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David Berman: o homem que resumia a vida num par de linhas

João Bonifácio fez uma precária e patética tentativa de dar sentido à perda do maior escritor de canções americano dos últimos 30 anos, ao seu herói. Mas o que queria mesmo, era pôr todos a ouvi-lo.

É um bocadinho irónico que a palavra que o meu amigo Ricardo encontrou para me dar a notícia da morte de um dos homens mais literatos ao cimo da Terra não tenha sido nem elegante nem sofisticada. O choque entorpece-nos e não há poetas na trincheira — “FODA-SE”, escreveu ele. Estava a comer um pêssego quando olhei para o telefone e soube de David Berman — e o pêssego soube-me a limão azedo e desde então é como se o que quer que eu coma, beba ou respire me soubesse a limão azedo. A sensação que tenho é a de que naquele instante fui cobaia num teste experimental para aferir a violência de uma arma química chamada agonia: o estômago dobrou-se como aquela curva de Monza onde Senna morreu; as minhas pernas imitaram as de Jorge Jesus no momento do golo de Kelvin; o meu cérebro implodiu e no seu lugar ficou raiva e choque e, passada uma semana, uma saudade estúpida que não passa.

Há quase vinte anos que escrevo sobre rock’n’roll. Inventei obituários e mais obituários em cima do joelho, fiz uma data deles adiantados, porque no rock’n’roll é assim. Mas desta vez é diferente e desta vez estou sem palavras – e, ouçam, eu nunca estou sem palavras. Consigo escrever sobre a devoção de mais de vinte anos pela música de David Berman, o melhor – de longe – da sua geração. Mas não sei como falar do que representa a morte do David Berman, a pessoa. O meu luto é duplo: pelo meu herói e pelo meu amigo. Sempre que tento começar este texto lembro-me da mensagem do Ricardo e acho que tudo o que tenho a dizer é isso e só isso: foda-se.

Morreu David Berman, escritor, compositor e músico dos Purple Mountains e Silver Jews

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Se não acreditam em mim quando digo que o David era o melhor da sua geração, então acreditem em Lloyd Cole que, há uma semana, quando o David se suicidou, lhe chamou no Twitter “the best of his generation”. Acreditem em John Darnielle, dos Mountain Goats, que disse que Berman não tinha competição — ele estava tão acima de todos os outros que era a sua própria competição. Acreditem em Bill Callahan que disse que o mundo era uma letra de David Berman.

A razão pela qual tanta gente nutria tanto apreço pela música que David Berman fez a bordo dos Silver Jews e dos Purple Mountains residia nas palavras. Não que as canções não fossem boas — eram todas ótimas, patinando (trôpegas, lo-fi, erráticas) naquela esguia fronteira entre o indie-rock e a country, entre a folk mais crua e o psicadelismo mais doce. Mas as palavras tornavam aquelas canções admiráveis em monumentos transcendentes em que nós, os fãs, reconhecíamos a fragilidade da vida.

Se forem ao Twitter e fizerem uma busca por David Berman irão encontrar uma data de obituários de jornais e tweets de fãs na última semana — não há um que não cite compulsivamente one-liners dos Silver Jews ou dos Purple Mountains. A capacidade que ele tinha de resumir a vida num par de linhas estava para lá do que considerávamos humanamente possível. Ouvi-lo era ser abalroado por uma constante sensação de espanto. Um exemplo, de “Pretty Eyes”, canção de Natural Bridge:

“Everybody wants perspective from a hill
But everybody’s wants can’t make it past a window sill”.

Estas duas linhas explicam a distância que vai entre as nossas ilusões e a realidade — e de certa maneira foi sempre esse o métier de Berman: ele escrevia sobre quão é difícil é andar cá e entender isto. A vida, nas canções de David Berman, é uma série de peças deixadas ao acaso numa sala escura e sem janelas, peças que parecem não encaixar e para as quais não encontramos folha de instruções à maneira da Ikea.

Nas suas canções há autocolantes de automóvel que falam e o tempo é um jogo com o qual só as crianças sabem brincar, há jukeboxes que sofrem e a angústia é um coelho gelado numa estrela: Berman escrevia sobre solidão e amores que deixavam de o ser, sobre errar, estar perdido e sentir dor, mas escrevia como quem abre os olhos pela primeira vez para o mundo e o mundo espanta e fere tanto que é preciso dizer dele com a precisão de quem desenha um mapa para o tesouro, com a precisão de quem arranca um cancro. Ele não arrancava o cancro, as canções não têm esse poder, claro, mas mostrava os nossos cancros metafóricos na sua patética e desarmante humanidade.

Isto é David Berman em 2001, na última canção de Bright Flight, “The death of an heir of sorrows”, que versa a morte por sobredose de heroína do seu amigo Robert Bingham:

“I have not avoided certainty
It has always just eluded me
I wish I knew
I wish I knew for true”.

Esta foi uma das letras mais citadas nas 48 horas após a morte do David. Havia algo de incomum naquelas homenagens e mesmo nos obituários. Por norma, no rock’n’roll, os obituários tendem a uma espécie de exagero oco, como se aqueles elogios fossem obrigação contratual de escritores profissionais: “Ele mudou a música para sempre”, é o tipo de frase que encontramos nesses textos.

Mas não nos obituários acerca do David: eram todos extremamente pessoais. Pessoas revelavam dependências, falavam de divórcios e da morte dos pais e de como as canções dele eram como almofadas que usávamos para amparar as nossas próprias quedas e tropeções — não eliminavam a solidão, mas tornavam-na menos insuportável. Eram como a secção de perdidos e achados para os desalojados de conforto: era lá que íamos encontrar a beleza que havíamos esquecido.

Apesar de toda a morte, de todo o desespero naquelas letras, elas traziam-nos conforto — que mais não seja por aquela sensação primária de alívio que é apercebermo-nos que mais alguém passou por isto e sabe descrevê-lo de forma eloquente. Era como se fôssemos ao médico e o médico nos perguntasse onde e o que dói e nós não soubéssemos o nome dos órgãos, muito menos descrever o que sentíamos — e as canções dele ali estavam, qual “Anatomia de Grey” para as feridas do coração, a dizer o que dói e porquê.

"As histórias das suas canções são o mais completo mapa de derrotas pessoais que a música americana produziu nos últimos 30 anos. Ele sabia tudo sobre chegar em segundo lugar, desistir na reta da meta, trocar a garota pela garrafa só para descobrir que a garrafa tem menos curvas e também cobra bastante."

Não que partilhemos a biografia com ele — nenhum de nós foi colega de universidade de Stephen Malkmus e Bob Nastanovich, membros dos Pavement com quem Berman gravou Starlite Walker (1994) e American Water (1998), o primeiro e terceiro álbuns dos Silver Jews; a maior parte de nós não esteve agarrado ao crack nem tentou suicidar-se por sobredose de crack, cocaína e Valium no mesmo hotel de Nashville em que Al Gore reconheceu a derrota eleitoral para George Bush Jr; não somos filhos de Richard Berman, o maior lobbyista de Washington, a quem o David ficou entregue quando Richard e a mãe do David se divorciaram, tinha ele sete anos, e que David apelidou de forma arrasadora de “molestador humano” há 11 anos, quando os Silver Jews acabaram.

Mas cada um de nós conhece alguma forma de dor, de confusão existencial — o tipo de situações para as quais não há nada de mais apropriado que o extraordinário humor negro do David, a sua infinita capacidade de observação, o seu sentido de inusitado, a sua síndrome-Mamede: as histórias das suas canções são o mais completo mapa de derrotas pessoais que a música americana produziu nos últimos 30 anos. Ele sabia tudo sobre chegar em segundo lugar, desistir na reta da meta, trocar a garota pela garrafa só para descobrir que a garrafa tem menos curvas e também cobra bastante.

De modo que entendíamos. Quando em “Inside the Golden Days of Missing you”, de Natural Bridge, ele cantava:

“I wish they didn’t set mirrors behind the bar
cause I can’t stand to look at my face
when I don’t know where you are”.

Nós entendíamos. Mas não me entendam mal: as canções dele estavam cheias de sabedoria existencial, mas não sob o formato auto-ajuda, que o sentido de humor do David não permitiria isso; não, aquela voz era diferente, aquilo era filosofia de bêbado ao balcão que sabe que é o bêbado ao balcão, era sabedoria de frequentador de bordel que sabe que no fundo a sua comichão é na alma.

Nas 48 horas a seguir à sua morte, as pessoas estavam a citar one-liners dos Silver Jews e dos Purple Mountains no Twitter quando aconteceu uma coisa extraordinária: uma data de gente começou a contar as suas histórias pessoais com o David, de quando foram vê-lo a dizer poesia e no fim foram falar com ele e ele ficou meia hora a ouvi-las; de como arranjaram o email dele e isso se tornou numa década de emails trocados; de bandas desenhadas que ele lhes havia feito de propósito apesar de só as ter visto duas vezes.

Isto era o que eu gostava que soubessem: o David não era um ex- deprimido, endividado e sem amigos — não pensem isso, por favor. Isto era o que eu gostava que soubessem: o senhor David Berman era um ser gentil, doce e generoso, extremamente conversador, culto, honesto, às vezes zangado com os charlatões da música e capaz de ser arrasador com eles, capaz de ser arrasador até com os amigos, que nos últimos anos, e após a morte da sua mãe e a separação da Cassie, a sua esposa, caiu numa depressão que resistia a qualquer forma de tratamento.

Sei isto porque nos últimos 15 anos mantive correspondência com ele. Em 2004 ou 2005, precisava de sair de Lisboa depressa, por razões que agora não interessam, e quando cheguei ao Público, provavelmente já de tarde, a Kathleen Gomes disse-me que alguém tinha de ir a Nova Iorque entrevistar a Alicia Keys. Mandei um email à Drag City para saber se eles tinham alguma banda que lançasse um disco nessa altura e que pudesse entrevistar e a resposta deixou-me siderado: pela primeira vez desde que em 1990 ou assim haviam dado três concertos num showcase da Drag City, os Silver Jews iam fazer qualquer coisa imprevista para o lançamento de Tanglewood Numbers.

De modo que fui, por uma razão muito especial: Tanglewood Numbers era o primeiro disco dos Silver Jews depois da tentativa de suicídio e queria agradecer-lhe antes que alguma coisa má lhe acontecesse.

"Não houve concerto de apresentação de 'Tanglewood Numbers'. (...) No fim, acabámos a conversar e combinámos uma entrevista para os dias seguintes. Ele deu-me um papelinho com o email dele, naquela letra imediatamente reconhecível. Guardo-o até hoje."

Berman contara que se tentara suicidar — contara-o na primeira entrevista que dera a um meio de comunicação que não uma fanzine. E até certo ponto pode dizer-se que ele sabotou a sua carreira: os Silver Jews não davam concertos (muito à conta da absurda timidez do David) nem entrevistas.

Havia nele uma profunda rejeição da “sociedade de espetáculo”, por assim dizer. O facto de haver uma apresentação pública de Tanglewood Numbers após uma tentativa de suicídio fez-me pensar que talvez a abertura ao mundo fosse a resposta dele ao que, certamente, teria sido um período muito negro e longo de isolamento.

Não houve concerto de apresentação de Tanglewood Numbers. Ao invés, e perante a nata do indie-rock, Berman e Will Oldham representaram uma curta peça de teatro que Berman havia escrito para o efeito. No fim, acabámos a conversar e combinámos uma entrevista para os dias seguintes. Ele deu-me um papelinho com o email dele, naquela letra imediatamente reconhecível. Guardo-o até hoje.

No dia marcado ele apareceu à hora marcada e conversámos durante horas. Isto, note-se, é espantoso, no mundo do rock’n’roll: as estrelinhas, por minúsculas que sejam, não combinam entrevistas diretamente com jornalistas de micro-países, não aparecem com a esposa e não ficam horas à conversa, muito menos falam com tamanha honestidade, ao ponto de ficar a conhecer o valor das dívidas dele.

Quando voltei a Lisboa tinha um email dele – e assim começou uma correspondência de 14 ou 15 dias que acabou há dias, quando ele se suicidou. Evitei falar desta proto-amizade o mais possível, mesmo aos amigos mais próximos, porque no rock’n’roll há uma figura, que é uma espécie de pendura, o tipo de gajo que bebe uma cerveja durante cinco minutos com uma estrela rock e de repente tem histórias para contar como se fosse grande amigão e honestamente não estive para ser essa pessoa.

David Berman morreu no passado dia 7 de agosto

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A meio dessa correspondência comecei a preocupar-me: por vezes ele só podia responder aos emails numa lojinha porque não tinha wi-fi em casa e eu ficava sem saber se não ter wi-fi era uma decisão, uma forma de ler em sossego, ou se era falta de dinheiro. Num email, ele mandava-me um novo número de telefone para trocarmos mensagens – e pelas minhas contas devia estar há meses sem telefone. Isto é tão incomum no século XXI que inevitavelmente ficamos preocupados.

Vi-o mais um par de vezes, nomeadamente em Londres, na primeira digressão dos Silver Jews. Na realidade, era o primeiro concerto dele fora dos Estados Unidos e acabou-o a dizer-me “I fucked up, João, I fucked up”, completamente convencido que havia sido um péssimo concerto, desorientado ao ponto de não conseguir entender qual o caminho de volta ao hotel. (E estava sóbrio).

Tenho a certeza que foi o concerto da vida de mais de metade das pessoas naquela sala, e essa era uma característica fortíssima do David: a distância entre como os outros o viam e como ele imaginava que os outros o viam (ou como ele próprio se via) era gigante. E lutar contra isso, contra a sub-nutrição daquele ego, que parecia constantemente procurar a confirmação da sua menoridade, da sua falha, que parecia constantemente sabotar-se, podia ser extenuante.

Ao longo da nossa correspondenciazita tornou-se-me bastante claro que ele não conseguia de facto acreditar que era ouvido quanto mais adorado. Volta e meia, quando algum músico (Yoni, dos Why?, Matt Berninger, dos National, John Darnielle, dos Mountain Goats) o mencionava com admiração, mandava-lhe um email a contar e ele respondia de forma agradecida mas acrescentava sempre qualquer coisa do género: “Pode ser que agora as pessoas comecem a ouvir”. Isto dito por um tipo que só começou a dar entrevistas e concertos ao quinto disco.

Admito que a dada altura desta correspondência comecei a vê-lo como um amigo, possivelmente quando ele começou a chamar-me “our silver jews’ portuguese ambassador… and only fan”, sendo que a piada (amarga) era que ele acreditava que não havia mais nenhum português que apreciasse os Silver Jews; ou quando nose mails deixei de ser apenas eu a perguntar se estava tudo bem.

Gostava de vos pedir para não empolarem esta “amizade”: não sou o Stephen Malkmus nem o Will Oldham, não andei na escola com o David, não tenho qualquer importância nesta história. E também não quero revelar mais nenhum pormenor de qualquer conversa ou correspondência, tenha acontecido cara a cara, por email, por telefone ou por correio – simplesmente, não quero.

E não quero por duas razões: a primeira é porque respeito demasiado o rock’n’roll para ser o pendura que descrevi acima; a segunda é que isto dói. Dói mesmo quando não conhecemos as pessoas — porque sentimos os Cohens desta vida como amigos. Mas o David é o meu Cohen, o meu herói, o tipo em cujas canções me deitei quando as pernas me doíam de caminhar. A cada momento difícil sempre disse a mim menos: “Atina, burro, faz-te homem, se o Berman aguenta a vida dele tu também aguentas a tua”. Se os sábios não resistem, o que vai ser de nós, pequenos broncos?

Se conto isto agora é porque (estupidamente) só agora me vou apercebendo que nunca mais vou receber um email a perguntar-me por sítios em Lisboa onde pudesse passar uns tempos a escrever em sossego ou com longas indagações religiosas — mas também porque quero que as pessoas saibam que ele realmente um tipo generoso que pedia a morada para mandar os discos meses antes de saírem, ou um desenho que fez. Quero corrigir essa impressão que corre no grande público, e que me deixa zangado, de que o David era um junkie miserável deprimido endividado e sem amigos.

"O David é o meu Cohen, o meu herói, o tipo em cujas canções me deitei quando as pernas me doíam de caminhar. A cada momento difícil sempre disse a mim menos: 'Atina, burro, faz-te homem, se o Berman aguenta a vida dele tu também aguentas a tua'. Se os sábios não resistem, o que vai ser de nós, pequenos broncos?"

Não era isso, mesmo tendo de facto sido um junkie, em particular no período que medeou American Water e Bright Flight, que são, muito possivelmente, os dois discos mais importantes do indie-rock americano. Mas era, também, um homem que se manteve amigo da ex-mulher depois da separação, ao ponto de escassos dias antes de morrer ela estar a preparar-lhe sanduíches enquanto ele ensaiava para a digressão que se seguiria. E que passou o último ano num quarto por cima dos escritórios da editora, porque os amigos se preocupavam com ele.

Quem raio passa onze anos sem editar um disco, fechado em casa a ler? Bom, ele passou. Confesso que tive sentimentos ambíguos quando ouvi o disco dos Purple Mountains, a nova banda — não que não fosse um grande disco, mas havia qualquer coisa diferente: as letras eram explicitamente negras. Negras eram todas, mas a estas faltava-lhes o lado lúdico da brincadeira com as palavras. Não falava com ele há dois anos e (sabendo da morte da mãe e da separação) fiquei preocupado e reatei a conversa. Porque isto é o que um fã do David faz: fica preocupado com o seu herói.

Numa entrevista ele dizia que estava farto dos jogos de linguagem de antigamente. “I want to mean”, dizia. Mas os jogos de linguagem são importantes: a diferença entre o tipo que diz que está arrasado e o tipo que diz o mesmo sem usar essas palavras (o tipo que se dá ao trabalho de o dizer de forma imaginativa) é que o segundo, por orgulho, não quer apresentar o sentimento de forma gratuita — mas esse orgulho é importante, é o orgulho de quem não quer apresentar-se como derrotado. A pessoa que diz diretamente que está arrasada, de certa forma já desistiu.

Não tive coragem de lhe dizer isto.

Há dias, em conversa com uma amiga que também era fanática dos Silver Jews (eu disse-te que havia mais, burro), expliquei a dorzinha que sentia com a morte do David dizendo que era como se todas as cores tivessem emigrado para um país estrangeiro, mas é mais que isso: é como se me tivesse esquecido do caminho de volta para casa; como se toda a Coca-Cola tivesse sido trocada por Pepsi.

Há uma canção dos Silver Jews, do American Water, chamada “We are real”, que começa assim com indicações para a casa do David e da Cassie em Nashville:

 “Up the hill past 694, at the stone wall make a left
And I will see you soon, my friend
If these old directions still direct, oh yeah”.

E o que magoa é que agora já não sabemos a morada dele, nem se há email lá onde ele está. Olho para o par de fotografias que tenho com ele e dói pensar nas fotografias que ele já não vai tirar com o próximo puto apaixonado pela música dele. Dói-me que um homem tão inteligente tivesse esquecido as suas próprias palavras em “Honk if you’re lonely”, também de American Water:

“Honk if you’re lonely tonight
If you need a friend to get through the night
A toot on your horn, a flash of your brights
Honk if you’re lonely tonight”.

Ao longo destes anos a escrever sobre rock’n’roll tentei manter sempre distância dos músicos, manter uma certa objetividade, mas admito que com o David não consegui. Este texto é uma precária e patética tentativa de dar sentido à perda do maior escritor canções americano dos últimos 30 anos; a quem chegou a este ponto do texto apresento as minhas desculpas: passei muitos, muitos anos a escrever sobre os SilverJews, a tentar convencer as pessoas do génio deste homem e nunca consegui. O que eu queria — e esta é a minha última oportunidade para o fazer — era pôr toda a gente a ouvi-lo.

Estou à procura de uma maneira de falar disto mas — e apesar de já ter lidado com a morte de próximos algumas vezes — acho que não consigo; a sensação que tenho neste momento é que desde que o David morreu o próprio alfabeto está incompleto. Talvez seja melhor deixá-lo falar, citá-lo no final de “The death of an heir of sorrows”:

“I wish I had a rhinestone suit
I wish I had a new pair of boots
But mostly I wish
I wish I was with you”.

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