“Muito emocionado” e “agradecido”, a ouvir as propostas para os próximos meses ainda deixadas por Tiago Rodrigues mas já sem receio de dizer ao que virá. Pedro Penim esteve esta quinta-feira presente na apresentação da próxima temporada do Teatro Nacional D. Maria II e subiu ao palco para falar, convidado pelo antecessor.

Aquele que será o próximo diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II — substituindo Tiago Rodrigues, que se tornará o primeiro diretor estrangeiro da história do prestigiado festival d’Avignon —, começou por agradecer o voto de confiança e um elogio público: “Tiago, muito obrigado por tudo o que fizeste e pelas palavras”.

Deixando vários agradecimentos, desde logo ao “ministério da Cultura” e ao conselho de administração do D. Maria II, pelas “palavras de apoio”, “confiança que depositam em mim” e pela “nomeação”, Pedro Penim começou por lembrar que chega ao cargo “antes de mais como artista, encenador, dramaturgo”.

Referindo ter sido “muito feliz neste casa” que é o TNDMII, “quer profissionalmente quer pessoalmente”, Penim reconheceu a magnitude do desafio: “Chego com a consciência que nunca dirigi um teatro desta envergadura. Aceito de muito bom grado e com muita honra, sabendo que estou permanentemente à procura de espaços de desconforto”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Não tenho essa experiência mas aceito o convite com muita confiança. Tenho colecionado varias experiências ao longo dos anos, que podem ser uma espécie de manta de retalhos mas que me dão confiança para acreditar que posso fazer o melhor trabalho possível nesta casa”, apontou.

Pedro Penim quis depois apresentar-se, notando que é um “ser politizado” e dizendo que está “consciente que não basta ser artista, ator, dramaturgo e encenador, estou a assumir aqui um cargo político que acarreta responsabilidade política, social e ética”.

A responsabilidade “sobrepõe-se” aos seus “gostos”, às suas “inquietações possíveis” e às suas “vontades mais imediatas”, quis deixar claro o fundador da arrojada companhia Teatro Praga. Porém, acrescentou: “Não quero programar para a minha geração, como o Tiago também não o fez. Mas também não quero programar para aqueles que já partilham comigo afinidades”.

Quero fazer uma programação transgeracional e transestética”, apontou, notando “a responsabilidade que este teatro tem com a população portuguesa mas também com a cena teatral portuguesa, que é fervilhante e que é muito diversa, às vezes de fazer inveja a dramaturgias de países com muito mais investimento na cultura”.

O próximo diretor artístico, que começará a trabalhar em novembro, comprometeu-se a fazer “um mandato de grande pluralidade e não de sectarismo” e lembrou que ao aceitar o convite está também a assumir uma responsabilidade “para com artistas de teatro, que têm vivido com esta pandemia os piores anos da sua já crónica precariedade”. À instituição de que se tornará diretor artístico cabe também “ser agente primordial para atenuar estas consequências bastante devastadoras” da pandemia, notou.

Numa “nota mais pessoal”, Pedro Penim quis deixar um detalhe mais íntimo: “Chego como alguém que faz parte da comunidade LGBT e que aprendeu a fazer disso uma força”. Referiu depois não querer “defender-se ou marcar algum ponto” com a nota, dizendo porém que encontra “nesse setor da sociedade, nos estudos queer, pós-coloniais e ecológicos” reflexões com “linhas de pensamento e vetores de ação” que lhe interessam abordar também enquanto artista e programador.

“Considero também que programar é também um exercício de fazer futurologia com vista a uma sociedade mais justa e igualitária. Gostaria que a minha programação refletisse ideologias mais igualitárias e sistemas mais justos, que vá imaginando avanços sociais e artísticos absolutamente necessários para nos levar até ao estado mais próximo possível da utopia”, acrescentou.

Defendendo estar “numa casa de futuro”, garantiu: ”É também numa casa com visão de futuro que tenciono programar”. Mas aludiu a outras dimensões do TNDMII: “Para além desta ideia de futuro há aqui um lugar de memória viva do passado. O Teatro Nacional D. Maria II é um guardião das histórias do teatro, onde as pessoas poderão ir ver Shakespeare e outros clássicos a dialogar com os que estão vivos, seja de forma mais contemporânea ou tradicional”.

O próximo diretor artístico do D. Maria II acrescentou: “Receber esta direção artística do Tiago Rodrigues é algo que sinto como sorte. O legado não é assustador, é inspirador. O Tiago não levou nada a sério aqueles avisos com que às vezes nos confrontamos ao lidar com equipamentos públicos, que dizem: deixe tudo exatamente como encontrou. Conseguiu deixar este espaço mais limpo, orgânico e vivo. Faço-lhe um agradecimento, que sinto que é possível fazer em nome da classe e do país”.

Prometendo também “respeitar todo este legado que é incrível, de alguma forma revolucionário”, Pedro Penim assumiu por fim: “Vou querer fazer diferente. Não somos a mesma pessoa. Estou confiante que estou pronto para ser o anfitrião desta casa. Agradeço muito ao Tiago e espero poder cumprir tudo o que pensam que posso cumprir”.

Pedro Penim: “A minha visão não é oposta mas é outra, são os meus olhos”

Já depois da apresentação pública, em conversa com os jornalistas, Pedro Penim acrescentou uma informação: durante os próximos três anos deixará de integrar o Teatro Praga, companhia de que era um dos diretores artísticos: “Este convite é-me dirigido especificamente a mim e durante três anos terei de sair do Teatro Praga — que continuará. Eu estarei aqui a assumir estas novas funções”.

Aos jornalistas, Pedro Penim lembrou ainda que com Tiago Rodrigues e com os últimos conselhos de administração “houve um grande processo de mudança” no Teatro Nacional D. Maria II, que foi injetado de “vitalidade”. O teatro que Pedro Penim encontrou está por isso “num estado muito saudável, muito pertinente, com ligações nacionais e internacionais muito ativadas e relevantes”.

Para mim a responsabilidade é honrar essa abertura que foi conseguida, mantê-la e depois fazer uma interpretação [do que deve ser o TNDMII] de acordo com a minha sensibilidade e com a maneira como olho para o mundo e para o teatro. Certamente a minha visão não é diametralmente oposta do Tiago mas é outra, são os meus olhos”, referiu.

Explicando não ter ainda certezas muito firmes sobre as linhas orientadoras a que deseja dar continuidade e aquilo que quer mudar no Teatro Nacional D. Maria II, sendo que ainda por cima “é preciso cumprir a programação apresentada” agora pela direção artística ainda em vigor, o fundador do Teatro Praga insistiu na ideia de que a instituição “é um espelho da cena teatral portuguesa e deve sê-lo”. Por isso, “ultrapassa a minha vontade e o meu percurso artístico, há aqui uma responsabilidade política de intervenção sobre a história contemporânea e uma responsabilidade de fazer escolhas que têm impacto, porque o TNDMII é visto como um espaço de consagração”.

Uma das reflexões que Pedro Penim diz planear fazer é o equilíbrio entre “duas valências muito importantes”, o papel institucional do teatro como “biblioteca e guardião da dramaturgia portuguesa contemporânea clássica” mas também “o papel de rutura que pode ter”.