A diretora do Museu Gulbenkian está “relativamente otimista” em relação aos próximos meses. “Em comparação com os teatros, os cinemas ou os concertos, diria que a posição dos museus é um pouco privilegiada. Os museus são lugares seguros, permitem uma experiência individualizada e o desafio agora é tornar essa experiência mais atraente”, disse Penelope Curtis ao Observador.

Num contexto de grande incerteza provocada pela pandemia do novo coronavírus, já é certo que os museus portugueses vão reabrir quase todos a 18 de maio, uma segunda-feira — por coincidência, é Dia Internacional dos Museus. A data foi anunciada a 30 de abril como parte do “plano de desconfinamento” do Governo. No caso das salas de teatro e cinema, o regresso à atividade pode dar-se a partir de 1 de junho, mas instituições como o Teatro Nacional D. Maria II ou o Teatro da Trindade, em Lisboa, fizeram saber que preferem esperar por setembro. Os museus, palácios e monumentos podem já avançar no dia 18 e é isso que vai acontecer.

Paira alguma apreensão entre responsáveis com quem o Observador falou nas últimas horas. Mas há também um desejo de regresso à normalidade e essa normalidade vai ficar marcada nos próximos tempos por dois aspetos fundamentais: reforço da presença dos museus na internet, para chegar ao público estrangeiro por via virtual, e um apelo mais direto aos portugueses, que por enquanto serão o grande contingente de visitantes reais. Parece sair reforçada a noção muitas vezes referida por museólogos de que um museu não é um edifício, mas um projeto cultural muito vasto, independentemente do local ou dos meios de apresentação.

O Museu Gulbenkian, que inclui uma coleção de arte moderna, suspendeu atividades e fechou portas a 13 de março, em vésperas do primeiro decreto presidencial de estado de emergência. Nessa altura tinha inaugurado uma exposição de mobiliário francês, que irá ser retomada a partir de 18 de maio. Já a exposição Esculturas Infinitas, que teria começado em abril, transita para 17 de setembro. Além disso, a ala da coleção moderna (no edifício que dá para a Avenida de Berna) deveria fechar apenas em agosto para obras de remodelação, mas com esta crise encerrou já e só reabre em 2022.

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Agora a “grande questão” é a de saber “o grau de apreensão entre as pessoas que voltam a visitar o espaço”, apontou Penelope Curtis. “Não sabemos como será, mas teremos limitação no número de pessoas em cada área e reforço da limpeza e recomendamos distância social. A reabertura funcionará dentro de novo modelo de organização do espaço.”

Historiadora Penelope Curtis dirigie o Museu Gulbenkian desde setembro de 2015 (©JOÃO SEGURO/OBSERVADOR)

Ministério da Cultura prepara “manual orientador”

No setor público, as decisões estão a ser tomadas em bloco e abrangem todos os museus, monumentos e palácios. O Ministério da Cultura garantiu ao Observador que “estão a ser criadas as condições necessárias para a reabertura no dia 18 de maio”, incluindo um “um manual orientador” com “medidas necessárias de acordo com as orientações de saúde”. Exemplos dessas medidas, segundo a assessoria da ministra Graça Fonseca:

“uso de máscara obrigatório”;

“garantir que cada visitante dispõe de uma distância mínima dois 2 metros lineares para qualquer outra pessoa que não seja sua convivente”;

“minimizar pontos de concentração/foco dos visitantes, preferencialmente desativando equipamentos que necessitem ou convidem à interação”;

“admissão de visitantes é realizada de forma livre ou por conjuntos de pessoas (dependendo da dimensão média das salas do equipamento)”;

“vigilância à entrada das instalações sanitárias por forma a garantir que na respetiva utilização se mantém a lotação máxima por metro quadrado”;

“garantir a higienização das mãos”.

Através da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), o Ministério da Cultura tem 25 monumentos e museus a cargo, incluindo cinco monumentos inscritos na lista do património mundial da UNESCO.

Nos últimos dias, a DGPC organizou uma reunião virtual com diretores de museus e perguntou-lhes se tinham condições para reabrir no dia 18. A resposta maioritária foi positiva, tendo a tutela assumido o compromisso de, até lá, lhes fazer chegar equipamentos de proteção individual e acrílicos de proteção entre funcionários e público.

Desconhece-se se a nova lei de autonomia dos museus — aprovada em junho do ano passado, mas ainda não aplicada em toda a extensão — irá ou não interferir nas decisões de cada instituição relativamente a este assunto. Questionado, o Ministério da Cultura sugeriu que não. Na sequência do plano de desconfinamento, o diálogo entre a DGPC e os diretores tem tido um terceiro interlocutor, as autoridades de saúde, e o objetivo é o de fixar “normas e recomendações orientadoras a aplicar a todos os museus, monumentos e palácios”, disse a assessoria de Graça Fonseca.

Entusiasmo no Museu Grão Vasco

“Estou entusiasmada com a reabertura, porque temos de dar um sinal de alguma normalidade e de que é possível fazer coisas”, comentou Odete Paiva, diretora do Museu Nacional Grão Vasco, em Viseu, uma das instituições pertencentes à DGPC. “Vamos reabrir com cuidados, num contexto diferente, claro, e sabemos que não estamos isentos de risco. Mas é possível contornar, minimizar e acautelar. Temos de começar a avançar aos poucos.”

Localizado num antigo seminário (o Paço dos Três Escalões), o centenário Museu Grão Vasco é conhecido pela coleção de pinturas de altar e objetos religiosos provenientes de igrejas católicas da região. Teve 66 mil visitantes no ano passado, de acordo com números provisórios oficiais divulgados há poucos dias. As portas fecharam-se a 16 de março, o que segundo Odete Paiva constituiu “um momento muito estranho”.

“Foi difícil não sabermos quando voltaríamos a abrir. Nestes dois meses, mantivemos a nossa obrigação de conservação do espólio à nossa guarda, com atenção às questões da humidade do ar, da segurança, etc. Desse ponto de vista, o museu continuou a cumprir a sua missão e estou tranquila”, explicou a diretora, no cargo desde dezembro de 2018. “Quanto ao público, e é para ele que existimos, não sei como irá reagir. Só saberei quando reabrir as portas, mas estou esperançosa.”

A partir do dia 18, a instituição vai manter a programação digital, sobretudo a pensar nos estudantes e nos turistas, ao mesmo tempo que aposta mais no grande público português.

“A nossa influência geográfica vai para além do concelho, inclui o distrito e alcança Salamanca. Os espanhóis são um público extremamente relevante. Enquanto tivermos as fronteiras fechadas e as escolas paradas, vamos manter-nos mais ativos na internet. E claro que queremos chegar ao público interno, que é aquele que agora tem possibilidade de se deslocar até nós”, acrescentou Odete Paiva.

Câmara de Lisboa decidiu que Museu do Fado é um dos equipamentos que o público pode visitar a partir do dia 18 (©PAULO CORDEIRO/LUSA)

Lisboa reabre quase todos os museus

Os museus, galerias e monumentos geridos pela Câmara de Lisboa através da empresa municipal de cultura EGEAC reabrirão quase todos no dia 18: Museu da Marioneta, Museu do Fado, Museu do Museu Bordalo Pinheiro, do Museu do Aljube, Museu de Lisboa (núcleos Palácio Pimenta, Teatro Romano, Santo António) e ainda o Padrão dos Descobrimentos.

Mas há exceções: o Atelier-Museu Júlio Pomar e a Casa Fernando Pessoa continuarão fechados depois do dia 18. E o Castelo de S. Jorge só reabrirá a 1 de Junho. A informação foi partilhada na quinta-feira através da página da Câmara de Lisboa no Facebook.

Serviços e equipamentos da cidade vão retomar progressivamente a sua atividade.Conheça as medidas de desconfinamento adotadas pela Câmara de #Lisboa, após o estado de emergência ????https://bit.ly/2WauDab

Posted by Câmara Municipal de Lisboa on Thursday, May 7, 2020

Ao Observador, a presidente da EGEAC explicou que a Casa Fernando Pessoa, está encerrada para obras de requalificação. “Estava previsto reabrir em mai, mas com esta situação entendeu-se adiar a abertura para uma nova data, a anunciar oportunamente, no segundo semestre”, adiantou Joana Gomes Cardoso.

O Atelier-Museu Júlio Pomar reabrirá no início de junho, depois de montada uma nova exposição. Desde o encerramento, o espaço beneficiou de uma pintura geral, com a consequente retirada de todas as obras expostas.

“No que se refere ao Museu de Lisboa, o núcleo do Torreão Poente do Terreiro do Paço não será reaberto ao público este ano, pois vai entrar em obras de grande vulto”, pormenorizou a mesma responsável.

No capítulo das medidas concretas, e sendo certo que ainda não estão totalmente fechadas, Joana Gomes Cardoso referiu que se prevê:

“obrigatoriedade de utilização de máscara em todos os espaços museológicos”;

“controlo de acessos para limitação do número de visitantes no interior dos espaços”;

“limpeza e desinfeção diárias e periódicas dos espaços, equipamentos, objetos e superfícies com os quais haja um contacto intenso”;

“disponibilização de soluções líquidas de desinfeção para os visitantes”;

e ainda máscaras, viseiras e luvas para os trabalhadores dos equipamentos, além da “instalação de divisórias acrílicas nas bilheteiras”.

Joana Gomes Cardoso é a da opinião de que, em consequência da crise pandémica, “a utilização do online continuará a ser uma ferramenta valiosa, mas numa lógica complementar”, pois “nenhuma plataforma digital deverá substituir a experiência de ver uma obra de arte ao vivo”.

“Haverá, entretanto, um trabalho intenso para restabelecer a confiança do público e fazer com que volte a museus e monumentos, garantindo-lhe medidas de segurança, mas também novas formas de apresentação e de interação com as obras”, disse a presidente da EGEAC. “Estamos a acompanhar atentamente as discussões internacionais sobre estas questões, para identificar as melhores soluções para os nossos museus e monumentos. A contingência pode e deve ser uma oportunidade para repensar paradigmas e, no caso português, para tentar elevar os níveis de participação cultural que continuam a ser dos mais baixos da Europa.”

É o fim das exposições blockbuster?

Dá-se por adquirido que o número de visitantes terá um decréscimo no contexto da pandemia. A estimativa do Ministério da Cultura é de uma “quebra significativa”. Para Penelope Curtis, a vertente online tentará compensar, mas a aposta fundamental do museu, enquanto edifício, será no público interno.

“A grande mudança está em que 60% dos nossos visitantes são turistas e agora sinto que teremos mais portugueses. Por um lado, é uma oportunidade de nos virarmos para o público internacional através da internet. Desse ponto de vista, a covid foi um treino para pensarmos com mais tempo em novas formas de interação online, que era algo em que já estávamos a trabalhar”, explicou a diretora, no cargo há quase cinco anos. Em 2018, o museu alcançou mais de 485 mil visitantes, dizem os números oficias.

Penelope Curtis quer “crianças, idosos e imigrantes desfavorecidos” no Museu Gulbenkian

Penelope Curtis prevê que nos próximos meses “talvez os relógios voltem para trás”, no sentido em que os museus terão de abandonar hábitos recentes. “Nos últimos anos, criou-se uma dependência dos eventos blockbuster e das grandes exposições. Nos próximos tempos, não se pode fazer isso, porque a aglomeração de pessoas não é viável. Temos de encontrar maneiras de lidar com isso. A experiência do visitante irá ser mais individual e temos de tornar o espaço do museu mais atraente para as novas gerações.”

A mesmo opinião é partilhada por Maria João Vasconcelos, que dirige o Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto, surgido há quase 200 anos e conhecido pelas coleções de pintura e escultura do fim do século XIX e inícios do XX.

“A certa altura houve a tendência de medir o sucesso dos museus pelo número de visitantes. Acho que esses critérios vão agora ser postos em causa e o sucesso poderá ser medido muito mais pela qualidade do que pela quantidade”, sublinhou Maria João Vasconcelos. “Sentia-se, aliás, nos últimos tempos, antes a pandemia, uma curiosidade acrescida das pessoas em descobrir aquilo que não é tão evidente. As exposições temporárias que se debruçam sobre aspetos de nicho ou novas formas de olhar têm despertado muito interesse.”

Autorretrato de Aurélia de Souza é uma das obras emblemáticas do Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto (©ESTELA SILVA/LUSA)

No panorama das reaberturas, o Soares dos Reis é uma exceção, mas por motivos anteriores à crise de saúde. Desde o verão passado, o museu tem encerrado diferentes alas para obras de remodelação, que aliás não pararam nos últimos dois meses.

“Ainda estamos com andaimes, há um pequeno atraso, mas durante o verão fica quase tudo resolvido e nessa altura já podemos abrir novamente”, indicou a diretora. “A questão da circulação de pessoas e outros pormenores terão de ser estudados, para cumprirmos regras de saúde, mas até lá temos tempo de aprender também com a experiência dos museus que reabrem entretanto.”

Na opinião desta responsável, o “fascínio” do contacto direto com a obra de arte “é insubstituível”. “Na vertente online pode haver entusiasmo e aprendizagem, e há, mas o público gosta da experiência real. As pessoas têm-nos mostrado que as oficinas nos museus, aqueles momentos em que podem ver, mexer, pintar, tudo isso está em crescendo. A atitude dos curadores e conservadores deve ter isso em conta. É também tempo de os museus arriscarem mais, não podemos ter medo de experimentar.”

[notícia atualizada a 8 de março, às 18h05, com declarações da presidente da EGEAC]