Jordan Henderson, capitão do Liverpool e, estando em boas condições físicas, um dos melhores médios ingleses e da Premier League, era apontado antes do Europeu à titularidade. Mas era daquelas opções de caretas, não se sabendo apenas se jogaria com o provável Declan Rice, com a surpresa Kalvin Phillips ou com a jovem estrela em ascensão Bellingham. Não foi assim, ficou atrás de Phillips. E foi no banco que protagonizou uma das imagens do Europeu: preparado para ser lançado em jogo já na linha lateral, dava indicações aos companheiros na jogada que daria o segundo golo diante da Alemanha, foi a correr disparado festejar e voltou atrás depois para dar um abraço a Gareth Southgate, que mal largou o jogador voltou à postura serena e de mãos nos bolsos.

Para quem quer perceber o que falhou na França e o que funciona na Inglaterra, basta olhar para essa imagem de um dos jogadores mais consagrados na fase final a reagir sem qualquer azia e quase como um miúdo que já não é a reagir à condição de suplente. Esse é um dos grandes méritos de Southgate, que mais do que um mestre da tática ou um pensador do futebol a partir da base surgiu nos Três Leões como um dos melhores gestores de homens dos últimos anos. Influências? O antigo selecionador Terry Venables. E aquele Europeu há 25 anos organizado pelo próprio país onde falhou uma grande penalidade decisiva na meia-final contra a Alemanha.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Sempre foi um apoio muito grande para mim e aprendi com ele enquanto futebolista e enquanto treinador. O que tento é preparar as equipas da mesma forma como ele fazia”, explicou Southgate, falando também da vitória contra a Alemanha nos oitavos: “Escolhemos os momentos apropriados para causar mossa e assim encontramos o equilíbrio”. Foi com essa forma de pensar e essa maneira de gerir o grupo que a Inglaterra chegou aos quartos em Roma diante da Ucrânia sem sofrer golos – e nos últimos dez encontros oficiais sofrera apenas um. Desde 1966, quando os ingleses se sagraram campeões mundiais, que a seleção britânica não conseguia não consentir golos nos primeiros quatros jogos mas nem por isso essa solidez defensiva era um mau sinal. Pelo contrário. “Sei que dizem que o Gareth era defesa e que as nossas equipas são defensivas mas isso é bom”, comentou Phillips.

Mais uma vez, foi isso que fez a diferença sobretudo na primeira meia hora, com a Inglaterra a passar para a frente logo no quarto minuto com mais uma jogada de génio em espaço de cabine telefónica de Sterling a assistir Harry Kane na área para o toque à matador e a ter outras boas aproximações contra uma Ucrânia que acabou por ser surpreendida pelo 1-0 logo a abrir e que visou apenas por uma vez a baliza de Pickford pelo inevitável Yaremchuk (17′). Depois, a cerca de dez minutos do intervalo, a lesão de Kryvtsov obrigou a mexidas e Andriy Shevchenko aproveitou para desfazer a linha a três atrás, reforçar o meio-campo com Tsygankov e soltar mais elementos como Zinchenko ou Yarmolenko (a jogarem mais por dentro), melhorando nos minutos finais.

Parecia que o jogo ia mesmo mudar ou pelo menos ser mais equilibrado mas cinco minutos de terror na defesa ucraniana foram suficientes para terminar com as contas: Maguire marcou na sequência de um livre lateral marcado por Luke Shaw na esquerda (47′), Harry Kane aumentou também de cabeça na área após um novo cruzamento do lateral do Manchester United (50′) e tudo ficou resolvido, havendo ainda tempo para o 4-0 de Jordan Henderson, após um canto à direita batido por Mount (63′), quando os adeptos ingleses já cantavam uma outra música que não o Football’s coming home da ordem. Dava mesmo para tudo. Até para o Que sera, sera. O futuro pode não ser algo ao alcance de todos mas que a Inglaterra é uma séria candidata, não é preciso uma bola de cristal. Nem para isso nem para o clima de autêntica euforia que se irá viver nos próximos dias em Londres.

Que sera, sera
Whatever will be, will be
The future’s not ours to see
Que sera, sera
What will be, will be

O jogo a três toques

Para recordar

Harry Kane abriu a tampa do ketchup e marcou mais dois golos, Sterling mostrou que é o jogador mais capaz de desequilibrar qualquer que seja a forma de defender do conjunto adversário. Esta dupla, estando bem, é mais de meio caminho andado para fazer mossa nas equipas contrárias. No entanto, para esse brilho se soltar, também é preciso uma boa equipa. Foi isso que a Inglaterra foi mais uma vez, uma boa equipa. Com uma defesa sempre segura, com um meio-campo competente, com criativos como Mount e Sancho a nunca descurarem as missões defensivas que também têm. Entre todos eles, destacou-se Luke Shaw, que até estava em dúvida por ter no banco o campeão europeu Ben Chilwell para rodar. O jogador do Manchester United ficou na equipa, esteve bem na primeira parte (ao contrário de Kyle Walker), fez duas assistências a abrir o segundo tempo… e foi descansar.

Para esquecer

As entradas da Ucrânia no jogo. Primeiro, pela forma como foi surpreendida pela combinação de Sterling com Harry Kane tendo seis jogadores a controlar dois adversários. Depois, pela própria maneira como se apresentou inicialmente no Olímpico de Roma. Se a colocação da linha de três defesas como já tinha acontecido frente à Suécia (que jogava com dois avançados assumidos na frente) e o posicionamento das linhas mais baixas tendo Zinchenko mais por dentro era para potenciar mais as qualidades do jogador do City, falhou. Se era para apostar nas transições rápidas, foi errada – e foi por isso que Yarmolenko mal tocou na bola. Quando Kryvtsov saiu por lesão e voltou ao 4x3x3, a equipa mudou para melhor de forma quase automática com 35 minutos perdidos. E só não mostrou mais porque sofreu dois golos nos cinco minutos iniciais do segundo tempo, “matando” o jogo. Se o arranque do encontro já tinha sido mau, após o intervalo tornou-se um autêntico filme de terror.

Para valorizar

Jordan Pickford não é propriamente o guarda-redes mais bonito em termos estéticos nem é aquelas figuras que enchem a baliza só com o posicionamento e estatuto mas chega ao quinto jogo do Europeu sem sofrer golos e com uma outra particularidade: a forma como a Inglaterra defende não permite grandes oportunidades às equipas contrárias mas mais uma vez, à semelhança do que acontecera com a Alemanha, com a Croácia e com a Rep. Checa (e até com a Escócia, no único jogo que acabou em branco), resolveu tudo o que apareceu por ali. Se no Mundial de 2018 foi quase uma revelação, agora o guarda-redes do Everton tornou-se uma confirmação, mesmo entre umas falhas de concentração como uma rosca que fez ao sair da baliza aos 70′.