Bruno de Carvalho tinha tomado posse há menos de dois meses no seu primeiro mandato quando, numa discussão com o vice do FC Porto Adelino Caldeira, decidiu em nome do Sporting cortar relações com os azuis e brancos no seguimento de uma altercação com troca de palavras mais acaloradas na final da Taça de Portugal de andebol. Nos meses que se seguiram, até por casos como a venda do internacional João Moutinho ao AS Mónaco em “pacote” com James Rodríguez para alegadamente diminuir a margem que os leões teriam a receber nesse negócio ou o atraso no último jogo da fase de grupos da Taça da Liga de 2013/14, as palavras azedas entre o então líder leonino e Pinto da Costa, número 1 dos dragões, adensaram-se. Em maio de 2017, já com o Sporting de costas voltadas com o Benfica, o clube verde e branco fez as pazes institucionais com os portistas. Esta terça-feira, quase sete anos depois desse primeiro “choque”, Pinto da Costa foi testemunha de defesa de Bruno de Carvalho.
[O resumo do dia 30 do julgamento do caso de Alcochete]
Após uma manhã onde foram ouvidas outras seis testemunhas, entre as quais Eduardo Barroso e Carlos Vieira, o presidente do FC Porto falou através de videoconferência. Antes de entrar no Palácio da Justiça, no Porto, o dirigente azul e branco teve ainda algumas palavras com a comunicação social mas para abordar pela primeira vez o caso dos insultos racistas a Marega no encontro de domingo em Guimarães. “Vou responder ao que me perguntarem. Ninguém falou comigo, recebi uma notificação para estar aqui, não faço ideia do que vou dizer porque não sei o que me vão perguntar. Tudo o que eu souber responderei. Não sei por que fui arrolado, não há problema nenhum”, comentou sobre o caso de Alcochete. Já em Monsanto, Bruno de Carvalho, que devia marcar presença (por opção, após ter sido dispensado pela juíza até às alegações finais), acabou por faltar por uma doença súbita que o obrigou a permanecer em casa, conforme explicou o advogado Miguel A. Fonseca. Isto quando o pai do antigo líder, Rui de Carvalho, já se encontrava dentro das instalações para ser ouvido como testemunha.
– Conhece os arguidos?
– Que eu saiba não…
Resolvidas as habituais questões das ligações, Pinto da Costa começou a falar por volta das 14h40. “Se a seguir a João Rocha me ficou algum presidente do Sporting na memória? Na memória ficaram todos, lembro-me de todos. Tive sempre excelentes relações com todos os presidentes do Sporting, como por exemplo Sousa Cintra, Filipe Soares Franco, Godinho Lopes… Tenho ótimas relações com eles… Dias da Cunha também”, referiu em resposta a Miguel A. Fonseca, que disse ser “um orgulho e uma honra” falar com Pinto da Costa.
“Não tenho ideia de muita coisa sobre a invasão à Academia do Sporting em 2018. O que senti é que havia um ambiente que nunca entendi bem porque Bruno de Carvalho tinha tido 90% num Assembleia Geral e de repente passou a ser não o presidente dos 90% mas a ser contestado por toda a gente. Não entendi bem essa mudança”, salientou, antes de contar um episódio, em fevereiro de 2018 num jogo entre leões e FC Porto, entre o então líder verde e branco e Jaime Marta Soares, líder da Mesa. “Bruno de Carvalho disse que ele também era croquete, que ele é que o tinha salvo. Marta Soares respondeu na brincadeira ‘Deviam era ser substituídos'”, contou, antes de Aníbal Pinto, advogado de um dos arguidos e confesso adepto (e comentador) portista pedir a palavra: “É só para cumprimentá-lo, desejar-lhe sucesso profissional, saúde e muitos êxitos se possível”.
“Não percebi por que vim cá. A senhora juíza agradeceu a minha presença e disse que não era da responsabilidade dela eu ter sido chamado, sentiu que não podia adiantar muito. Felizmente desconheço este processo. Nem sei onde é Alcochete… O tempo foi uns cinco minutos, o resto foi de espera. Não podia dizer nada porque felizmente deste processo só sei que foi no dia 15 de maio”, disse o presidente dos dragões à saída do Palácio da Justiça, após prestar depoimento e numa altura em que já falava em Monsanto Rui de Carvalho, pai do antigo presidente.
“O Bruno dizia: ‘Eles é como se fossem meus filhos, damo-nos muito bem'”
“Quando esse post [em abril de 2018, a seguir à derrota em Madrid com o Atlético] saiu, já vinha seguindo o assunto e já me tinha apercebido de que estava em marcha algo de muito esquisito que tinha a ver com o Bruno no Sporting Clube de Portugal. Aquele post de Madrid, aquilo que eu li daquele post… Agora, se tinha de ser feito publicamente é outra coisa”, disse Rui de Carvalho. “Quantos presidentes por esse mundo fora já fizeram publicações iguais? E quantos depois desse fizeram iguais? A verdade é que eu no Sporting não via a possibilidade de acontecer pelo relacionamento que sempre vi entre o Bruno e os jogadores. Ele próprio juntava os jogadores. Era tudo uma família e na realidade de um momento para o outro parece que desabaram os céus”, salientou antes de recordar os momentos finais da época de 2017/18, quando o Sporting perdeu com o Marítimo.
“O Bruno não foi a essa viagem na Madeira por causa da mulher e da gravidez de risco que obrigou a vários internamentos. O caso era mesmo muito sério, evidente que havia uma preocupação maior. A Leonor poderia não sobreviver. Nesse dia, depois da derrota, teve uma reação triste, cabisbaixo. Quem conhece o Bruno sabe que isso do lançar a toalha ao chão não existe. A verdade é que o Bruno não passa despercebido mas sempre demonstrou uma humanidade excecional. Quem ganharia com isto? O Bruno é suficientemente inteligente para perceber que aquilo que o levou a recuperar o Sporting foi exatamente fazer do Sporting um clube transparente onde tudo estava às claras”, frisou depois, a propósito desses dias que antecederam a invasão à Academia.
“A invasão à Academia foi um crime hediondo. A minha mulher chamou-me a atenção para o que se estava a passar na televisão. Falei com ele, disse-me que estava numa reunião não sei do quê do Cashball e que ia para a Academia. Toda a família ainda hoje sofre sem ter necessidade disso. Tudo quanto os assaltantes e a má comunicação social quiseram foi criar problemas absolutamente insanáveis. Tudo o que se passou… A minha mulher perdeu alguns anos de vida, eu também perdi alguns anos de vida. Aquilo que Marcelo Rebelo de Sousa e Ferro Rodrigues disseram logo no dia é algo que nunca me passaria pela cabeça. Não conseguimos perceber. Ferro Rodrigues sabe efetivamente o que tinha acontecido”, lamentou Rui de Carvalho em resposta a Miguel A. Fonseca.
“Há anos que vinha a prever que isto ia acontecer. Não tinha dúvidas. Só que o Bruno não acreditou em mim. Disse que queriam afastar o Bruno do Sporting mas nunca acreditou no pai… Isto é gente em quem não se pode ter confiança. E ele dizia ‘Eles é como se fossem meus filhos, damo-nos muito bem’. Era a perceção que o Bruno tinha. Se falava mal dos jogadores? Nunca falava, de maneira nenhuma”, acrescentou.
O momento em que Bruno ficou “hesitante, sem saber muito bem o que fazer”
A primeira testemunha do dia a ser ouvida foi José Ribeiro, antigo jornalista que na altura era assessor de imprensa do Sporting. Já esteve também na fase de instrução, no Campus da Justiça, onde foi testemunha do ex-presidente leonino. Nessa fase do processo, recordou que foi ele que informou a Direção, que estava reunida, de que a Academia estava a ser atacada. Depois ligou a Jorge Jesus, que não lhe respondeu. Só mais tarde alguém conseguiu avisar o treinador de que o presidente Bruno de Carvalho ia a caminho da Academia, mas que ele disse que não queria. “Nisto chega o Bruno de Carvalho e eu digo-lhe que Jorge Jesus não queria que ele fosse. Ele diz-me: ‘Era só o que faltava um funcionário dar uma ordem ao presidente’”. Em paralelo, e perante as perguntas de Miguel A. Fonseca, José Ribeiro disse então que não achava que o ataque tivesse sido a mando da administração.
Falando do Brasil via Skype, José Ribeiro começou por dizer que estava “a ver na TV” quando “um grupo de pessoas começou a correr para dentro da Academia”. Inquirido por Miguel A. Fonseca, advogado de Bruno de Carvalho, explicou ainda que interrompeu uma “reunião entre Bruno de Carvalho e André Geraldes para dar a informação do que estava a acontecer”. “Sabe o que está a acontecer? Estão a invadir a Academia!”, atirou.
O então presidente não terá reagido bem à notícia e “ficou um pouco hesitante, sem saber muito bem o que fazer”, até que “decidiu ir para a Academia”, contrariando o que Jorge Jesus lhe teria aconselhado. “Diz ao Jorge que nós estamos a caminho”, terá dito Bruno de Carvalho a José Ribeiro quando saiu de Alvalade (local onde decorria a tal reunião). A decisão demorou 10 a 15 minutos a ser tomada. O antigo assessor explicou ainda que nos primeiros momentos foi impossível falar com alguém na Academia e que só depois de contactar com Paulo Cintrão, responsável pela comunicação da equipa de futebol, é que André Geraldes ficou a perceber o que se passava.
Ribeiro explicou que no dia 14 de abril (um dia antes da invasão), houve uma reunião de staff onde Carlos Vieira [ex-vice da Direção e administrador da SAD] referiu que Bruno de Carvalho iria à Academia reunir com a equipa técnica e os jogadores no dia seguinte, no âmbito da saída de Jorge Jesus do comando. “O caso Cashabll acabou por relegar essa reunião para segundo plano”, concluiu José Ribeiro na intervenção.
A mensagem de Eduardo Barroso no Paquistão e o jantar em sua casa
Seguiu-se Eduardo Barroso, médico e antigo presidente da Mesa da Assembleia Geral do Sporting entre março de 2011 e março de 2013 na lista de Bruno de Carvalho (que perdeu a corrida ao Conselho Diretivo com Godinho Lopes por 400 votos) que fez parte da Comissão de Honra de Frederico Varandas no último sufrágio e que, em novembro de 2018, defendeu a inocência do antigo presidente leonino à TVI: “Tenho muita esperança que Bruno de Carvalho não seja o mandante disto. Aquilo foi uma coisa lamentável. Fui o primeiro a dizer, dois dias depois daquilo, que acreditava que Bruno de Carvalho não era o mandante. Ele classificou o crime como hediondo, o ‘chato’ já foi depois disso. Perguntei-lhe várias vezes e estou convicto de que me disse a verdade”.
“Devo dizer que estava no Paquistão, em trabalho, e foi lá que recebi no Whatsapp dos meus filhos a mensagem: ‘Oh pai, houve uma invasão!’. Foi assim que tive conhecimento do que estava a acontecer. Não tive noção do que se tinha passado. Não valorizei na altura. Só quando aterrei em Lisboa e os meus filhos me disseram ‘Oh pai, não tens noção da dimensão, invadiram, bateram…’ é que percebi, foi aí que eu percebi que a coisa não tinha sido como as antigas idas a Alcochete que acabavam sempre com fotografias. Já tinha havido idas a Alcochete combinadas… Não é que concorde com essas idas… Mas acabava sempre com fotografias. Não tive noção da dimensão do que se passou, só quando aterrei em Lisboa. Fiquei de facto deprimido com o que vi”, comentou.
Barroso explicou ainda que, depois da polémica partida com o Atl. Madrid, que os leões perderam por 2-0 e que deu origem a um post inflamado de Bruno de Carvalho a criticar a equipa, deu um jantar em sua casa onde estiveram presentes José Eduardo, Daniel Sampaio, João Mesquita Trindade e os filhos. “Foi um jantar em que tivemos oportunidade de criticar Bruno de Carvalho pelo post depois desse jogo com o Atlético. O presidente não o devia ter feito. Foi isso que foi dito por todos nós nesse jantar. Esse jantar foi feito exatamente porque achei que ele estava a cometer erros graves. Tentámos fazer com que ele parasse aquela espiral que estava a destruí-lo enquanto presidente do Sporting”, confidenciou o antigo líder da Mesa.
“Critiquei-o muito pelo post. Achei que tinha alguma graça mas era ridículo”, acrescentou. Já à saída do Tribunal, depois de ter testemunhado, Barroso rematou: “Vim cumprir o dever cívico de responder às perguntas sobre o cidadão de Bruno de Carvalho. O problema da inocência não é comigo, mas isso não me passa pela cabeça; se pensasse que ele era o mandante [do ataque] nunca aceitaria ser arrolado como sua testemunha.”
Fonseca e a boa relação com os atletas (falando em menos de cinco minutos)
Seguiu-se Jorge Fonseca, atleta do Sporting que recentemente se sagrou campeão mundial de judo -100kg depois de vários títulos nacionais e internacionais pelo clube e pela Seleção Nacional. “Não tenho nada contra o atual presidente mas Bruno de Carvalho foi um grande presidente, tratou bem o judo. Posso dizer que o que recebo hoje, o bom salário que tenho hoje, foi através de Bruno de Carvalho. Não tenho nada contra o senhor, foi um excelente profissional. Apoiou as modalidades, valorizou as modalidades e tudo o que ganharam têm de agradecer ao Bruno de Carvalho. Ele pensou assim: ‘Se todos ganham, nós também temos de ganhar’. Mas fez investimento para isso”, comentara antes o judoca num programa de Rui Unas em setembro ,após o título mundial.
“Bruno de Carvalho teve sempre boas relações com os atletas e preocupou-se sempre em apoiar os desportistas do Sporting”, começou por referir antes de ser questionado pelo advogado do antigo líder sobre se alguma vez tinha conhecido um outro presidente ou dirigente que tivesse uma relação tão próxima com os atletas. “Não, sempre nos tratou bem, com boas intenções”, concluiu, num depoimento de menos de cinco minutos.
As certezas no projeto de Bruno, por Trindade e Estorninho
A seguir surgiu como testemunha João Mesquita Trindade, médico aposentado que integrou o Conselho Leonino, órgão consultivo entretanto extinto no Sporting, entre março de 2011 e junho de 2018, altura em que se demitiu, sendo o número 1 da lista de Bruno de Carvalho. Estava indicado como membro da Assembleia Geral na lista feita pelo antigo presidente às eleições de setembro de 2018 que acabou por ser recusada por Marta Soares.
“Não acredito que Bruno de Carvalho tenha alguma ligação ao que se passou na Academia. Nunca tive dúvidas sobre o projeto de Bruno de Carvalho e a gestão dele no Sporting”, afirmou. “Nunca tive dúvidas àcerca da capacidade que tem para voltar a ganhar as eleições no Sporting, até porque não havia razões nenhumas para o presidente ter sido demitido”, acrescentou João Mesquita Trindade, também num curto testemunho.
José Carlos Estorninho, antigo conselheiro leonino do Sporting entre 2009 e 2018 que foi líder do Grupo Stromp, membro dos órgãos sociais dos Leões de Portugal e que estava também como membro da Assembleia Geral na lista feita por Bruno de Carvalho para as eleições de setembro de 2018 que foi recusada, foi a testemunha que se seguiu, também num curto depoimento. “O projeto que Bruno de Carvalho me apresentou para o Sporting e que ele próprio preconizava no clube convenceu-me”, referiu o antigo dirigente leonino.
Vieira explica razão para Bruno de Carvalho “dar-se à morte” com um post
No final da manhã prestou depoimento Carlos Vieira, antigo administrador e vice do Conselho Diretivo do Sporting entre março de 2011 e 23 de junho de 2018, altura em que foi destituído do cargo a par de Bruno de Carvalho, que é economista e professor universitário – e que quis entrar na corrida no sufrágio de setembro de 2018… contra o antigo líder. Na fase de instrução, no Campus da Justiça, contou que estava a dar uma entrevista em Alvalade no momento em que se deu a invasão à Academia e falou também da reunião na véspera com os jogadores: “Acuña disse que tinha sangue quente mas que a coisa ficou sanada. [Bruno de Carvalho] Falou com Battaglia, que foi apoiar pelo que percebi o seu compatriota. Os jogadores estavam calmos, tiveram uma reação normal”. “Não era a primeira vez que se despedia um treinador e se ganhava”, disse sobre a possível saída de Jesus.
“A primeira reunião na véspera em Alvalade foi convocada para dizer que depois do péssimo resultado do dia anterior ia chegar ao fim da linha a relação com a equipa técnica. Íamos discutir se ele [Jorge Jesus] ia treinar inclusive a equipa no jogo da Taça de Portugal. Foi uma reunião complexa, longa, onde efetivamente houve uma troca de argumentos sobre a situação do Sporting. Houve uma perceção geral de que a equipa técnica não se ia manter na próxima época”, começou por referir. “Falou-se de um acordo de rescisão em que o Sporting teria de apresentar uma proposta em condições, isto porque havia mais um ano de contrato. Naquele dia não houve despedimento, era preciso uma proposta de rescisão, um acordo. Era uma decisão com grande impacto financeiro, oito milhões de euros brutos”, acrescentou sobre o encontro que terá durado duas horas e onde toda a gente na sala falou. “Naquele dia não houve despedimento porque não seria possível, tinha de haver um acordo de rescisão. Ficou claro para toda a gente, porém, que não iam fazer a próxima época”, acrescentou.
“Na reunião que se seguiu em Alvalade, com os jogadores, Bruno de Carvalho perguntou a Acuña porque tinha mandado ‘bocas’ aos hinchas, que respondeu que tinha sangue quente. Tinha havido discussões no próprio estádio, que foram visíveis nas imagens televisivas. Depois apareceram diretos de alguma confusão no aeroporto. Isso acontece várias vezes no Sporting e noutros clubes. Pode não ser uma situação normal mas acontece. O assunto foi esse. Porque que é que um jogador profissional devolve insultos a adeptos? Foi essa a questão porque gerou instabilidade. A resposta dele foi ter sangue quente mas a coisa ficou resolvida”, salientou. “Bruno de Carvalho disse também que tinha recebido vários telefonemas, de várias pessoas, a pedir justificações pelo comportamento de alguns jogadores. Estes telefonemas já tinham acontecido outras vezes mas no geral os incidentes no estádio do Marítimo e no Aeroporto da Madeira ficaram resolvidos”, completou.
Já a propósito da publicação no Facebook após a derrota com o Atlético em Madrid, Carlos Vieira confidenciou que perguntou ao então presidente a razão para ter feito aquilo. “Respondeu dizendo que a razão maior tinha sido a vontade de tentar esvaziar algum tipo de contestação. Acabou por dar-se à morte e decidiu ser ele o mau da fita para tentar unir a estrutura. Disse que o fez porque se passasse por mau da fita a coisa corria melhor do ponto de vista desportivo”, explicou o antigo administrador, que não negou a existência de “um mal estar entre os jogadores e os treinadores”, acrescentando até que “havia um conjunto de jogadores que exigiram que houvesse um afastamento do treinador”. “O ambiente estava mau, a agressividade do treinador era muita”, revelou.
Dia 31 acabou com audição de mais um arguido (que está arrependido)
O dia no Tribunal de Monsanto terminou com Sérgio Costa, mais um dos arguidos a querer falar, a explicar o antes, durante e depois da invasão à Academia e a mostrar o seu arrependimento pela situação e pelos danos causados. No entretanto, e entre muitas incongruências que levaram mesmo o arguido a ser chamado à parte pelo advogado, o que provocou uma pausa na parte final do dia, foi tentando justificar a presença em Alcochete.
“Estava a almoçar num restaurante de uma família sportinguista. Convidaram-me para ir ver um treino do Sporting. Eu estava de férias, já tinha ido a outros treinos da equipa profissional. Depois fui de Sacavém para o Lidl de Montijo. Estacionei o carro e quando cheguei pensei que estavam mais pessoas porque estavam mais carros estacionados na terra batida”, disse no arranque do depoimento, antes de contar que tinha ficado para trás com outro elemento [Jorge Almeida]. “Depois fui para a Academia. A andar ou a correr? Ia a andar…”.
– Então porque foi de cara tapada?
– Só tapei a cara mesmo na entrada porque vi os jornalistas, por causa da quantidade de fotografias…
– Mas é alguma figura pública? Tapa a cara num treino que é público porque os jornalistas estavam lá? Se calhar estavam a tirar-vos fotografias porque estavam com a cara tapada, não? Não é nenhuma figura pública para no dia seguinte aparecer na capa dos jornais por ir ver um treino…
“Não sabia o que se estava a passar”, continuou. “Diziam-me ‘Vai lá ver, vai lá ver’. Mas eu não sabia o que é que ele estava a dizer. A seguir vejo uma tocha no descampado à frente, mais uma tocha que estava num carro que agora já sei que é um Porshe. Fiquei a falar com o senhor Jorge Jesus”, contou, prosseguindo: “O Jorge Jesus ficou para trás. Perguntou-me o que se estava ali a passar e disse-lhe que não sabia, que ia só ver o treino. Foi aí que me pediu para ir com ele à ala profissional. E eu como tinha alguma curiosidade fui lá ver o que se estava a passar”, antes de mais uma “farpa” de Sílvia Rosa Pires, juíza presidente do coletivo.
– Oh senhor Sérgio, podem dizer o que quiserem para a vossa defesa, mas não podem passar um atestado de imbecilidade, isso é que eu não admito. Usava um cachecol? Usava um cachecol em maio?
“Fiquei no hall, vi o Manuel Fernandes [na altura diretor do scouting dos leões] e depois vim embora. Viro à esquerda e fui embora. No momento em que eu saí, havia mais pessoas a sair”, salientou. “Então o senhor vê uma pessoa com a cara tapada no meio da rua e acha normal?”, questionou a juíza. “Foram segundos, eu ia embora. Entrei dentro do carro. Estava com o meu amigo Jorge Fernandes. Os outros que vinham connosco são pessoas com quem não lido diariamente, não sei os nomes deles. A polícia revistou o carro todo e mandou-me seguir”, antes de voltar a repetir que não percebera nada do que se estava a passar na Academia verde e branca.
Mais tarde, foi-lhe mostrada uma fotografia em que surge de cara meio tapada, além das imagens do circuito CCTV interno da Academia, com a juíza a pedir para identificar se era ele ou não. “Não conhecia o sítio, não conhecia a ala profissional”, disse Sérgio Costa, antes de mais uma resposta mais “seca” da juíza perante o que ia ouvindo.
– Para quem não conhecia o sítio, ia muito ditoso… (…)
– Estou mesmo muito arrependido de lá ter ido.
– Arrependido do quê se foi só lá só ver o treino?
– Fui lá para falar com os jogadores e incentivá-los.
– Mas foi para incentivar ou contestar? Isso já parece um discurso esquizofrénico…
– Primeiro ia ver o treino, depois ia manifestar o meu descontentamento, ao mesmo tempo ia incentivar para a final da Taça de Portugal…
As incongruências sucediam-se. “Não fomos lá para contestar”, dizia Sérgio Costa. “Isso é missa contada… Se foi lá para ver um treino… Mas afinal, o que pretendia fazer nesse dia?”, questionou a juíza. “Então o senhor está arrependido de ter ido fazer número…”, acrescentou de seguida, já a revelar-se enfadada com as respostas.
– Sim, estou arrependido. Prejudiquei os jogadores e a família dos jogadores.
– Mas se não fez nada como é que prejudicou a família dos jogadores? Já lhe disse isto várias vezes. Não é com palavras más que se motiva as pessoas…
A sessão terminou numa altura em que o advogado de Sérgio Costa tirou o arguido para uma zona à parte do Tribunal de Monsanto, percebendo o caminho que o testemunho estava a levar. Assim, e passada hora e meia, estava encerrado o depoimento de mais um arguido, no final do 31.º dia de julgamento do caso de Alcochete. Esta quarta-feira serão ouvidos (pelo menos) mais dois arguidos, Tiago Silva e Luís Almeida.