O Tribunal de Coimbra considerou inconstitucional o crime de lenocínio simples — incentivo à prostituição com fins lucrativos — divergindo da posição do Tribunal Constitucional, que tem mantido a sua constitucionalidade, apesar dos votos vencidos de vários juízes conselheiros.

A decisão consta de um acórdão de 27 de setembro, a que a agência Lusa teve acesso esta quinta-feira, relativo a um processo em que o tribunal absolveu do crime de lenocínio simples quatro arguidos ligados à exploração de uma discoteca, no distrito de Coimbra.

Comete crime de lenocínio simples “quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição”, sendo “punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos”, de acordo com o Código Penal.

“Não desconhecemos que o Tribunal Constitucional (TC) já se pronunciou diversas vezes sobre esta questão decidindo sempre que esta norma não é inconstitucional, embora com a existência de diversos votos vencidos (…). Todavia, este tribunal coletivo tem um entendimento bem diferente, aproximando-se dos votos vencidos dos referidos acórdãos do Tribunal Constitucional”, sublinha o coletivo de juízes presidido por Ana Lúcio Gordinho.

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O Tribunal de Coimbra concorda com “a tese” apresentada pelo presidente do TC, Costa Andrade, no seu voto vencido, num acórdão de 2016. Nessa ocasião, três juízes votaram no sentido de manter a norma constitucional, contra dois, sendo que um desses votos pertenceu ao atual presidente do Tribunal Constitucional, Costa Andrade.

O TC entende “maioritariamente que, no âmbito de uma opção justificada de política criminal, permanece válido o entendimento de que a ofensividade que legitima a intervenção penal assenta numa perspetiva fundada de que as situações de prostituição, relativamente às quais existe promoção e aproveitamento económico por terceiros, comportam um risco elevado e não aceitável de exploração de uma situação de carência e desproteção social, interferindo — colocando em perigo — a autonomia e liberdade de agente que se prostitui”.

De acordo com esta interpretação, o TC vinca “que o bem jurídico protegido é a liberdade sexual de quem se prostitui e consente na criminalização da conduta de aproveitamento económico da prostituição enquanto comportamento que põe em perigo a autonomia e liberdade do agente que se prostitui”.

“A ser assim, cremos que este entendimento tornaria o crime em causa num crime de perigo abstrato, pois considera-se que as situações de prostituição estão associadas a carências sociais elevadas e que os comportamentos de fomento, favorecimento ou facilitação dessa atividade implicam uma exploração da necessidade económica ou social de quem se prostitui”, contrapõe o Tribunal de Coimbra.

“Considerando que o bem jurídico visado é a autonomia e liberdade da pessoa que se prostitui, não vemos como as condutas descritas no tipo de ilícito traduzam em si uma perigosidade típica de lesão de tal bem jurídico. Dito de outra forma, não se pode presumir, de forma categórica que quem fomente, favoreça ou facilite a prostituição, ao fazê-lo, pura e simplesmente, põe em risco a liberdade sexual de quem se prostitui”, defende o coletivo de juízes.

Em conclusão, e citando o presidente do TC, Costa Andrade, o Tribunal de Coimbra salienta que “a prevenção do perigo abstrato de uma forma desviante de comportamento ou de condução da vida não pode ser feito à custa do sacrifício da liberdade e da autonomia sexual”.

Em fevereiro de 2017, o Tribunal da Relação do Porto (TRP) já tinha considerado inconstitucional o lenocínio simples e defendeu que este crime fosse despenalizado e passasse a ser punido através de contraordenação.

No acórdão, a que a Lusa teve acesso naquela ocasião, a fundamentação dos juízes desembargadores ia no mesmo sentido da apresentada agora pelo Tribunal de Coimbra (tribunal de primeira instância).

Contudo, este acórdão do TRP foi chumbado pelo Tribunal Constitucional que, mais uma vez, através de uma votação de 3-2, manteve a norma do crime de lenocínio constitucional. O presidente do TC, Costa Andrade, foi um dos dois votos contra.