O documentário “All or Nothing”, que abriu a porta dos bastidores do Tottenham durante a temporada em que José Mourinho substituiu Mauricio Pochettino, inclui um momento-chave que revela a pedra basilar em que o treinador português tentou montar todo o projeto que tinha imaginado para os spurs. A conversa com Harry Kane, logo depois de chegar a Londres, provou que Mourinho acreditava que o avançado inglês poderia ser muito mais do que já era. “Acredito que podemos ganhar por tua causa”, disse-lhe. Mourinho saiu sem ganhar nada; e Kane, farto de não ganhar nada, também quer sair.
A notícia começou a circular durante a noite desta segunda-feira, quando o Telegraph revelou que o capitão do Tottenham tinha informado o clube de que pretende sair no final da temporada. Com passagens pelo Arsenal e pelo Watford nas camadas jovens, Harry Kane terminou a formação nos spurs e está na equipa principal do clube londrino desde 2009, tendo também cumprido empréstimos ao Norwich e ao Leicester. A partir de 2013/14, tornou-se a referência ofensiva da equipa e construiu a ideia de que é, apesar de todos os outros, o melhor jogador do clube. E esse fardo, engrossado com a ausência prolongada de títulos e a aproximação dos 30 anos, deixa Kane com uma curta janela de oportunidade para ainda sair e tentar ser feliz noutro lado.
O avançado de 27 anos tentou sair no passado verão, depois da tal época em que Mourinho substituiu Pochettino, mas o voto de confiança do treinador português e a vontade de voltar a tentar ganhar algum troféu com o Tottenham convenceram-no a ficar. Até porque, de acordo com a imprensa inglesa, Kane assumiu que esse prolongamento do compromisso o deixava numa posição mais confortável para negociar uma eventual saída, este ano, com o presidente Daniel Levy. Algo que, à partida, não está a concretizar-se.
O capitão da seleção inglesa terá então indicado ao Tottenham que quer sair no final da época e que pretende ficar na Premier League, onde Manchester City, Manchester United e Chelsea são os principais interessados, mas não descarta uma ida para Espanha. Nesta conversa, a cúpula dos spurs terá dito a Harry Kane que queria que este terminasse a carreira em Londres, oferecendo até o exemplo de Francesco Totti, o avançado italiano que recusou centenas de propostas em anos consecutivos e nunca saiu da Roma. Mas Totti, ainda que pouco, ganhou com a Roma — e é essa vontade de ganhar que está a empurrar Kane para fora do clube inglês. Apesar de ter contrato até 2024, o jogador não quer acumular temporadas como a que passou, em que o Tottenham perdeu a final da Taça da Liga, foi eliminado nos oitavos de final da Liga Europa e está no sexto lugar da Premier League.
A reação oficial do Tottenham às notícias, através de um porta-voz, foi simples: “Temos uma temporada para acabar e queremos terminá-la da melhor forma possível. É nisso que estamos focados”, podia ler-se na nota. Pela frente, Harry Kane terá aquele que é conhecido como um dos negociadores mais ferozes do mercado do futebol, o presidente Daniel Levy, e um processo complexo e atribulado por onde já passaram Berbatov, Modric, Bale e Eriksen. Todos eles, contudo, conseguiram o que queriam — sair. Para o Tottenham, porém, a saída de Kane significa algo diferente. Significa que o capitão de equipa, o melhor jogador do clube, o símbolo do emblema, já não acredita no potencial das cores que representa. E isso pode abrir uma crise sem precedentes nos spurs, que ainda procuram um substituto efetivo para José Mourinho.