passam com frequência na casa uns dos outros. Quando vêm à janela, nem sempre é das janelas das próprias casas.

Vamos conhecê-los.

2.º andar, bloco poente. De Versailles para o prédio Coutinho

Quando Fernanda Rocha e Armando Cunha escolheram o apartamento no 2.º andar do prédio Coutinho, não se interessaram pela vista deslumbrante sobre o rio Lima. A preocupação era outra: uma andar não muito elevado. “Farta de subir escadas estava eu em França”, disse Fernanda ao Observador.

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Viveu 33 anos em França onde se perdeu pela paisagem de Versailles — cidade dos subúrbios de Paris conhecida pelo famoso palácio construído pelo rei Luís XIV. Típica mulher emigrante, trabalhou nas limpezas, enquanto que o marido tinha ocupação na construção civil. Os dois nasceram no distrito de Viana do Castelo, mais concretamente a 12 quilómetros capital de distrito. Ela de Vila de Punhe e ele de Mujães, cruzaram-se nos tempos de escola, gostaram um do outro “logo dali a pouco tempo” e estão casados há 58 anos.

Quando ainda estava em França, houve um ano em que vieram de férias a Viana do Castelo, visitaram o prédio Coutinho e, apaixonados, decidiram que passariam ali a reforma.

“Era um prédio bonito, gostámos e comprámos”, sintetiza.

No próximo dia 1 de agosto, fará 20 anos que regressaram definitivamente para Portugal. Retidos no apartamento, insistem que dali não saem. Da cidade de Viana, “já gostaram mais do que agora”.

5.º andar, bloco poente. A bandeira da Colômbia e o militar de Abril

Com a bandeira da Colômbia hasteada na varanda, estão os Agostinhos Correia. Não é claro por que razão têm uma bandeira daquele país da América do Sul. O patriarca da família, com 89 anos, é o dono da casa e escolhe não a largar mesmo com a mulher, de 87 anos, internada há alguns dias no hospital. Tem estado acompanhado do filho de 50 anos — que herdou o nome do pai.

Os Agostinho Correia hastearam a bandeira da Colômbia

O segundo filho, treze anos mais velho do que o seu irmão Agostinho, tem estado do lado de fora. Chama-se Joaquim, não tira os olhos do prédio e mantém o contacto telefónico com a empregada da família “para saber como está a mãe” e para lhe dizer que não a consegue ir ver “porque está a defender a casa.”

Por ser ao lado da loja de têxteis que a família detém e, mais recentemente, pelo facto dos filhos terem comprado apartamentos no prédio ao lado o patriarca da família não tem dúvidas de que é aqui que quer viver. O filho Agostinho remata:

“O meu pai, com esta idade, já podia escolher se queria morar numa casa na praia, numa fazenda… e o meu pai escolheu morar aqui.”

No quinto andar mora também, com a mulher, o coronel Oliveira Santos, um ex-combatente do 25 de abril de 1974 e também ex-comandante da PSP de Viana do Castelo. Terá já “seguramente mais de 80 anos”, conta Alcino Pinto, ex -responsável pelas garagens e pelas bombas de dreno da água do prédio.

Quando aparece à janela, a saltar de apartamento em apartamento, Oliveira Santos acena aos que o olham de baixo. “É um homem que merece respeito e uma certa consideração e não deviam tratá-lo como estão a tratar”, opina Alcino. O coronel nunca falou aos jornalistas. Alcino, que trabalhou 14 anos e três meses para o engenheiro Coutinho, o responsável pela construção do prédio que herdou o nome do construtor, acredita que estará a resguardar-se.

3.º andar, bloco poente. A dona da farmácia

Tratam-na por “doutora” porque foi farmacêutica e dona, antes de se reformar, da farmácia Branco, em Viana do Castelo. Teve como marido um engenheiro da EDP. Sem filhos, só uma sobrinha a tem apoiado do lado de fora do prédio Coutinho.

Poucas vezes vai à janela e nunca quis falar publicamente desde que está retida na própria casa.

8º andar, bloco nascente. O casal de emigrantes e a cadela Luna

Do lado direito, quando olhamos de frente para o prédio mais polémico do país, há dois apartamentos habitados no 8.º andar. Mais à esquerda, vive o casal Rocha. São emigrantes e chegaram no dia 19, depois de a mulher sido operada no contexto de um tratamento oncológico.

Do lado direito vivem a economista espanhola Maria José Ponte e a cadela Luna. Numa cidade que tem uma comunicação constante com a vizinha Galiza, nomeadamente com a zona de Vigo, é comum encontrar espanhóis, como Maria José, entre os seus residentes.

Maria José não tem estado sempre em Portugal. Mas quando vem, traz a companhia canina. A economista, contudo, não quis perder os últimos desenvolvimentos no seu andar do prédio Coutinho.

Esta quinta-feira, dia 27, a economista teve de ser socorrida pelo INEM. Doente crónica com asma, sentiu-se mal e teve de chamar os serviços de emergência médica.

A sua cadela Luna é a única habitante do prédio Coutinho a conseguir sair e a voltar a entrar. Pela mão de Alcino Pinto, que tem “dó do animal”, consegue alargar o passo para lá das quatro paredes do apartamento e ver, mais ao longe, a resistência dos outros últimos moradores. Até quando? É a pergunta que todos fazem.