Uma campanha da França sem uma pitadazinha de polémica não seria uma campanha da França. Ainda antes do arranque do Europeu, o assunto virou-se para a alegada tensão entre Mbappé e Giroud, desvalorizada por Paul Pogba dizendo que, a haver tensão, só se fosse nas costas e nas pernas. Durante a competição, de novo a “troca” de Laporte para a seleção espanhola a gerar conversa, com o central a dizer que se Deschamps não viu a mensagem que enviou foi porque “deve ter trocado de número”. Agora, no seguimento de um trabalho feito pelo Le Parisien, a questão da abstinência sexual aplicada aos jogadores, com contactos muito limitados por causa da pandemia com as famílias e um serviço de segurança para evitar qualquer fuga noturna do estágio.

Os resultados podem ser melhores ou piores mas há sempre qualquer coisa mais para escrever – mesmo sem chegar aos extremos de Raymond Domenech, o antigo selecionador que ainda hoje garante que não deixou de fora Robert Pires do Mundial de 2010 por ser escorpião (sem negar esse fascínio pela astrologia) mas sim por ser uma má influência no grupo. Com Didier Deschamps, campeão europeu e mundial como jogador e campeão mundial como treinador (a única coisa que não ganhou foi o Europeu de 2016), todas essas questões passam ao lado. Passam ao lado mas não deixa de ter problemas, claro. E contra a Suíça tinha mais do que esperado.

Já depois de ter perdido Ousmane Dembelé por lesão (foi operado e vai parar cerca de quatro meses), o conjunto gaulês ficou sem Lucas Hernández, que saiu ao intervalo do jogo com Portugal, e perdeu também Digne pouco depois de ter entrado. Contas feitas, a França chegava aos oitavos sem um lateral esquerdo de raiz, sendo que Rabiot fez a posição diante da Seleção Nacional mas como manobra de recurso. E foi isso que levou Deschamps a forma estrutural da equipa, recuperando a linha de três atrás para lançar Pavard à direita e Rabiot à esquerda. No entanto, nem sempre a defesa esteve bem, sobretudo quando a Suíça conseguia retirar referências no eixo recuado gaulês. E foi dessa forma que nasceu o primeiro golo do jogo, mais uma vez por Haris Seferovic.

Em mais uma fantástica jogada de Zuber pela esquerda, a construir entre fintas e simulações sobre Pavard a quarta assistência neste Europeu, o avançado do Benfica saltou mais alto do que Lenglet (perdão, saltou, ao contrário do central do Barcelona) e desviou para o 1-0 que se registava ao intervalo, numa primeira parte em que a Suíça deu uma lição de como explorar a largura e a profundidade frente a esta equipa francesa que mais não conseguiu do que um par de remates de fora da área e umas arrancadas sem efeito de Mbappé.

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Deschamps arriscou ao intervalo, abdicou de Lenglet para construir quase um 4x2x4 com bola com Coman à esquerda, Griezmann na direita e Mbappé mais pelo meio com Benzema, mas em cinco minutos aquilo que podia ter sido um xeque mate transformou-se numa jogada em falso: Ricardo Rodríguez permitiu a defesa a Lloris numa grande penalidade (55′), a França empatou pouco depois numa jogada fantástica entre os três do costume na frente abrilhantada com uma receção fantástica de Benzema antes do toque final (57′) e o mesmo Benzema, desta vez após assistência de Griezmann e não de Mbappé, fez depois a reviravolta ao segundo poste (59′). O jogo tinha mudado de vez e Pogba decidiu entrar mais em zonas de finalização, aumentando para 3-1 a 15 minutos do final com um fantástico remate de fora da área ao ângulo que parecia ter arrumado as contas.

Parecia mas não estava. Aliás, a Croácia já tinha mostrado com a Espanha que o que às vezes parece não é e a Suíça foi ainda resgatar o prolongamento na partida, com Seferovic a bisar após cruzamento de Mbabu (81′) e Gavranovic a fazer o 3-3 em cima do minuto 90 na sequência de uma perda de bola de Pogba a meio-campo que abriu uma autoestrada pelo corredor central para o remate rasteiro que fez o empate sem que Coman tivesse ainda uma oportunidade de ouro para resolver num remate que bateu na trave (90+4′). O tempo extra iria ser penoso para alguns jogadores no plano físico (as caras de Benzema e Seferovic quando saíram disseram tudo sobre isso) e um golo faria toda a diferença, sendo que as decisões apareceriam apenas nas grandes penalidades e com uma imagem que mostrou tudo: os suíços saltaram para cima de Sommer após defender o penálti de Mbappé, (5-4) o avançado francês seguiu para o balneário apenas com um cumprimento de Digne e outro de Didier Deschamps. Quando se tenta perceber o que falha numa equipa, é ver apenas estes exemplos…

O jogo a três toques

Para recordar

O Eintracht Frankfurt é uma das equipas que melhor joga na Alemanha e parte do segredo para essa qualidade passa pela dinâmica ofensiva que é imprimida pelos laterais/alas que fazem todo o corredor numa linha a três. No lado esquerdo, Kostic, agora cobiçado pela Roma de Mourinho, ocupa o lado esquerdo, com Zuber a jogar mais por dentro no apoio aos homens mais adiantados, como Kamada, André Silva ou Jovic. Na Suíça, Zuber funciona como o Kostic da equipa. Com outros movimentos, com outras obrigações, com a mesma vontade. E foi assim que se tornou um dos destaques helvéticos, conseguindo um total de quatro assistências noutros tantos jogos (esta noite voltou a dar um golo a Seferovic) e ganhando o penálti que poderia virar tudo. O outro, claro, foi Seferovic. O mesmo Seferovic de quem duvidaram após os três golos falhados no final da primeira parte com o País de Gales. O mesmo Seferovic que inaugurou o triunfo diante da Turquia com um remate de pé esquerdo de fora da área. O mesmo Seferovic que bisou de cabeça contra os campeões mundiais nos oitavos do Europeu.

Para esquecer

Tem apenas 28 anos mas leva tantas épocas disto ao mais alto nível que parece mesmo que aquele rabo de cavalo joga na Suíça desde sempre. Não é bem assim, claro está, mas o crescimento dos helvéticos a nível de presença nas grandes competições foi também sustentado por Ricardo Rodríguez, que passou cinco anos na Bundesliga antes de chegar ao AC Milan, ter uma breve incursão pelo PSV e chegar ao Torino. Como falso central esquerdo numa defesa a três ou como lateral, experiência é uma coisa que não lhe falta. E não faltou, durante 55 minutos. Aí, teve nos pés a oportunidade de fazer o 2-0 que colocava a França encostada às cordas mas Lloris defendeu o penálti, a Suíça deixou-se levar por uma mini lei de Murphy num par de minutos e quando conseguiu ficar de novo mais estável já se encontrava atrás no marcador. Aquele penálti mudou o rumo do jogo… até ao 3-3. E, afinal, a Suíça acabou a converter os cinco castigos máximos e a eliminar a França nos oitavos.

Para valorizar

Há imagens que valem mais do que mil palavras. No caso do golo de Paul Pogba, nem vale bem a pena falar do indescritível. Atentemos antes naquilo que se passou no lance do 1-1, na ressaca da grande penalidade que foi falhada por Ricardo Rodríguez: Griezmann foi para dentro à procura do movimento de apoio, Mbappé assistiu Benzema nas costas dos centrais contrários e o avançado do Real Madrid teve um domínio fabuloso com o pé esquerdo antes de picar por cima de Sommer que só um grande jogador, daqueles com nível de topo, podia ter. Apenas dois minutos depois, Benzema bisou mesmo e conseguiu a reviravolta nos cinco mais eletrizantes da partida mas tudo começou naquele pormenor de classe que fez toda a diferença. E voltamos de novo a Pogba. Porque antes do golo já tinha estado bem, porque depois do golo ficou ainda melhor. A qualidade de passe a variar flancos ou na rutura é mesmo de um craque que quando quer domina qualquer jogo no meio-campo, sendo que também a dupla Xhaka-Freuler fez uma exibição gigante no corredor central dos helvéticos.