Yoko Ono é “a cara da multidisciplinariedade artística”, para Philipe Vergne, diretor artístico do Museu de Arte Contemporânea de Serralves. Por isso, cabe que nem uma luva na programação para o ano que agora começa.
A artista contemporânea de 83 anos traz em abril a pintura, o cinema, a escultura para a exposição O jardim-escola da Liberdade, no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, organizada a par com o Studio One de Nova Iorque”.
Apesar de “ter casado mal”, ironiza o diretor do Museu, Philipe Vergne (referindo-se a John Lennon, quando se assinalam os 40 anos da morte do músico), “é uma das mais importantes artistas internacionais” que, para além de ter criado arte com diversos objetos e linguagens, fê-lo “introduzindo liberdade a cada disciplina artística”, na forma de “declaração política” e, com isso, abraçou, se não mesmo iniciou, o movimento artístico mais radical da segunda metade do século XX, Fluxus”.
A audiência será convidada a participar na exposição, nomeadamente a “escrever mensagens de esperança” que, devagar, tornarão a sala “cheia de bonitas mensagens”, confere Philipe Vergne. Yoko Ono também deverá marcar presença no Porto e será a primeira vez que expõe em Portugal, “pelo menos a esta escala”.
Anunciada esta manhã pela presidente do Conselho de Administração da Fundação, Ana Pinho, e por Phillipe Vergne, a programação de 2020 da Fundação tem também em destaque a presença do cineasta e artista de vídeo Arthur Jafa, vencedor do Leão de Ouro na Exposição Internacional da Bienal de Veneza de 2018.
Nos últimos anos, Arthur Jafa “tem recebido muita atenção pelo seu trabalho no cinema, na fotografia, na colagem e na escultura”, enumera Philipe Vergne, confluindo, para o diretor, na tal multidisciplinaridade que Serralves pretende celebrar.
O artista afro-americano do sul de Los Angeles que já veio ao Porto por altura do Fórum do Futuro, traz a exposição com que o Museu abrirá portas ao novo ano, já a 20 de fevereiro. “Uma série de interpretações absolutamente improváveis, ainda assim extraordinárias” revela a “capacidade que o artista tem em fazer colagens e manipular imagens e sons para criar ambientes que não permitem ao espectador olhar para o outro lado, o outro lado da nossa história atual”, resume a Fundação.
Arthur Jafa “apropria-se de imagens que encontra no mundo digital, junta-as e cria uma narrativa” que reflete comunidades, nomeadamente aquela em que nasceu. “Uma bela oportunidade”, para Philipe Vergne, de “contemplar os que são diferentes de nós”.
O “trabalho entre disciplinas” e a “globalidade” são dois dos valores que orientaram as escolhas de Philipe Vergne
Os dois artistas contemporâneos inserem-se nos “valores” que o diretor do museu diz ter “vindo a seguir”, nesta que é a sua primeira vez a pensar por inteiro a programação: o trabalho entre disciplinas “porque os artistas são criaturas multidisciplinares”, e a internacionalidade, se não mesmo a globalidade, “porque os artistas são criaturas internacionais que não conhecem fronteiras”.
Nos valores escolhidos pelo diretor Philipe também se movimenta R. H. Quaytman, ela que nos últimos anos começou a explorar a “possibilidade de pintar para lá da forma tradicional”. A artista contemporânea norteamericana inaugurará em julho a exibição “Sol que não mexe, Capítulo 35”, refletida sobre o que é pintar hoje e “que história podemos contar com a pintura”.
Em outubro, terá palco na sala 5, a central do museu, um artista tailandês jovem, Korakrit Arunanondchai, com a exposição “história numa sala cheia de gente com nomes esquisitos 5”. É um trabalho multidisciplinar “totalmente emersivo”, com performance, escultura, projeção de vídeo e de laser, sobre como a espécie humana interferiu na Natureza.
Numa retrospetiva trazida de outubro a julho de 2021, o Museu de Serralves também contará com a vida e a obra da já desaparecida escultora franco-americana Louise Bourgeois. Apesar de “não precisar de apresentações, o trabalho da autora nunca foi visto em Portugal”, introduz Philipe Vergne, pelo que a exposição “Desenvencilhar o Tormento” trará quase 30 obras da artista que é o “Rodin do século XX”, nas palavras de Philipe Vergne.
Serralves recebeu em 2019 o maior número de visitantes de sempre
A aposta não só na arte, mas também na oferta da educação e de atividades de reflexão, e a aposta na internacionalização levaram pela primeira vez Serralves a ultrapassar, em 2019, o marco do milhão de visitantes. E porque momento de projeções futuras é também altura de retrospetivas, a diretora do Conselho de Administração da Fundação, Ana Pinho, sublinha o crescimento do número de visitantes nos últimos quatro anos: “mais do que duplicou”.
Também o ano findo, o do 30º aniversário da Fundação, trouxe-lhe 27 novos fundadores, somando para 87 o número de novos associados nos últimos quatro anos. 2019 foi também o ano da inauguração do passadiço Treetop Walk, com 250 metros, e da Casa do Cinema Manoel de Oliveira.
“Em 2019, foram finalmente assinados os contratos entre o Estado português e a Câmara Municipal do Porto e entre este executivo e Serralves, que permitem formalizar o depósito durante 25 anos desta importante coleção da obra de Joan Miró pertencente ao Estado português”, acrescenta ainda Ana Pinho.
O ano que agora inicia traz a Serralves “mais espaços e uma forte programação em todas as áreas”. No Museu “uma aposta fortíssima e abrangente, que permite tocar público diverso e atrair novos públicos e com uma ligação grande entre nomes muito conceituados e nomes mais experimentais, mais inovadores”, diz Ana Pinho.
“Há projetos que interligam o Museu e a Casa de Cinema e projetos que interligam o Museu e o Parque”, confere a diretora.
António Gouveia é o novo diretor do Parque de Serralves. O antigo diretor do Jardim Botânico de Coimbra, doutorado em biologia, quer aproveitar todos os espaços do parque na sua plenitude e promover projetos ecológicos, de relação com a Natureza, inscrevendo no ano corrente a mensagem também patente no Museu e transmitida por Ana Pinho de que Serralves é uma “instituição contemporânea que reflete o tempo em que vivemos”.