A investigadora espanhola Maria Acaso defendeu esta terça-feira, numa conferência internacional, no Porto Santo, o conceito de “pensamento artístico”, baseado numa atitude crítica sobre a vida e o conhecimento como o objetivo de democratizar a arte e a educação.

Maria Acaso, chefe do departamento de educação do Museu Rainha Sofia, em Madrid, participava numa conversa com a subcomissária do Plano Nacional das Artes (PNA), Sara Brighenti, dentro do programa da Conferência do Porto Santo, sobre democratização da cultura e democracia cultural, que decorre até quarta-feira naquela ilha madeirense.

Perante responsáveis políticos, ensaístas, programadores e agentes culturais, que estão a participar presencialmente e ‘online’, a investigadora falou sobre a forma como a arte pode mudar a educação.

“Temos de ensinar e também refletir concretamente sobre o conceito de arte, e sobre a arte como pensamento, como metodologia. Eu prefiro falar em ´pensamento artístico´ em vez de arte como meio de produção para um mercado”, explicitou a fundadora do coletivo Pedagogias Invisíveis.

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Na conversa com a subcomissária do PNA, a investigadora mostrou imagens de vários projetos artísticos e educativos, nomeadamente o de um pequeno museu insuflável, transportável, que pode ser montado em qualquer espaço com menos de quarenta metros quadrados, e também a peça “A Noiva”, da artista plástica portuguesa Joana Vasconcelos, um lustre criado com centenas de tampões higiénicos femininos que foi uma das peças principais da Bienal de Arte de Veneza em 2005.

“O pensamento artístico é isto, baseia-se no pensamento crítico sobre a vida, o conhecimento, o feminismo, a democracia. A arte contemporânea está muito voltada para o estranhamento, para fazer as pessoas pensarem e questionarem o que se passa em seu redor”, sublinhou a responsável do Museu Rainha Sofia.

Acaso também vincou a importância da arte “como processo colaborativo, que até pode ser feito em comunidades como a escola, em vez de ser apenas um ato isolado, feito por um génio”, e defendeu uma perspetiva semelhante para a educação: “Educação não é só dar uma aula ou transmitir conhecimento, é um processo de transformação, um processo de produção cultural”.

Questionada por Sara Brighenti sobre se as instituições culturais estão preparadas para a mudança para esta perspetiva e estratégia de pensamento artístico, para as exigências do mundo atual, e até para “partilhar o seu poder”, Maria Acaso defendeu a democratização da transmissão do conhecimento.

“A educação deve ser transmitida às crianças não só pela família e pela escola, mas também nos museus e outras instituições. Seria uma forma de democratizar a educação. Temos de dar o poder não apenas aos diretores dos museus, mas também ao público, para tomar certas decisões nas organizações”, advogou a responsável por um departamento educativo que reúne meia centena de colaboradores.

Na sessão de abertura, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, sublinhou a importância do alargamento do Plano Nacional das Artes ao ensino superior, uma medida que irá contribuir para a “mundividência cultural” destes estudantes, e reforçar as suas competências.

“Em dois anos de existência, o Plano Nacional das Artes [PNA] tem revolucionado a forma de criar, potenciar e expandir as oportunidades de contacto com uma vivência artística e cultural dos alunos, com um conjunto de iniciativas e programas para permitir a ligação entre a educação e a cultura”, sublinhou a ministra.

Graça Fonseca recordou as comemorações do 47.º aniversário do 25 de Abril, no domingo, considerando que “uma das grandes conquistas sociais da revolução foi um melhor e mais democrático acesso à educação e à cultura, porque do analfabetismo mais obscuro que dominava a sociedade portuguesa, surgiu a possibilidade de alcançar níveis culturais educativos e científicos mais próximos do contexto europeu, o que tornou possível uma cultura real em vez de um luxo para alguns”.

Para a ministra da Cultura, esta foi “uma conquista sobre a qual a sociedade não poderá adormecer”, pela “importância de dar a todos o acesso livre e democrático à criação artística e ao património cultural”, razão pela qual foi criado o PNA, como “eixo fundamental de uma aprendizagem permanentemente atravessada pela cultura e a educação dos alunos ainda mais completa, com acesso continuado com acesso ao património, às artes e à cultura”.

Por seu turno, o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, na sua intervenção, defendeu “a necessidade de as escolas garantirem o bem-estar das crianças, fomentar a sua capacidade de lidar com a adversidade e de fomentar a curiosidade”, sobretudos neste contexto da crise pandémica.

“A educação é fundamental para reforçar a coesão social. Os cidadãos têm de saber que os livros não podem ficar nas prateleiras das livrarias, nem das nossas casas”, apelou o governante, sobre uma prática que contribui para a inclusão, a cidadania e a igualdade de oportunidades.

Tiago Brandão Rodrigues disse ainda que “o individualismo, o extremismo, a intolerância, noutras palavras, a dificuldade em viver com os outros, não são fenómenos apenas de um passado remoto, mas grassam nas nossas sociedades, ditas do conhecimento”, e defendeu a responsabilidade de todos em “encontrar respostas a estes fenómenos antes que nos destruam”.

O PNA assume a organização desta conferência, através do seu comissário-geral, Paulo Pires do Vale, a convite do Ministério da Cultura e inserida no contexto da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia.

Entre os oradores convidados desta conferência, que decorrerá em formato híbrido, ‘online’ e presencial, estão os ensaístas Jacques Rancière e Chantal Mouffe, o investigador Wayne Modest e a artista Tânia Bruguera.

O encontro decorre na ilha do Porto Santo, onde o PNA decidiu implementar a Escola de Porto Santo, projeto que é descrito como um ‘think tank’ para refletir sobre políticas internacionais e nacionais, nas áreas da Cultura e da Educação, acolhendo ainda residências para artistas e investigadores.

Da Conferência do Porto Santo deverá sair “um documento orientador com princípios e recomendações que promovam uma cidadania cultural plena”, segundo indicou à Lusa o comissário do PNA.