Eddie Van Halen, guitarrista virtuoso, um dos expoentes máximos do instrumento na história do rock’n’roll, morreu esta terça-feira, 6 de outubro, aos 65 anos, vítima de cancro. A notícia foi confirmada pelo filho, através do twitter.

“Não acredito que tenho de escrever isto, mas o meu pai, Edward Lodewijk Van Halen, perdeu a sua longa e árdua batalha contra o cancro esta manhã. Ele foi o melhor pai que alguma vez podia ter tido. Todos os momentos que partilhei com ele, no palco e fora dele, foram um privilégio. O meu coração está desfeito e acho que nunca vou recuperar desta perda”, escreveu Wolfgang Van Halen, que tocava baixo na banda do pai desde 2007, ano em que o grupo concretizou a reunião há muito reclamada pelos fãs com o vocalista original, David Lee Roth.

“Eruption”, a segunda faixa do álbum de estreia dos Van Halen, disco homónimo, editado em 1978, é até hoje o símbolo maior da técnica do guitarrista: menos de dois minutos de um estilo explosivo, com a distorção nos limites, que moldou boa parte do rock’n’roll feito nos anos 80, construído sobre excesso, herdeiro do glam de setentas, mas a depositar toda a confiança e ambição nos amplificadores (além dos penteados e do spandex), piscando o olho a teclas e sintetizadores sempre que possível. Em 2012 foi aclamado pela revista Guitar World como o melhor guitarrista de sempre, numa lista de cem nomes. Até hoje — e assim deverá continuar — Eddie Van Halen é associado ao tapping, a técnica que se baseia em tocar as cordas da guitarra com os dedos no braço do instrumento, ao longo de todo o fretboard, sem usar a palheta.

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[Van Halen e “Eruption”, numa versão ao vivo:]

Ainda que Van Halen tenha sempre dito que não foi o inventor do tapping — o próprio chegou a apontar Steve Hackett, histórico guitarristas dos Genesis, como o criador da técnica, mas também invocou as horas a ver Jimmy Page, dos Led Zeppelin, como fonte de inspiração — foi ele que o popularizou e levou a limites que ainda hoje permanecem como referência. Fã incondicional de muitos outros guitarristas dos anos 60 e 70, de Hendrix a Eric Clapton, Van Halen conseguiu assimilar influências e criar um estilo que foi a pedra base em que assentou toda a obra da banda que formou com o irmão, o baterista Alex Van Halen, em 1972.

O grupo haveria de vender milhões de discos em todo o mundo, assumindo-se como uma das bandas mais populares do rock feito entre as décadas de 80 e 90. Aliás, a fama e a glória chegaram-lhe tão rápido que poucos anos depois da estreia em disco, Eddie Van Halen assinava uma das linhas de guitarra mais famosas da pop — a de “Beat It”, canção incluída no álbum Thriller, de Michael Jackson, editado em 1982.

[“Beat It”, de Michael Jackson, ao vivo em 1984, com Eddie Van halen na guitarra:]

Eddie Van Halen nasceu a 26 de janeiro de 1955 em Amesterdão, na Holanda. Haveria emigrar para os EUA em 1962, fixando morada em Pasadena, na Califórnia, com a família. O pai, Jan Van Halen, foi a primeira referência, ainda que partindo de um universo totalmente distinto: Jan tinha formação clássica e tocava clarinete, saxofone e piano — instrumento, que na verdade, fez a preferência de Eddie durante muitos anos. O rock’n’roll acabou por tomar conta dos dois irmãos. Alex dedicou-se à bateria, Eddie escolheu a guitarra para não ficar para trás, como confessou em diferentes entrevistas.

Depois do primeiro álbum, em 1978, os Van Halen tornaram-se num dos maiores nomes do rock americano. Venderam mais de 80 milhões de discos e durante anos assinaram sucessos que se tornaram clássicos: “Ain’t Talkin’ About Love”, “Dance The Night Away”, “Jump”, “Panama”, “Hot for Teacher”, “Runnin’ With The Devil” ou “Can’t Stop Lovin’ You”.

[“Jump”:]

Em 1985, David Lee Roth abandona o grupo. Além da guitarra de Eddie Van Halen, David Lee Roth, enquanto vocalista e frontman carismático, era a outra metade que assegurava o sucesso da banda. A separação aconteceu seguindo todas as regras do rock’n’roll: egos incompatíveis, carreiras paralelas, drogas e o estrelato extra-música. Com a entrada de Sammy Hagar para ocupar aquele lugar livre, conseguiram, apesar de tudo, manter a popularidade e a produtividade.

Em meados da década seguinte, com a saída de Hagar (que haveria de regressar durante um par de anos já no século XXI) e com aquele rock preso a um tempo que já não era amigo do airplay, das televisões nem da venda de discos (os concertos mantiveram-se sempre como a referência do percurso do grupo, com uma legião fiel de seguidores), a atividade dos Van Halen abrandou, o mediatismo ainda mais e a entrada de Gary Charone (que até então estava nos Extreme de Nuno Bettencourt) para o lugar de vocalista não representou mudança notória.

[“Can’t Stop Lovin’ You”, com a voz de Sammy Hagar:]

Fizeram uma pausa entre 1999 e 2003, experimentaram o tal curto regresso de Sammy Hagar, mas só em 2007 os Van Halen haveriam de protagonizar o que de mais próximo conseguiram de um retorno de corpo inteiro. Chegaram mesmo a gravar um novo álbum de originais, A Different Kind of Truth, 14 anos depois do anterior, Van Halen III, de 1998.

Eddie Van Halen, paradigma do estereótipo de um rock’n’roll feito de excessos, há muito que lutava contra o abuso de álcool e drogas. As acrobacias que insistiu em fazer no palco durante anos trouxeram-lhe problemas motores — teve mesmo que ser submetido a uma cirurgia para substituir a anca. Em 2000 foi forçado a retirar parte da língua devido a um tumor. E já em 2019 foi tornado público que o músico combatia um cancro na garganta há cinco anos.

Entre milhões de fãs pelo mundo e outros tantos que sempre viram nos Van Halen o exemplo maior de uma forma de escrever, interpretar e viver o rock’n’roll com demasiada gordura, o homem que fundou a banda, à parte de todas as classificações, elogios ou críticas, conquistou um lugar raro: o de virtuoso dado à composição de canções de corpo inteiro; o técnico que ajudava fabricantes a desenvolver guitarras, amplificadores e processadores de efeitos, mas que, contas feitas, apenas queria voltar para a sala de ensaios, assinar discos, tocar ao vivo e fazer parte de uma banda. E houve muito poucos que o conseguiram da mesma forma que Eddie Van Halen conseguiu. Neste nível de excelência instrumental com o mesmo sucesso, provavelmente foi o único.