É no Centro de Portugal que também descobrimos as nossas origens: as oito sub-regiões deste território espelham a essência cultural e histórica de Portugal e permitem-nos conhecer a fundo a génese do nosso povo. Vamos diretos ao assunto: este artigo pretende passar ao lado do que é óbvio e propor-lhe um novo olhar acerca das rotas culturais alternativas que o esperam neste epicentro da História. Queremos apresentar-lhe o que não é óbvio, o que passa despercebido aos olhares dos visitantes quando procuram viajar no tempo e conhecer a fundo a simbologia profunda destas terras. A cultura e a tradição também podem ser alternativas. Este roteiro é prova disso mesmo.

#1 Farto de olhar os monumentos da mesma forma? Eis a alternativa

Se as paredes do belíssimo Mosteiro de Alcobaça falassem, contariam que ali se viveu uma das histórias de amor mais bonitas (e trágicas) de Portugal, a de Pedro e Inês de Castro, que foram sepultados ali mesmo, frente a frente, em dois túmulos considerados obras-primas da escultura gótica (diz quem é especialista na área). Contariam também que, há 868 anos, o rei D. Afonso Henriques encomendou o complexo de mosteiros para assinalar o poder da sua dinastia, após o período das cruzadas cristãs que recuperou os territórios aos mouros, e falariam sobre o período da sua construção e das histórias que habitaram Alcobaça até hoje. Pode ser uma boa forma de observar o Mosteiro de Alcobaça.

Não muito longe de Alcobaça, existem mais três locais que são a casa de monumentos considerados Património da Humanidade. Falamos do Mosteiro da Batalha – considerado uma prova de gratidão do rei D. João I por Portugal ter vencido os castelhanos na Batalha de Aljubarrota, uma das principais vitórias militares dos portugueses -; da Universidade de Coimbra, Alta e Sofia, que, ao longo de sete séculos de história, nunca parou de difundir conhecimento (destaque também para o coração da Universidade com a Torre da Cabra); e, por fim, falamos do Convento de Cristo, em Tomar, que inclui também o Castelo Templário e a Mata dos Sete Montes, num espaço com cerca de 45 hectares que é considerado um dos maiores complexos de monumentos da arquitetura peninsular e europeia.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ilustração: Hugo Haga

Não escrevemos este parágrafo inicial ao acaso, escrevemo-lo porque estes lugares ultrapassam a conceção que temos do que é passado e do que é presente, porque neles existem histórias que sobrevivem ao esquecimento, e é isso que o Projeto Lugares Património Mundial, no Centro de Portugal, faz: oferece um programa integrado de valorização turística, celebrando a História e inspirando-nos a olhar para estes quatro monumentos classificados pela UNESCO como Património da Humanidade, de forma alternativa, absorvendo cada detalhe ao invés de fazer mais um “check”.

Fique a saber que o Turismo Centro Portugal apresentou uma programação especial por ocasião do projeto “Lugares Património Mundial do Centro – Rede Cultural 2.0”, e até 2022 esperam-no diversos concertos e exposições nos quatro locais considerados património mundial da UNESCO – Alcobaça, Batalha, Coimbra e Tomar. Destaque também para um projeto que prima pela diferença: é importante que fique a conhecer de forma alternativa o nosso património e por isso é impossível não escrever sobre a rota das pedreiras históricas, um percurso com cerca de nove quilómetros criado pela Câmara Municipal da Batalha, que pretende dar oportunidade aos curiosos de descobrirem os locais onde foi extraída a pedra utilizada para as diferentes fases de construção do Mosteiro da Batalha.

No fundo, a proposta é esta: experienciar, sem pressa, as maravilhas históricas que um dia alguém edificou. Apesar da proximidade geográfica – estão localizados a menos de meia hora de distância uns dos outros -, as suas histórias não se anulam, por serem tão diferentes entre si.

#2 Para os criativos: eis a Rota da Arte Urbana

Os muros, as fachadas e as ruas das cidades do Centro de Portugal também são do VHILS, do Bordalo II, do Add Fuel, do AkaCorleone – e de tantos outros nomes maiores da arte urbana -, que dão cor e paixão ao património que é nosso. De Aveiro a Covilhã, sem esquecer Estarreja, Figueira da Foz, Fundão e Viseu, as propostas para apreciar artisticamente a nossa cultura e património histórico são diversificadas: se já conhecem estes locais, mas o desafio é que volte a descobri-los, sob um novo olhar (se ainda não conhece este roteiro pela street art, então está no sítio certo).

Fotografia: Mafalda Pombo Lopes

Comecemos por Aveiro que, entre a Ria de Aveiro e os moliceiros e o típico Mercado de Peixe, se tornou numa improvável galeria de arte urbana a céu aberto. Os murais com símbolos aveirenses não passam despercebidos e foram nascendo de forma espontânea, redefinindo a identidade da cidade dos canais. Através das mãos do artista português VHILS, as ruas desta cidade no Centro de Portugal têm vindo a conhecer uma linguagem visual única, através da destruição das camadas superficiais das paredes e da incorporação de materiais e ferramentas fora do vulgar.

A cidade-galeria Estarreja não fica fora deste guia alternativo: foi neste município que o artista Bordalo II recriou um guarda-rios, com cores vibrantes, no Parque Municipal de Antuã, a partir de…. Mas há mais: há um Festival de Arte Urbana, o ESTAU, que existe desde 2016 e transformou Estarreja num local de paragem obrigatória quando se fala em arte urbana. Atualmente, conta com cerca de 40 murais e instalações artísticas que podem ser visitadas (com ou sem guia) em diferentes localizações da cidade.

À descoberta das ruas mais icónicas do Centro de Portugal

Vamos até à Covilhã? São imperdíveis as pinturas coloridas que não só recuperam o glorioso passado desta sub-região, como prestam homenagem à tradição dos lanifícios, e incluem o nome desta cidade portuguesa no roteiro da arte urbana da região Centro de Portugal. É através dos eventos regulares organizados pelo Woolfest – Covilhã Art Festival que as paredes da cidade se têm preenchido de pinturas coloridas como o mural (encontre-o nas traseiras do edifício da Câmara Municipal da Covilhã) que o artista Add Fuel, mestre da reinterpretação dos azulejos português, criou a partir dos padrões utilizados na produção de tecidos locais.

Continuemos viagem até à Figueira da Foz, na sub-região de Coimbra, onde encontramos mural do artista urbano Add Fuel com uma particularidade inesperada – pode ser atravessado (curioso? É visitá-lo ao vivo)—, e para as criações de renda tradicional da artista polaca NeSpoon, no Fundão, que poderá encontrar expostas em vários edifícios da cidade.

#3 Quando a arte se alia à natureza

É de experiências únicas, aliadas à promoção da cultura, do património e das artes, que o Projeto Experimenta Paisagem é desenvolvido. Trata-se de um projeto de reconhecimento e interpretação da paisagem da Beira Baixa, que pretende colocar esta região no mapa internacional da arte contemporânea na paisagem. Foi a partir de uma ideia de três municípios fundadores – Sertã, Oleiros e Proença-a-Nova -, do escritório portuense MAG – Marques de Aguiar e de financiamento externo, que surgiu o Cortiçada Art Fest, o formato piloto do Experimenta Paisagem, no qual foram concebidos vários roteiros de arte na paisagem da Cortiçada e das Linhas de Água. Estes trilhos podem ser realizados tanto em família, como a título individual, e prometem surpreender os mais distraídos: procure as obras de arte nas paisagens da região Beirã. Pegue na caneta e aponte: existem três obras de arte na freguesia portuguesa Cortiçada, o Moon Gate, em Oleiros, o Farol dos Ventos, em Proença-a-Nova, e o Véu, na Sertã; outras duas obras de arte na paisagem das Rotas das Linhas de Água, a Menina dos Medos, em Sobral Fernando, e a Magma Cellar, em Coqueiros. Observe e demore-se na paisagem beirã e, já agora, desfrute desta união tão benéfica entre natureza, caminhadas outdoor e, claro, arte. Haverá melhor forma de estar em união com a Natureza?

Fotografia: João Morgado

#4 Museus fora da caixa? Sim, eles existem no Centro

São ao ar livre mas dizem tanto ou mais sobre a nossa história do que aqueles que estão entre quatro paredes e continuam a proporcionar aos seus visitantes uma viagem pela herança cultural desta região. Querer absorver a cultura que o Centro tem para nos oferecer é o primeiro passo, depois é só deixar-se ir e arriscar em algumas opções desta lista. Descubra as nossas origens em Condeixa-a-Nova, a alguns quilómetros de Coimbra, onde o Museu e Ruínas de Conímbriga dão a conhecer a presença romana no nosso país, desde o século XVI.

A designação é fora da caixa mas o que é facto é que este museu (o que falaremos a seguir) tem vindo a ser nomeado para melhor museu da Europa. Falamos do PO.RO.S – Museu Portugal Romano, em Sicó, localizado na solarenga Quinta de São Tomé, um projeto cultural que faz parte da rota da romanização e mostra bem a riqueza da época romana nesta sub-região.

Nesta região, explore ainda o Portugal dos Pequenitos, um parque temático que surpreende pelas suas dimensões e por recriar tão bem este nosso país, carregado de tradições que não se perderam, ainda, no tempo.

Se procura uma sugestão diferente para conhecer a cultura em Ovar, todos os caminhos apontam para algo tão simples como um passeio (sim, leu bem): agora que as temperaturas colaboram com programas exteriores, opte por passear, sem pressa, nas ruas desta cidade. É que nesta cidade da região Centro, existem pelo menos 800 fachadas de azulejo identificadas, um dos elementos culturais mais característicos desta área e por isso não hesite em substituir uma ida a um museu comum por esta experiência viva: faça o percurso da Rua do Azulejo e depois perca-se no centro da cidade, onde encontrará grande parte destas fachadas artísticas.

Na região do Oeste, difícil vai ser escolher – esta terra oferece um pouco de tudo, mas foquemo-nos na proposta que lhe fizemos ao início: perca-se por Óbidos, uma das sete Maravilhas de Portugal, que é também conhecida por ser uma das mais belas vilas medievais da Europa, onde o tempo parece não ter avançado. E porque este é um roteiro alternativo que mostra ao leitor o melhor de cada sub-região do Centro de Portugal, não podemos deixar de referir as cidades criativas da UNESCO: ora, Idanha-a-Nova e Leiria têm o título de “Cidade Criativa da Música”, já Óbidos é considerada “Cidade Criativa da Literatura” e as Caldas da Rainha, conhecida pelos seus produtos cerâmicos centenários, é entendida como “Cidade Criativa do Artesanato e Artes Populares”.

Serra da Estrela deveria rimar com altitude, é que além de ser a casa de vilas que cresceram serra acima e isso é belíssimo de se ver, a simplicidade das suas gentes e das tradições que fundaram aqueles locais, apaixonam quem lá passa (e isso também é conhecer a cultura do Centro). A proposta que lhe fazemos é a de conhecer a cidade mais alta de Portugal, a 1056 metros de altitude – falamos, claro, da Guarda -, Manteigas, Seia mas também de Sabugueiro, e procure os elementos e símbolos comunitários como o forno da aldeia, a Igreja Matriz, as fontes, os moinhos de água. Duas últimas referências de movimentos culturais que vai gostar de conhecer: procure o New Hand Lab. Localizado numa fábrica histórica de lanifícios na Covilhã, este espaço promove a criatividade, a inovação e o empreendedorismo através da preservação de histórias associadas ao passado glorioso da indústria da lã nesta região. A segunda sugestão, pergunta o leitor? Queremos falar-lhe das 12 Aldeias Históricas espalhadas pelo centro de Portugal, um acervo único da história do país, que gozam e usufruem da proximidade com a natureza e da simpatia das suas gentes e tradições.

Aldeias Históricas: doze destinos de paragem obrigatória

A viagem ainda agora começou mas já está quase no fim. Em Viseu Dão-Lafões, região de coração lusitano, ligada ao eterno chefe dos Lusitanos, Viriato, a proposta é mais natural. Calce as suas melhores botas e prepare-se para então: conheça a cultura desta região através de Parques e Reservas Naturais como a Reserva Botânica de Cambarinho, em Vouzela, ou o Parque Aquilino Ribeiro e o Parque do Fontelo, ambos em Viseu. Nesta região existem mais propostas a considerar, como o Museu do Caramulo, em Tondela, que conta com obras de Vieira da Silva, Pablo Picasso e Salvador Dalí e uma das mais importantes coleções de automóveis de Portugal. Em Tondela, a criatividade não se esgota na primeira sugestão, fique a saber que poderá também visitar a ACERT, a Associação Cultural e Recreativa de Tondela, que se destaca por uma programação diversificada e conta com exposições, concertos e eventos culturais.

No Médio Tejo, imagine as lendas antigas dos Templários enquanto visita o mítico Castelo de Almourol, envolvido numa mística ímpar que adensa o mistério sobre o passado até aos nossos dias. Esta região, que é também das mais belas do nosso país, dispõe de uma rede de museus que servem todo o tipo de interesses. Em Alcanena, encontramos o Museu da Boneca; em Constância, o Museu dos Rios e das Artes Marítimas e o Borboletário Tropical; no Entroncamento, o Museu Nacional Ferroviário. É de arte que gosta? Sugerimos o Museu Municipal Carlos Reis, localizado na cidade de Torres Novas, e dedicado a este eminente pintor naturalista.

Escrevemos que a viagem ainda agora começou e o texto já está no fim, contudo a História e a tradição cultural da Região do Centro de Portugal não se esgotam nestas palavras. Esta é a porta de entrada: tudo começa aqui, o caminho agora é seu.

Saiba mais sobre este projeto em 
https://observador.pt/seccao/centro-de-portugal/