O tema da conversa era a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, mas Juan Branco começou a intervenção desta quarta-feira no palco principal da Web Summit com outro tópico: primeiro, uma crítica a Tony Blair — que horas antes esteve naquele mesmo palco –, depois, com um apelo à liberdade de Julian Assange, o fundador da Wikileaks que esteve durante sete anos asilado na embaixada do Equador em Londres e que está preso. Pelo meio, arrecadou várias vezes aplausos de um Altice Arena praticamente cheio.
“Quero agradecer à Web Summit por nos lembrar que Tony Blair tem liberdade para se movimentar. Esteve cá há umas horas, mesmo tendo em conta que despertou a guerra mortífera no Iraque, que custou a vida a milhares de pessoas”, começou por atirar, para relembrar logo depois que “Julian Assange continua na prisão em Londres por ter revelado os crimes cometidos pelos Estados Unidos e o Reino Unido” e que tem a certeza que se o fundador da Wikileaks pudesse estar ali presente, “muitos iriam gostar de o ouvir”.
Não estou habituado a estar rodeado de tantos criminosos, é um novo cenário para mim”, disse ainda Juan Branco, ganhando uma ronda de aplausos.
Voltando ao tópico do comércio, quem começou por falar foi Michael Pillsbury, diretor de estratégia chinesa do Hudson Institute e considerado por Donald Trump uma “autoridade líder na China”. Falou do facto de a China olhar para os Estados Unidos como “um tirano que controla o mundo”, que a guerra comercial está a prejudicar o crescimento económico e contou que os dois países já estiveram muito perto de chegar a um acordo, até que “no último momento, os chineses desistiram”.
De seguida, foi a vez de Juan Branco falar e as críticas foram para o Presidente francês, do qual o advogado é publicamente opositor — chegou, aliás, a escrever um livro contra o seu sistema político. Desta vez, abordou a viagem de Emmanuel Macron à China “para negociar abrir mais as barreiras comerciais entre a China e a França” e criticou o objetivo de aumentar a exportação de porco francês para território chinês — e um possível aproveitamento da guerra comercial com os EUA.
“Este é um dos objetivos principais de um Presidente que finge ser moderno, que finge ser ecológico: é ter porcos criados em França, colocados em condições para serem levados ao longo de 10 mil quilómetros. É este complexo absurdo e uma desconexão das pessoas que nos lideram hoje que está a destruir o planeta e os indivíduos que estão a lutar pela sua vida”, referiu.
Juan Branco falou ainda numa “ideologia de globalização” que começou a ser imposta e que, nas suas palavras, não acontece só nos países mais longínquos. Deu mesmo o exemplo do trabalho voluntário em eventos como este: “Ao nosso redor, há quem esteja a ser utilizado para nos guiar nestes locais, nos bastidores para nos dar água, para nos dar comida grátis. Nem percebo como é que não pagamos pela comida”.
O advogado de Julian Assange fez também uma comparação (e uma crítica) sobre o preço dos bilhetes. “É preciso pagar 1.500 euros para estar aqui. Conseguimos perceber o quão absurdo…num país em que o salário médio é quase metade desse preço. E isso, claro, é provocado por esta ideologia de globalização”, referiu.
E se Juan Branco recebesse uma mensagem de Donald Trump a pedir conselhos, o que lhe diria? “Em primeiro, pedia para que ele libertasse o Julian Assange”, atirou de imediato. Pediu “desculpa por insistir nisto” e deixou também uma nota a Michael Pillsbury para que, quando conseguisse falar com o Presidente norte-americano lhe passasse a mensagem. “Não há razão para este homem estar dentro de uma cela com sete metros quadrados que já foi usada por terroristas”, continuou. Quando Michael Pillsbury respondeu que “são os britânicos que o têm detido”, o advogado ripostou: “Não. É de um pedido de extradição dos EUA, por isso são os EUA que o mantêm detido e nós sabemos bem disso”.
Quanto ao comércio livre, sou um inimigo, enquanto francês, do poder de Donald Trump hoje em dia, porque ele tenta criar um G2 que quer impor regras a outros países e claro que a única solução se querem evitar aquilo a que chamo de um novo tipo de neofascismo, em que existe protecionismo com o estrangeiro e regras muito liberais dentro do país, é criar a soberania nacional”, disse ainda Juan Branco na conferência.
Para o advogado, que também defendeu o movimento dos Coletes Amarelos, em França, o importante é “criar laços que não permitam comercializar produtos que violam as regras ambientais e sociais, mas que castiguem os países que fazem isso”. “Macron parece ser uma pessoa racional, séria e moderna e, ainda assim, considera que abrir as fronteiras comerciais com a China vai beneficiar a França. Ele não tem qualquer poder para ir contra a China caso a China viole as regras das negociações. Temos de nos proteger de novo”, acrescentou.
No final, houve ainda tempo para uma comparação (ou uma semelhança): “Para mim Macron e Trump são muito parecidos, internamente e externamente”.