Nota — Corrigido com precisão sobre a data em que Bob Dylan gritou “play it fucking loud” num concerto: foi em 1966, num concerto em Manchester, e não no ano anterior, na polémico participação no Newport Folk Festival. Pelo lapso, as nossas desculpas

Foi há 55 anos que tudo mudou: e quando se diz tudo é exagero pouco excessivo, porque mudou mesmo muito, do movimento musical folk que virou folk-rock, em específico, ao cancioneiro americano no seu tudo. Nos anos anteriores Bob Dylan tinha sido o porta-voz das canções folk interventivas, prosseguindo a linhagem de Pete Seeger ou Woody Guthrie, cantando de guitarra acústica em punho que os tempos, esses agitados anos 1960 em que uma geração se insurgia contra a guerra do Vietname de flor na lapela, estavam a mudar.

A história ainda hoje motiva discorda até entre quem a testemunhou. Bob Dylan, que como escreveu no seu livro “Crónicas: Volume 1”, não queria ser “porta-voz de nada nem de ninguém”, passara a primeira metade dos anos 1960 a cantar “Blowin in the Wind”, “Masters of War”, “A Hard Rain’s Gonna Fall”, “Don’t Think Twice It’s Alright”, “The Times They Are-a-Changin” e “Chimes of Freedom”. A vontade de ser o acólito de Greenwich Village, a estrela mordaz do movimento folk que cantava as injustiças do mundo e a necessidade da mudança, foi-se desvanecendo e esfumou-se mesmo — em 1965 com um concerto no Newport Folk Festival e em 1966 com um grito em Manchester que ficou imortalizado na história: “Play it fucking loud”. Um grito que deverá ser ouvido também no grande ecrã brevemente e que poderá ser proferido pelo ator Timothée Chalamet.

A ordem de Bob Dylan à sua banda elétrica ouviu-se num quase mitológico concerto no Free Trade Hall, em Manchester, em 1966. Quem ouvira Bringing it All Back Home, o disco que Dylan editara em março em 1965, percebera já que o músico andava a mudar da folk para o folk-rock, tocando canções já não apenas acústicas mas também elétricas, de pendor rock. Ainda assim, logo no verão de 1965, no Newport Folk Festival, a surpresa foi grande: naquele que por aquele tempo era o maior evento mundial do movimento folk que se ouvia nas rádios e nos bares americanos, Dylan deu um concerto elétrico e ouviu assobios.

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Há quem diga que os assobios foram motivados pela “heresia” de Dylan em deixar a guitarra acústica de lado, há quem diga que foi porque o sistema de som estava francamente mau, mas a tudo isso, como que alheado do que se passava na plateia, de casaco de cabedal vestido, guitarra elétrica em punho e harmónica pronta, Dylan respondia com espírito rock and roll. Um mês depois desse julho de 1965, o mundo ouviria Highway 61 Revisited, o disco de “Like a Rolling Stone”, e a folk e o folk-rock nunca mais seriam os mesmos. E em 1966, em Manchester, depois de ouvir um grito de “Judas” e responder ao espectador que era “um mentiroso”, disparou para a banda: play it fucking loud, toquem alto como a porra.

Há 55 anos, Bob Dylan percebeu que os tempos estavam a mudar. E entrou num estúdio em Nova Iorque para o provar

É já certo que a história vá chegar em breve aos ecrãs de cinema: à revista norte-americana Entertainment Weekly, os estúdios de cinema Fox Searchlight confirmaram que há um plano para rodar um filme chamado Going Electric, que até já tem realizador, James Mangold, cineasta de Logan (2017), do western O Comboio das 3 e 10 e do filme sobre Johnny Cash Walk the Line, que teve Joaquin Phoenix como protagonista. A notícia começou por ser avançada pelo site de notícias Deadline.

O filme, biográfico mas não documental (portanto, uma biopic, inspirada em acontecimentos e personagens reais mas romanceados e ficcionados através de atores) propõe-se contar como Bob Dylan mudou em 1965, “quando a lenda folk mudou de forma controversa para o rock and rolll e para a guitarra elétrica”, refere a Entertainment Weekly.

O que não se sabe é também o que causa mais expectativa, tanto que tem feito títulos de notícias nos média: o filme poderá vir a ter como protagonista o ator de 24 anos (curiosamente, precisamente a idade que Bob Dylan tinha em 1965) Timothée Chalamet, já nomeado para um Óscar de Melhor Ator Principal pela interpretação em Call Me By Your Name.

Da country ao jazz: como a música americana criou Bob Dylan

A Entertainment Weekly refere que a produtora do filme lhes confirmou que estão em curso negociações para que Chalamet seja o protagonista do filme e o site Deadline avança que o ator até já começou a ter aulas de guitarra para poder ser o protagonista de Going Electric. Timothée Chalamet tem ainda mais filmes em vista para o futuro: é já oficial que vai entrar nos próximos filmes de Wes Anderson (The French Dispatch) e Denis Villeneuve (Dune).