Nos velhos tempos do machismo a questão podia ser colocada assim: o que é que aconteceu às mulheres quando lhes deram autorização para sair da cozinha? Algumas descobriram a porta de saída de casa e fugiram de maridos violentos; mais recentemente, uma geração de compositoras de indie-rock parece ter encontrado a sala do piano ou da guitarra, o que nos tem valido anos de extraordinária música no feminino, de Angel Olsen a Julia Jacklin, passando por Sharon van Etten.

Antes de me cancelarem, permitam-me que peça perdão pelo início do parágrafo anterior – tratou-se apenas de usar termos em desuso para expressar um fenómeno curioso: à medida que o indie-rock, que sempre foi coisa de rapazes, foi perdendo o interesse e as guitarras no masculino se tornaram aborrecidas, as mulheres aproveitaram esse vazio e tomaram o género de (as)salto, criando as melhores malhas (“Pristine”, de Snail Mail, “Pressure to party”, de Julian Jacklin) e os discos mais imaginativos (Titanic Rising, de Weyes Blood, All Mirrors, de Angel Olsen).

Faz sentido: no mundo pós-MeToo as mulheres reclamam cada vez mais os mesmos direitos dos rapazes – liderar uma banda, fazer barulho enquanto se expressa a dor ou o espanto perante o mundo, dizer coisas escandalosas. É nesta última categoria que Sarah Mary Chadwick à primeira vista se encaixa: ouvir as suas canções – em particular no seu mais recente disco, Me and Ennui Are Friends, Baby – é como entrar na sala do piano e deparar com um livro de pautas e o diário dela, que lemos à socapa, sentindo por vezes vergonha alheia, outras rindo, numa sucessão de confissões, rabugices e one-liners que nos leva a sentir uma curiosidade obscena por aquela pessoa que não sabemos quem é. Ou, dependendo da canção, a ter medo.

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