Há pontos que ficaram daquela seleção espanhola que foi bicampeã europeia e campeã mundial em quatro anos entre 2008 e 2012, a começar pela capacidade de controlar um jogo em posse que foi ainda mais potenciada com Luis Enrique como treinador (e o jogo frente à Suécia, que bateu todos os recordes da competição, foi exemplo paradigmático disso mesmo). Há pontos que são diametralmente opostos também em relação a essa equipa, como o descontrolo emocional que a equipa revela perante a adversidade nos minutos seguintes, como ficou bem patente nos oitavos com a Croácia. No entanto, e olhando para o meio-campo, parte do ADN continua lá. 

Continua lá por Sergio Busquets, médio que chegou muito cedo à equipa de tiki-taka do Barcelona e que é uma espécie de memória viva dessa era. Continua lá por Koke, o faz tudo do Atl. Madrid que continua com o condão de estar em todo o lado a toda a hora e representa aquele conceito de fúria espanhola tantas vezes vista nos anos recentes. Continua lá por Pedri, o talento mais parecido no início da carreira com aquilo que era Andrés Iniesta quando começou e que, apesar de ser o mais novo de sempre a representar a equipa A em fases finais, assumiu uma importância tão imediata como acontecera no Barcelona (e vai aos Jogos…). É no meio-campo, neste meio-campo, que está a força da Espanha. Era no meio-campo, neste meio-campo, que estaria a fraqueza da Suíça.

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Sem Xhaka, com Zakaria a entrar para o lugar do capitão, a estratégia de Petkovic ficava mais frágil. Mais: não se demorou a perceber que a preocupação de Shaquiri era cair sem bola sobre Busquets, assim como Zakaria ficava com Pedri e Freulder com Koke. E, pior que isso, Embolo, jogador que tinha conseguido duas saídas em transição aproveitando o espaço que ficava com a tentativa da Espanha reagir rápido e alto à perda da bola, saiu logo por lesão aos 20′. Vargas deu outros argumentos aos helvéticos com bola mas faltou sempre a explosão para sair e só mesmo na exploração do erro contrário surgiram as oportunidades. A Suíça teve mais pulmão e um maior coração quando as pernas começaram a falhar, o que deu outra emoção e levou tudo para os penáltis.

A Espanha voltava a ter como grande adversário não só a Suíça mas também a ansiedade de estar por cima sem conseguir marcar mas, pela primeira vez no Europeu, conseguiu 100% de eficácia no primeiro remate à baliza e que contou ainda com um desvio: canto marcado na direita do ataque, primeiro corte da defesa helvética para fora da área, remate forte de Jordi Alba e Zakaria a mudar a trajetória da bola enganando Sommer na baliza (8′). Koke, num livre direto (17′), ainda teve um remate perigoso de livre direto que passou ligeiramente por cima (17′) mas a primeira parte não iria conhecer muitos mais motivos de interesse, com a equipa espanhola a dominar todos os capítulos do jogo mas sem criar oportunidades flagrantes para aumentar a vantagem.

Ao intervalo, Luis Enrique trocou logo Dani Olmo por Sarabia, pouco depois foi Moreno que rendeu Morata. O selecionador espanhol percebia que a equipa não estava com a mesma dinâmica ofensiva também pelo possível desgaste do prolongamento com a Croácia e foi a Suíça, com uma subida faseada de linhas, a começar a andar mais perto da área contrária, com Zakaria a ameaçar o empate de cabeça após canto (55′) e Zuber a conseguir o primeiro remate enquadrado após combinação com Vargas na área para defesa de Unai Simón para canto (65′). Freuler foi depois expulso com vermelho direto (78′), a Espanha não conseguiu aproveitar essa vantagem e só mesmo no prolongamento surgiu o forcing para evitar os penáltis, com várias oportunidades falhadas por Moreno (sozinho na área ao lado), Jordi Alba (defesa de Sommer) ou Dani Olmo (desviado num defesa). Não marcou. E foi Unai Simón, depois do erro a jogar com os pés frente à Croácia, que decidiu com as mãos.

O jogo a três toques

Para recordar

Yann Sommer. Que, verdade seja dita, não teve assim tanto trabalho como isso durante o tempo regulamentar: uns cruzamentos, umas saídas, o habitual jogo de pés, zero hipóteses no autogolo de Zakaria que poderia dar uma defesa fácil, pouco mais. No prolongamento, quando a equipa mais precisava por não ter capacidade para ir à frente nem ter a mesma disponibilidade física para jogar sem bola, o guarda-redes do B. Mönchengladbach fez uma exibição monstruosa com inúmeras defesas que levaram as decisões para as grandes penalidades. Depois, brilhou Unai Simón. E a partir de hoje mais ninguém se lembrará do erro contra a Croácia, com o guarda-redes a defender duas das quatro tentativas (outra foi por cima da trave) suíças e a segurar a passagem às meias.

Para esquecer

Até este Campeonato da Europa tinham sido marcados na história das fases finais nove autogolos. Só no último Europeu de 2016 tinha sido batido o recorde numa só edição, três. Agora vai em dez. Isso mesmo, dez, mais do que em todas as outras competições em 60 anos juntas. Um, dois, três, cinco, sete, dez. É certo que o remate de Jordi Alba logo ao oitavo minuto, naquele que foi o primeiro remate em todo o jogo, parecia levar a direção da baliza mas iria terminar nas mãos de Yann Sommer se não fosse o desvio de Zakaria, um médio que tentou a todo o custo ser voluntarioso para não ficar atrás de Xhaka mas que foi cometendo erros fruto disso mesmo.

Para valorizar

A capacidade de resistência da Suíça, que voltou a estar atrás no resultado, que conseguiu chegar ao empate aproveitando um erro crasso da defesa espanhola, que aguentou até aos 90 minutos com menos um depois da expulsão de Freuler. Vladimir Petkovic conseguiu fazer aquilo que é mais complicado numa equipa: montar um esquema tático, criar uma ideia, definir uma identidade e saber que cada jogador que entre em campo tem uma perfeita noção do que deve fazer, de como deve fazer e de onde deve fazer. Esse é o maior elogio à Suíça.