Quanto tempo tem o tempo? Para um treinador há alguns anos no clube e com uma situação estável, um dia é uma hora – porque no futebol essa coisa do tempo será sempre muito relativa, até para quem tem a sua condição mais segura. Para um treinador que acabou de ser promovido dos Sub-23 e com um contexto indefinido, um dia não chega a ser um minuto. E ainda menos é tendo em conta que, por causa das seleções e dos respetivos compromissos, muitas das unidades de treino não contaram com muitos dos jogadores do plantel. Foi por isso que, no final do empate frente ao Boavista, Leonel Pontes chegou a falar num “resultado bom tendo em conta as circunstâncias”. Mesmo sabendo que, estando no Sporting, não é propriamente assim.

https://observador.pt/2019/09/19/psv-sporting-leoes-comecam-liga-europa-no-pais-onde-tiveram-a-primeira-vitoria-europeia/

Na antecâmara da estreia na Liga Europa, frente ao PSV e num país que diz muito ao conjunto verde e branco nas competições internacionais (foi na Holanda que o clube ganhou o primeiro jogo europeu, naquela que foi também a primeira vitória de uma equipa portuguesa na Taça dos Clubes Campeões Europeus frente ao DOS Utrecht por 4-3), o treinador interino que substituiu Marcel Keizer apresentou um discurso de confiança, argumentando que “os orçamentos e o passado não jogam” e que a equipa tinha de “assumir o papel de candidato” à vitória – e à passagem à próxima fase da prova. No entanto, admitiu que lhe falta mais tempo de trabalho com o plantel. “É preciso criar dinâmicas importantes na equipa e, como não temos vindo a treinar, o jogo serve para melhorar alguns aspetos de dinâmicas coletivas”, explicou o madeirense.

Leonel Pontes não tem um plantel; herdou um plantel. Um plantel que fechou o mercado a deixar os responsáveis satisfeitos mas que continua com evidentes lacunas, um plantel com elementos ainda em período de adaptação a uma nova realidade, um plantel onde a principal referência ofensiva da formação Sub-23 (Pedro Mendes) está disponível para a Liga Europa mas não para a Primeira Liga porque o prazo de inscrição na prova nacional já tinha expirado. A isso juntou-se ainda o azar das lesões, com o único jogador na prática insubstituível pelas suas características (Luiz Phellype) a ficar mais uma vez de fora por problemas de ordem física. Perante este cenário, o técnico olhou para a floresta e deixou de se fixar apenas na árvore seguinte.

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Um dia, numa das raras entrevistas que ia dando ao longo de mais de quatro anos no comando do Sporting, Paulo Bento explicou de forma linear o porquê de não utilizar extremos como era habitual na equipa verde e branca – numa equipa com 11, ou dez jogadores de campo, “gastar” duas vagas para preencher todo o campo em alas teria de ser com a condição de fazerem de facto a diferença, algo que naquela altura não havia como antigamente com Quaresma e Cristiano Ronaldo. Neste caso, e após a saída de Raphinha, sobram jogadores como Gonzalo Plata, Jovane Cabral e Rafael Camacho, que precisam de tempo que Leonel Pontes não tem. Por isso, também o técnico arriscou esse losango, que teve aspetos positivos (a liberdade ofensiva que Bruno Fernandes ganha) e pontos negativos (as dificuldades de Doumbia e a exposição dos centrais). A derrota com o PSV por 3-2 não se explica pela tática mas tem muito mais que se lhe diga do que os números mostram. Sobretudo porque existe outra derrota: não ter Pedro Mendes inscrito para o Campeonato, o que poderia travar o carrossel de dúvidas sobre ter ou não ter avançados…

Ficha de jogo

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PSV-Sporting, 3-2

1.ª jornada do grupo D da Liga Europa

Philips Stadion, em Eindhoven (Holanda)

Árbitro: Ivan Kruzliak (Eslováquia)

PSV: Zoet; Dumfries, Baumgartl, Viergever, Boscagli; Rosario, Hendrix; Ihattaren (Gakpo, 64′), Bergwijn, Bruma (Ritsu Doan, 78′) e Malen (Sadílek, 84′)

Suplentes não utilizados: Ruiter, Schwaab, Teze e Mitroglou

Treinador: Mark Van Bommel

Sporting: Renan Ribeiro; Rosier, Coates, Neto, Acunã; Doumbia, Wendel (Rafael Camacho, 90+1′), Miguel Luís (Pedro Mendes, 80′) Bruno Fernandes; Bolasie e Vietto (Jovane Cabral, 64′)

Suplentes não utilizados: Luís Maximiano, Tiago Ilori, Borja e Eduardo

Treinador: Leonel Pontes

Golos: Malen (20′), Coates (25′, p.b.), Bruno Fernandes (38′, g.p.), Baumgartl (48′) e Pedro Mendes (82′)

Ação disciplinar: amarelo a Rosario (12′), Doumbia (3o’), Acuña (44′), Bruno Fernandes (53′), Neto (85′) e Jovane Cabral (90+4′)

Os primeiros minutos ainda deixaram uma imagem algo enganadora em relação ao que se passaria no resto do jogo, com os leões a falharem na entrada no último terço mas a conseguirem bloquear da melhor forma as transições ofensivas dos holandeses, a sua principal arma para chegar a zonas de concretização. Era um jogo sem balizas, onde o Sporting quase parecia não se importar com a forma como se anulava pela falta de unidades na frente mas para anular o ponto forte do adversário. E até foi Bruno Fernandes, numa situação em que ganhou espaço à entrada da área, a rematar para defesa segura de Zoet (12′). No entanto, e num filme já antes visto esta temporada, a mínima distração em termos defensivos tem consequências máximas para a equipa verde e branca – e Malen, o mais recente wonder kid da Holanda, fez o décimo golo da temporada (em setembro…).

Num lance que começou num corte da defesa do PSV na sua área, os holandeses precisaram apenas de três toques para fazerem a exploração da profundidade nas costas da última linha verde e branca. E o lance nem parecia trazer perigo imediato, tanto que Coates até evitou tocar em Malen quando fez o cruzamento com o companheiro de eixo recuado Neto. Mas aquele movimento era mesmo tudo menos fogo de vista, com o avançado holandês a partir para o 1×1 ainda fora da área, a fletir para dentro, a rematar forte com a bola a sofrer ainda um ligeiro desvio no central ex-Zenit e a entrar pela primeira vez na baliza de Renan (20′).

O carrossel ofensivo do PSV ainda não tinha aparecido de forma muito visível mas a eficácia na primeira transição ofensiva que chegou às costas da defesa do Sporting acabou por dar outro ânimo à equipa e foi mais uma moedinha, mais uma voltinha: já depois de Wendel ter rematado com perigo para Zoet defender a dois tempos (22′), a melhor jogada do encontro, toda ao primeiro toque e a passar por metade da equipa holandesa, encontrou Bruma sozinho na direita para um cruzamento rasteiro desviado de forma infeliz por Coates para a própria baliza, naquele que foi o terceiro autogolo do uruguaio nos leões (25′).

Em cerca de cinco minutos, a equipa que não conseguia ter jogo no setor onde se sente mais confortável, o ataque, acabou por passar para frente do marcador com dois golos nos únicos dois remates feitos à baliza do conjunto português. Ainda antes do intervalo, na sequência de uma grande penalidade conseguida por Bolasie e convertida por Bruno Fernandes, o Sporting ainda reduziu e entrou de novo no jogo mas tinha a obrigatoriedade de melhorar em muitos aspetos para poder ainda discutir de forma real o resultado em Eindhoven. Ou num, em especial: a dinâmica num meio-campo onde Doumbia perdeu todos os duelos na primeira hora, Miguel Luís não arriscou um único passe vertical e Wendel pisava terrenos erráticos no vértice lateral do losango.

Em menos de 15 minutos, Leonel Pontes teria de fazer aquilo para o qual não tem tempo nos treinos e que só consegue remediar mesmo em jogo: trabalhar envolvimentos coletivos e melhorar o rendimento individual de elementos que cumpriam os primeiros minutos de competição na equipa principal (Miguel Luís) ou que tinham missões diferentes das habituais em mãos (Wendel ou Vietto). No entanto, e por melhores que fossem as explicações nesse tempo de descanso, havia uma premissa sem a qual pouco ou nada poderia funcionar – entrar com a mesma consistência em campo como na primeira parte. Não foi isso que aconteceu, bem pelo contrário: no seguimento de um pontapé de canto com desvio inicial ao primeiro poste, Baumgartl apontou o 3-1 (48′).

Em dois momentos distintos, o encontro partiu. Numa primeira fase, com o PSV mais por cima e a colocar Renan em sentido por mais do que uma ocasião enquanto Bruno Fernandes, o mesmo do costume, acertou no poste após cruzamento largo de Acuña da esquerda (55′); num segundo período, com o Sporting mais por cima até em termos territoriais, a acertar melhor as zonas de pressão mais adiantadas e a tentar muito através da meia distância, num duelo particular do capitão verde e branco com Zoet onde o guarda-redes dos holandeses levou a melhor em quatro ocasiões distintas, defendendo quase sempre para canto.

O Sporting precisava de outros argumentos para conseguir rematar na área, o que tinha feito apenas por duas ocasiões, mas acabou por escrever direito por linhas tortas: Pedro Mendes, o avançado dos Sub-23 que levava seis golos em sete encontros pela equipa secundária verde e branca, fez a estreia pelos seniores e demorou pouco mais de um minuto para marcar num grande lance individual em que saiu da área com um defesa nas costas, conseguiu rodar colocando de forma orientada a bola ao alcance do seu pé direito e rematando colocado sem hipóteses (82′). Depois, os leões já não tiveram capacidade de forçar o golo do empate e estiveram até perto de sofrer o quarto mas não demorou muito a perceber onde podem estar as respostas leoninas em fases de maior necessidade ofensiva. Sobra, isso sim, uma pergunta: quem não inscreveu Pedro Mendes na Liga?