A primeira surpresa já tinha aparecido logo na primeira jornada. A realizar a estreia absoluta na Liga dos Campeões, o Sheriff derrotou o Shakhtar Donetsk, uma equipa que esteve nas meias-finais da Liga Europa há duas épocas, e deixou claro que não estava na fase de grupos da competição para ser o bobo da corte. Ainda assim, existia a possibilidade de a vitória contra os ucranianos ter sido apenas uma noite bem conseguida. Algo que o Sheriff, esta terça-feira, fez questão de rejeitar.
Em pleno Santiago Bernabéu, a equipa orientada pelo ucraniano Yuriy Vernydub bateu o Real Madrid e colocou-se no primeiro lugar isolado do Grupo D, beneficiando ainda do empate sem golos entre Inter Milão e Shakhtar. O Sheriff abriu o marcador ainda dentro da primeira meia-hora por intermédio do uzbeque Yakhshiboev, viu Benzema alcançar a igualdade de grande penalidade mas resistiu e chegou ao golo da vitória. Quase em cima dos 90′, Sébastien Thill — irmão de Vincent Thill, que jogou no Nacional na época passada — cabeceou de forma perfeita na grande área e bateu Courtois, carimbando mais três pontos para um autêntico David tornado Golias.
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Numa equipa onde sobressai a qualidade individual do lateral Cristiano, acabou por ser o guarda-redes Athanasiadis a realizar a grande exibição da noite. O guardião grego, que está no Sheriff a título de empréstimo do AEK, sobreviveu com 11 defesas a um verdadeiro bombardeamento que inclui 31 remates, 29 cruzamentos e 13 cantos. O último guarda-redes a fazer tantas defesas enquanto visitante num jogo europeu no Santiago Bernabéu, curiosamente, havia sido Keylor Navas: em novembro de 2019, já pelo PSG, o costa-riquenho que também representou os merengues fez as mesmas 11 defesas em 13 remates.
Mas, no universo do Sheriff, a história do clube acaba por ser ainda mais curiosa do que a história da vitória frente ao Real Madrid. Frequentemente interpretado como proveniente da Moldávia, a verdade é que essa naturalidade não corresponde inteiramente à verdade — ou seja, não está completamente certa nem completamente errada. O Sheriff, que na sua designação completa é Sheriff Tiraspol, vem da Transnístria, uma região que fica dentro das fronteiras internacionalmente reconhecidas como pertencentes à Moldávia mas que declarou unilateralmente a sua independência em 1990, com o apoio da Rússia, e que é governada por uma oligarquia.
A Transnístria mantém-se efetivamente independente graças ao suporte russo mas não é reconhecida internacionalmente, recolhendo legitimidade apenas em três países que não pertencem à ONU e que têm eles próprios um reconhecimento muito limitado — Ossétia do Sul, República Artsaque e Abecásia. Ainda assim, o território com quatro mil quilómetros quadrados e cerca de meio milhão de habitantes, distingue-se da Moldávia em vários pontos-chave: na Transnístria fala-se russo e não romeno; a foice e o martelo estão presentes em praticamente todos os edifícios estatais; a bandeira e o hino do país são os da República Soviética da Moldávia, quando o território estava incluído na URSS; e diversas praças, em todo o país, têm estátuas de Lenine e de outras figuras históricas soviéticas.
Ora, e como é que, no meio de tudo isto, nasce um clube de futebol? A resposta acaba por ser simples. Num território onde o halterofilismo e a luta livre são os desportos por excelência, o original FC Tiras Tiraspol nasceu em 1996 e começou a competir na segunda divisão da Moldávia. No ano seguinte, contudo, tudo mudou: Viktor Gushan, um antigo agente do KGB que é o fundador da empresa Sheriff, decidiu ocupar-se pessoalmente do clube de futebol, patrociná-lo praticamente por inteiro e dar-lhe o nome da firma. A Sheriff é um conglomerado de empresas que detém praticamente um monopólio na região, já que controla uma cadeia de postos de gasolina, uma cadeia de supermercados, um canal de televisão, uma editora, uma empresa de construção, uma agência de publicidade, uma rede telefónica, uma fábrica de bebidas espirituosas e ainda duas fábricas de pão.
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— FC Sheriff (@FotclubSheriff) September 28, 2021
De forma algo irónica, o Sheriff compete e sempre competiu na liga da Moldávia, sendo constantemente uma das melhores equipas do Campeonato. Desde 1996, o ano em que se estreou, o Sheriff foi campeão nacional em 19 ocasiões, falhando o título apenas em 2010/11 e 2014/15 a partir de 2000. Para além de ter um centro de treinos de alto nível com oito campos, uma universidade, um hotel de cinco estrelas e casas para os atletas, o clube joga no Sheriff Stadium, um estádio com mais de 12 mil lugares que pode receber encontros da FIFA e da UEFA e que foi inaugurado em 2002.