Os primeiros minutos que passamos com “Untitled Goose Game” talvez sejam a melhor forma de explicar a sua popularidade. Somos um ganso, podemos grasnar, apanhar objetos e abrir as asas. Simples, explicado num tutorial de poucos segundos e siga para a frente. Acedemos a uma lista de objetivos a cumprir, onde entendemos que o padrão é infernizar a vida de um agricultor que só quer tratar de uma pequena quinta. Passa por roubar-lhe as cenouras ou abóboras, ligar uma mangueira quando está por perto ou tirar-lhe o chapéu e somos deixados aos nossos próprios mecanismos.

Está resumido este tesourinho maquiavélico feito por quatro tipos australianos da House House. “És um ganso, vai ser um bocado parvalhão”. Tudo isto embrulhado numa direção artística de um livro infantil pleno de bom gosto, uma banda sonora cheia de charme e sobretudo uma animação da personagem (um ganso, nunca é demais dizer) que quase nunca deixa de ser incrivelmente satisfatória.

Os suspeitos do costume para a descrição de “jogo mais violento do ano” geralmente têm “DOOM”, “Call of Duty” ou “Grand Theft Auto” no título, mas de certa forma, talvez este seja o verdadeiro jogo mais violento do ano de 2019. Pelo menos o mais cruel. Ou o mais visceral a fazer-nos sentir o peso das pequenas irritações. Aqui somos o vilão e isso é das partes mais divertidas do jogo. Um sociopata que se aproveita dos incómodos do quotidiano e se calhar destrói umas quantas relações humanas enquanto abre o seu caminho.  E acabamos por ficar surpreendidos que, a cada objetivo cumprido, o nosso intrépido ganso não acabe como prato principal de uma ceia de natal. Sem querer confundir ao trazer mais animais ao barulho, “Untitled Goose Game” é como se fosse uma sala com um humano, um gato e uma série de móveis cheios de objetos cuidadosamente colocados nas pontas, e nós podemos ser o gato.

[o trailer da versão Nintendo Switch:]

É a jogabilidade furtiva de um “Hitman” ou de um “Metal Gear Solid” num embrulho da mais adorável das sandboxes. A forma como somos imediatamente postos no início desta jornada de malfeitoria lembra também os primeiros momentos de Breath of The Wild, muito por culpa das qualidades zen da sua atmosfera. Os diferentes níveis – se lhes pudermos chamar isso — misturam-se com uma naturalidade absolutamente harmoniosa e aqui não há sistema de pontos nem limites de tempo. Não há uma medalha por cumprimos tarefas tão perversas como enfiar um par de chinelos dentro de um lago ou trancar uma senhora na garagem. O prémio é seguir em frente, o que acaba por contribuir para uma imersão maior num jogo que usa esta simplicidade como arma de encanto.

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Um encanto que também tem valido uma boa dose de credibilidade na internet nestes dois meses que se seguiram à sua data de lançamento. “Untitled Goose Game” está acabado de vencer o prémio de jogo revelação nos Golden Joystick Awards e em outubro passou o remake de Zelda: Link’s Awakening no top dos jogos mais vendidos na loja digital da Nintendo Switch.  É um sonho para os memes que contrastam a seriedade de um Metal Gear Solid com um ganso que tenta destruir o dia de alguém, bem como de merchandise e para ser dissecado da forma mais rápida possível pela comunidade de speedrunning.

Por falar em velocidade, é importante referir uma das criticas mais comuns ao jogo. É bonito mas acaba-se rápido, mesmo com os objetivos extra que ficam disponíveis depois da campanha principal. Mas num mar de jogos que demoram 50, 100 ou mais horas para terminar, esta injeção rápida de cretinice será muito bem-vinda para alguns e o jogo será mais ou menos repetível o quão mais expeditos quisermos ser a controlar o ganso mais badass do bairro. E depois, como bom fenómeno de internet que é, também está cheio de sugestões criativas no Youtube para continuarmos as nossas más ações.

Está disponível para Windows, Mac e Nintendo Switch e no mínimo é uma dica de boa prenda nas épocas festivas que aí vêm, para dar o poder àqueles de quem gostamos de fazer a pergunta: não estará, de facto, na hora de afogar o ganso?

Data de lançamento: 20 de setembro de 2019
Desenvolvimento: House House
Publicação: Panic
Plataformas: Windows, Mac e Nintendo Switch