Duas semanas depois de conhecidas as primeiras ideias entregues ao Governo, o plano para dar a volta à economia portuguesa no horizonte de dez anos é apresentado esta terça-feira por António Costa Silva. As propostas do consultor, e presidente da Partex, vão ser discutidas por especialistas numa sessão que se realiza no Centro Cultural de Belém de manhã. O Observador teve acesso ao documento de 142 páginas, entretanto divulgado, e faz aqui um guião que elenca os objetivos, eixos estratégicos e destaca alguns projetos concretos e clusters setoriais defendidos na “Visão estratégica para o plano de recuperação económica de Portugal 2020-2030”.

Os 9 objetivos estratégicos

    1. Terminar a construção da rede estratégica de infraestrutura nos transportes, ambiente e energia;
    2. Reforçar aposta na qualificação das população, através da aceleração da transição digital e novos modelos de trabalho no setor privado e no Estado;
    3. Reforçar o Serviço Nacional de Saúde para aumentar capacidade de resposta, o que passa pela evolução da organização para serviços mais flexíveis e diversificados, potenciando um cluster de saúde nacional que possa afirmar-se no mercado internacional;
    4. Investir no Estado social para criar emprego e riqueza e reduzir a pobreza e a exclusão social;
    5. Apostar na reindustrialização — Costa Silva diz que este processo não significa um regresso ao passado, mas sim um salto para uma nova geração industrial necessariamente mais digital. É aqui que entram as energias renováveis, o hidrogénio verde, a economia sustentável, bem como os recursos minerais, e o mar, mas sempre respeitando o princípio da descarbonização;
    6. Reconversão industrial para o futuro, preparar as empresas para a transição energética e a descarbonização, o que passa por modelos de economia circular, cadeias de abastecimento curtas a partir da exploração de recursos endógenos;
    7.  Apostar na eficiência energética mais do que nunca. Renováveis descentralizadas para mudar a matriz energética, mas também para potenciar a criação de emprego intensivo e qualificado, combater a pobreza energética;
    8. Coesão do território com apoio à biodiversidade e transformação da paisagem. Uma floresta mais ordenada e agricultura mais adaptada às condições do território e pronta para enfrentar as alterações climáticas;
    9. Cidades mais verdes. Apoios à habitação de longa duração, mobilidade urbana elétrica e ciclovias e novas soluções de logística urbana.

Estes objetivos servem de ponto de partida para a identificação de dez eixos estratégicos para o investimento que inclui também um capítulo para a Cultura, Serviços Turismo e Comércio.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

As infraestruturas que é preciso criar, desenvolver ou concluir

Transportes

Concluir o plano ferroviário, com prioridade para o eixo Sines-Madrid e para a renovação da Linha da Beira Alta, dois eixos fundamentais para a circulação de mercadorias. Construir um eixo ferroviário de alta velocidade Lisboa/Porto para passageiros. A proposta retoma um projeto antigo de desenvolvimento faseado ao longo da Linha do Norte que combina modernização e troços totalmente renovados. O plano defende que o primeiro troço deve ser Porto/Soure e também aposta numa ligação “posterior” a Espanha (Madrid em princípio), para equilibrar a exploração comercial do serviço, e a médio prazo numa ligação Porto-Vigo.

Investir para aumentar a capacidade dos portos de Sines e Leixões, reforçando a integração dos portos em cadeias logísticas e tirando partido de uma digitalização com investimentos na rede 5G. Para Sines, é ainda defendida a criação de um terminal para exportar minérios estratégicos como o lítio. Resolver o estrangulamento (geográfico e laboral) do Porto de Lisboa e uma das propostas mais fora da caixa: reconverter o porto da Praia de Vitória (ilha Terceira) para uma “espécie de estação” para abastecer gás natural (liquefeito) a navios.

Transportes públicos. O programa defende expansão dos metros de Lisboa e Porto, já em curso, mas também a criação de sistemas em cidades secundárias como Braga, Aveiro, Guimarães, Leiria, Évora e Faro.

Aeroportos. Construir o aeroporto para a grande área metropolitana de Lisboa, uma descrição que parece encaixar melhor no projeto pensado para Alcochete de um grande aeroporto de raiz do que na atual solução da Portela mais Montijo.

O setor da saúde

Esta é uma das áreas que mais atenção merece no plano Costa Silva que defende a conclusão da rede do Serviço Nacional de Saúde (SNS) com a construção dos novos hospitais Lisboa Oriental, Seixal, Évora e Algarve.

Mais meios para os centros de saúde e a ampliação da rede nacional de cuidados continuados, também são previstos, mas a ambição vai mais longe com a ideia de transformar Portugal “numa fábrica da Europa”. Este objetivo aposta em desenvolver um “hub internacional” em ciências da saúde, dos medicamentos e dispositivos inovadores, passando por mais investigação e a atração de consórcios internacionais, sem esquecer a fileira de equipamentos para proteção individual e a exploração de valências na metalomecânica ligeira.

É referido ainda um plano de investimentos para uma “infraestrutura nacional de terapia oncológica com protões”, baseada em Loures, o que passaria por reconverter o centro nuclear de Sacavém.

A reindustrialização, os recursos minerais e os clusters

Para um homem que vem da indústria petrolífera, o que aliás suscitou reservas à sua escolha, o plano de António Costa Silva evita o petróleo e o gás natural (cuja prospeção o Governo socialista travou). As prioridades vão para as energias renováveis, mas também para a exploração de recursos minerais que são fundamentais para a expansão das primeiras que exigem maior capacidade de armazenamento. É neste capítulo que surgem propostas para vários clusters, conceito promovido em Portugal há mais de 20 anos por Michel Porter, e que tem forte presença no plano Costa Silva.

Engenharia de produtos e sistemas complexos a partir das tecnologias industriais. O mar e a pesca (em particular a aquicultura), a agricultura, a mobilidade elétrica, o setor da energia, têxteis e defesa, são alguns do setores onde este cluster pode ganhar asas.

Indústrias e economia da defesa. Pegar num setor que vale 3% do Produto Interno Bruto e que já tem multinacionais como a Embraer e dar-lhe escala, o que passa também por executar investimentos previstos na lei de programação militar e tirar partido de instalações como o Alfeite e os estaleiros de Viana do Castelo.

Energias renováveis. Depois das eólicas replicar o modelo de desenvolvimento de uma base industrial para a energia solar.

Hidrogénio verde. A nova fileira industrial está prevista na estratégia do Governo já apresentada e que passa por apostar neste gás para promover a descarbonização da indústria de elevada intensidade energética (cimentos, químicas e siderúrgicas), mas também pela exportação deste gás, partindo do uso de energia solar (teoricamente produzida a preços mais baixos) para processar o novo combustível.

Lítio e outros minérios. O plano quer incentivar as empresas a explorar estes recursos minerais essenciais à eletrificação do consumo de energia, em particular no que toca à necessidade de baterias para a armazenar energia produzida a partir de fontes renováveis. Para além do polémico lítio, Costa Silva aponta na direção do nióbio, do tântalo e das terras raras (conceito que abrange vários elementos químicos usados em vários setores industriais e de alta tecnologia).

O mar. Atividades como a pesca e a aquicultura podem ganhar outra dimensão com investimento forte na tecnologia e no processamento de informação que permita assegurar uma exploração de recursos sustentável e um aumento da produtividade. O plano inclui incentivos para renovar frota pesqueira e equaciona uma aliança estratégica com a Galiza para criar uma fileira alimentar do mar.

O plano prevê ainda a ponderação de um plano de investimentos para aproveitar recursos minerais que podem existir nos leitos marinhos, como o níquel e o cobalto, através do uso de sistemas robotizados. Esta estratégia implicaria criação de consórcios internacionais e a intervenção do Estado, bem como de empresas nacionais. A ponderar também um plano para explorar sulfuretos polimetálicos (chumbo, zinco e o cobre) a médio prazo existentes nos mares dos Açores. Também para este arquipélago é defendida a criação de um centro universitário de investigação e tecnologia de reputação internacional dedicado aos oceanos. Para Lisboa, é apontada a criação de uma bolsa do mar que concentre instituições dedicadas a financiar investimentos nesta área, conhecida como a economia azul.

O documento elaborado por Costa Silva tem ainda um capítulo dedicado à coesão territorial com várias ideias para desenvolver o interior do país, apostando na ligação entre a economia local, a agricultura e florestas e os polos universitários. E defende ainda na criação de espaços económicos entre o interior do país e as regiões espanholas do outro lado da fronteira. Identifica condicionantes, oportunidades e limitações onde se avalia o papel do Estado, o sistema bancário e a intervenção dos reguladores. O investimento e o seu financiamento também são avaliados, com o plano europeu de recuperação (ainda em discussão) a assumir um papel central, bem como a necessidade de criação de novos instrumentos financeiros e um banco promocional, o Banco do Fomento.

A atribuição de incentivos fiscais a projetos de economia verde e o aprofundamento da reforma da fiscalidade verde, com a transferência progressiva da carga fiscal do trabalho para atividades poluidoras e consumidoras intensivas de recursos, que devem ser penalizadas, é outra nota referida.

A defesa de um sistema judicial menos formalista e mais orientado para a justiça fiscal e económica, concluem o documento.