Quase dois anos e meio depois, a Met Gala, por fim, está de volta. Se 2020 foi para esquecer — e para apagar do mapa dos grandes eventos —, a desforra chegou com esta edição do evento. O dress code escolhido é “American Independence”, e leva à passadeira estendida no Metropolitan Museum, em Nova Iorque, uma digna homenagem à moda americana. E nesta espécie de reality show de vaidades e extravagância, não há propriamente forma de extrapolar os limites — tudo é possível e tudo aconteceu, apesar de uma cerimónia que prometia um regresso em grande e soube a pouco aos ávidos consumidores de passadeiras vermelhas. Desde os looks clássicos de Hollywood, como o de Billie Eilish, aos mais temáticos e americanizados como o de JLo com o seu chapéu de cowboy, viu-se passar de tudo na escadaria do Met. Rihanna, a mais aguardada por todos, tardou em aparecer e quando apareceu veio pronta para enfrentar os dias mais frios — ajudou o calor humano de Asap Rocky.

O tema obedece sempre à exposição anual que inaugura na mesma semana. Em 2020, a exposição que dava o mote à Met Gala tinha o título “About Time: Fashion and Duration”, mas a festa acabou por ser cancelada. Habitualmente agendada para a primeira segunda-feira de maio, a festa anual mais importante do mundo da moda foi adiada para setembro de 2021, rompendo com a tradição mas trazendo uma celebração especial. Isto porque a festa faz-se agora com um evento duplo, ou seja, a primeira parte acontece esta segunda-feira e a segunda parte será em 2022 (tudo aponta para que seja novamente em maio), também já com a segunda parte da exposição “In America: An Anthology of Fashion”.

“Queríamos, de uma forma muito consciente, transformar este evento numa celebração da comunidade da moda americana que tanto sofreu durante a pandemia”, reconheceu Andrew Bolton, curador do Costume Institute, num comunicado em abril citado pela Vogue. “Penso que a moda americana está a sofrer um renascimento, com jovens designers americanos na vanguarda das discussões em torno da diversidade, inclusão, sustentabilidade e criatividade consciente. Acho incrivelmente excitante”.

Tendo em conta que o evento desapareceu do calendário no ano passado, presume-se que este ano o desejo de regressar seja maior que tudo e que isso reflita também as escolhas de modelitos. Apesar de a moda americana, que serve de base à exposição, ser um assunto quase tão vasto quanto o oceano a gala afunilou o código de vestuário no tapete vermelho focando-se na independência americana.

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Anna Wintour foi das primeiras caras conhecidas a chegar, vestida num longo vestido florido Oscar de la Renta, uma escolha que foi feita para “homenagear a sua memória e amizade” com o designer.

Do mesmo criador, que morreu em 2014, Billie Eilish pisou a passadeira branca com um vestido de baile em tule nude, uma escolha que não é habitual na cantora, que costuma aparecer em conjuntos mais góticos e oversized. Eilish trabalhou de perto com os designers da casa de moda para criar um vestido que fosse feito à imagem da cantora, que impôs algumas condições para usar o vestido: a Oscar de la Renta teria de mudar a sua política de vendas e parar de vender peles. Billie Eilish é vegan e ativista pelos direitos dos animais e só assim faria sentido.

Rihanna é sempre uma das presenças mais esperadas da noite de Met Gala e, quando já muitos tinham perdido a esperança que a cantora pisasse o chão do museu, lá deu o ar da sua graça numa criação de Balenciaga. Numa espécie de kispo-manta oversized, Rihanna combinou o look — que em nada se assemelha ao glamour usado em edições anteriores — com jóias eram de Telma West.

Asap Rocky juntou-se à cantora e as demonstrações públicas de afeto foram isso mesmo — muito públicas. O rapper, sim, surpreendeu com um manto patchwork da ERL.

Naomi Osaka, uma das anfitriãs do evento, surpreendeu com uma criação Louis Vuitton — marca da qual se tornou embaixadora no início do ano — e, numa clara inspiração asiática, a tenista disse ter sido uma escolha para homenagear a sua herança haitiana e japonesa. Amanda Gorman desfilou um bonito vestido azul Vera Wang, que se inspirou na Estátua da Liberdade para a criação. A poetisa levava ainda uma clutch em forma de livro onde se lia “Give me your tired”, palavras do poema de Emma Lazarus escrito na estátua.

Houve também quem quisesse usar a roupa como passaporte direto para passar uma mensagem: foi o caso da congressista Carolyn Maloney que chegou num vestido com faixas escritas com a mensagem “Equal Rights for Women” e uma mala a condizer, defendendo a aprovação da Emenda sobre a Igualdade de Direitos (ERA). Também Alexandria Ocasio-Cortez apareceu vestida de branco, com um vestido assinado por Brother Vellies, que na parte de trás tinha escrito em letras garrafais vermelhas “Taxem os ricos”. Já Cara Delevingne posou com um colete-armadura branco onde se lia “Peg the Patriarchy”, que a modelo e atriz disse ser uma declaração feminista que simbolizava “levantar o dedo do meio ao patriarcado”.

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Há símbolos americanos que não passaram despercebidos, e Chalamet fez questão de notar que os seus Converse eram um deles, assim como o vestido de ganga da Versace foi a escolha óbvia para Lupita Nyong’o: “há coisa mais americana que a ganga?”, admitiu a atriz. Se há coisa tipicamente americana é o futebol, e Ciara fez questão de homenagear esse símbolo com um vestido Dundas em lantejoulas verde lima com o número com que joga o seu marido Russell Wilson nos Seahawks.

E quase num recordar nostálgico de Lady Gaga em 2019, também Lil Nas X chegou montado num manto dourado Versace que foi despindo para desconstruir a criação do atelier por camadas. Depois veio a armadura também ela dourada e, por baixo, escondia-se o macacão ornamentado com pedras. Com milhares de pedras Swarovski se fez também parte do vestido de Simone Biles, que pesava uns módicos 40 quilos — uma criação da Area que requeria força atlética para ser desfilada naquela passadeira.

Kim Kardashian já tinha dado uma achega daquilo que poderíamos esperar da socialite ao nível do look, que tem já aparecido em vários eventos toda de preto e com a cara coberta — parece que seguiu as tendências adotadas pelo ex-marido Kanye West desde o início da promoção do álbum “Donda”. Sem surpresa, Kim escolheu uma criação da Balenciaga e não deixou um centímetro de pele à vista. No Twitter as piadas cresceram que nem cogumelos que questionavam até se Kim teria uma dupla para fazer presenças nestes eventos.

Outro dos elementos que saltou à vista na escadaria do Met foram as flores. Várias personalidades escolheram esse elemento de adorno como foco dos seus conjuntos, começando por Anna Wintour, passando por Lili Reinhart em Christian Siriano, Irina Shayk em Moschino, ou até mesmo Nikkie de Jager.

Da parafernália de modelitos que por ali passa durante a noite do evento, há sempre aparições mais bizarras que outras, e nesse primeiro lote estiveram Frank Ocean, que surgiu com um robot verde fluorescente vestido como se tratasse de uma criança, e Grimes que já não surpreende mas desta vez escolheu uma espada como adereço. A designer Hillary Taymour, que assina a marca Collina Strada, surgiu junto a Kim Petras num look questionável onde ambas vestem vestidos voluptuosos com uma cabeça de cavalo saliente na zona do peito.

Uma edição jovem e mais morna que o habitual

Desde 1995, ano em que Anna Wintour, diretora da Vogue norte-americana, se tornou uma das anfitriãs desta gala, marcada para a primeira segunda-feira de maio. Ano após anos, cabe a Wintour nomear uma lista de convidados — esperam-se cerca de 400 para este evento — que está no segredo dos deuses até à hora H. Também está nas mãos de Wintour a escolha dos anfitriões, que este ano são o espelho da chamada Gen Z: é o caso de Amanda Gorman, a poetisa de 23 anos, Timothée Chalamet, o ator de 25 anos, Naomi Osaka, campeã de ténis de 23 anos e ativista da saúde mental, e Billie Eilish, o fenómeno musical de 19 anos que é também a anfitriã mais jovem de sempre. Nos assentos honorários sentam-se, claro, Anna Wintour, Adam Mossaria, chefe executivo do Instagram, e o criador de moda Tom Ford, que é também o presidente do Conselho dos Designers de Moda Americanos.

A última Met Gala aconteceu em 2019, quando ainda nada fazia prever o buraco de agenda que a pandemia criou. Sob o tema “Camp”, uma estética caracterizada pela extravagância e teatralidade da cor e da forma, a passadeira rosa deixou-se pisar por Lady Gaga e as suas mil caras, ou melhor, os seus quatro looks num só — que foi despindo um a um à chegada do evento.

Também as plumas coloridas das irmãs Jenner ficaram presas no horizonte de quem assistiu, ou sem esquecer a mítica personificação de um candelabro levada a cabo por Katy Perry. Cardi B acabou por marcar pela sua pesada cauda Thom Browne e Jared Leto até levou a sua cabeça debaixo do braço — salvo seja.

O que é isso da moda americana?

Andrew Bolton não quer deixar que a moda americana seja reduzida a uma definição, porque é mais que isso. Em três palavras pode ser “heterogénea, diversa e plural”, mas “a ideia de reduzir a moda americana a uma só definição é totalmente antitética ao que a exposição é”, refere à Vogue, explicando que cada peça em exposição tem uma expressão e emoção diferente. A exposição “American Ingenuity”, de 1998, foi a última vez que o museu cobriu este tema, que precisava agora, segundo Bolton, de voltar a ser revisitado. O curador salientou que, devido à pandemia, a ligação com a casa tornou-se, tal como a roupa, muito mais emocional e  que, para a moda americana, isto significou uma maior ênfase na ideia de praticidade, um conceito presente na primeira parte da exposição “In America: A Lexicon of Fashion”. A mostra celebra também o 75º aniversário do Costume Institute e inaugura dia 18 de setembro ​​no Anna Wintour Costume Center.

Esta primeira parte estabelece um vocabulário moderno da moda americana baseado nas qualidades expressivas do vestuário, bem como nas suas relações mais profundas com questões como a igualdade, diversidade e inclusão. A primeira parte da exposição destaca 100 conjuntos, a maioria dos quais foram criados nos últimos cinco anos. Fiel à cultura juvenil que orienta a moda, a tecnologia e tantos outros aspetos da sociedade, a exposição engrandece o presente, o que pode até explicar o porquê dos anfitriões desta edição serem mais jovens que o habitual.

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Os conjuntos masculinos e femininos estão organizados em 12 secções que exploram qualidades emocionais: Nostalgia, Pertença, Encanto, Alegria, Maravilha, Afinidade, Confiança, Força, Desejo, Confiança, Conforto e Consciência. Designers como Prabal Gurung, Kerby Jean-Raymond, Virgil Abloh, Telfar Clemens, Heron Preston, Vaquera e Rihanna’s Savage x Fenty são alguns dos nomes presentes na exposição, entre outros emergentes como Stan, Dauphinette, Mimi Prober ou No Sesso. Não deixa de haver por lá criações de Claire McCardell, Bonnie, Norman Norell, Tom Ford, Tory Burch, Thom Browne, Vera Wang ou Marc Jacobs.

“Esta exposição em duas partes irá considerar como a moda reflete as noções evolutivas de identidade na América e explora uma multiplicidade de perspetivas através de apresentações que mostram algumas das complexidades da história com poderosa imediatez”, comentou Max Hollein, diretor do MET, citado pela Vogue Espanha.

No fundo, a mostra cria uma espécie de enciclopédia de emoções da moda americana, tal como a Met Gala acaba por ser também, por manifestar sempre o auge de cada tema escolhido.

A segunda mostra, “In America: An Anthology of Fashion”, será exposta em 21 salas da ala americana do museu e foca-se nos 300 anos de narrativas históricas, tanto pessoais como políticas do país, com inauguração marcada para 5 de maio de 2022.